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Crítica | Vingança Diabólica, de Stephen Gilbert

O romance que deu origem aos clássicos Calafrio e Ben, O Rato Assassino.

por Leonardo Campos
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Uma história relativamente interessante, mas datada. Assim podemos definir Vingança Diabólica, romance de Stephen Gilbert, material literário que rendeu três filmes inspirados em sua estrutura: Calafrios (1971), Ben, O Rato Assassino (1972) e A Vingança de Willard (2003). Na época de sua publicação, a crítica considerou que o livro transformava Os Pássaros, de Alfred Hitchcock, num passeio pelo parque. Será mesmo? Lendo hoje, confesso que apesar da boa atmosfera construída pelo autor, a narrativa sofre com alguns momentos de marasmo, talvez porque tenhamos aderido aos filmes anteriormente, produções que no geral, traduziram o texto como um ponto de partida fixo, sem muitas inovações que permitissem uma perspectiva mais crítica. Com ambientação macabra, quase gótica, o conteúdo do livro é uma descida aos espaços mais sujos da mente humana, habitada aqui por ressentimentos e outras sensações apavorantes.

Na leitura, acompanhamos as notas de um diário. O narrador, sem nome declarado, é um rapaz solitário, acossado por pressões sociais e tensões no ambiente de trabalho e no espaço que deveria ser o conforto do lar, mas que na verdade, é uma ambientação claustrofóbica e hostil. Ele vive com a sua mãe, uma senhora bastante idosa, dependente, irritante e debilitada, alguém que impede o já antissocial personagem em sua trajetória de vida. Preso ao passado, representado adequadamente pelas descrições do narrador, excelente material para os diretores de arte das versões fílmicas pesquisarem, observamos a cada capítulo, a sensação de se habitar um mundo e se sentir deslocado, impactado por forças externas que sufocam e angustiam. Assim é a vida do protagonista em Vingança Diabólica, um jovem homem que possui uma série de restrições para vida plena em sociedade, tendo ainda que lidar com a agressividade de seu chefe.

Certo dia, a sua mãe começa a perseguir o filho, apontando que o jardim está um lixo, tal como a casa, cheia de problemas e ainda tensa por causa da presença de ratos que ela não vê, mas consegue ouvir. Com a incumbência de eliminar os roedores, criaturas que nós, na vida real, também detestamos e consideramos pragas, o narrador se afeiçoa pelos bichos e se torna próximo de Sócrates, um amigo improvável. Do contato com o primeiro chegam outros ratos. O solitário rapaz se torna alguém incluso numa “comunidade imaginada”, tornando-se um criminoso ao ter que cometer pequenos delitos para conseguir alimentar tamanha horda de roedores. Com o avanço da narrativa, outras situações peculiares começam a se estabelecer. Os planos de vingança que estavam adormecidos nos confins psicológicos do personagem despertam como um monstro.

É deste ponto que o narrador começa a estabelecer no romance, situações mais intensas. Uma delas, talvez a principal, é o ato contra o seu chefe, o maléfico Sr. Jones, homem que passou a ocupar a cadeira de diretor da empresa, antes pertencente ao pai do protagonista amigos dos ratinhos. Na escrita detalhista, repleta de momentos de delineamento do estado psicológico do narrador, o irlandês Stephen Gilbert segue a desenvolver situações hoje consideradas como repulsivas, tal como a forma misógina na qual descreve as mulheres, apontadas de maneira bastante preconceituosa, algo que nos pede uma leitura mais atenciosa para melhor compreender o contexto de escrita. O isolamento exposto nas passagens do diário lembra bastante a relação de Norman Bates com a sua mãe, personagens do romance Psicose, de Robert Bloch, massificado na cultura cinematográfica no excepcional filme homônimo dirigido por Alfred Hitchcock.

Publicado no Brasil pela Global Editora, o romance teve um projeto adequado para a sua época de lançamento, com tradução coerente de Laura S. Blandy ao longo de suas 195 páginas com escrita fluente e situações narrativas simples. Na capa, a imagem trabalhada por Darlon Souza cria a atmosfera ideal para acompanharmos a história sobre opressão que se transforma em desejo de vingança. Publicado em 1968, a história de Stephen Gilbert é um fruto de sua época, material que se torna mais interessante se lido diacronicamente, tendo em consideração o período, as mudanças culturais e outros aspectos para quem consome arte ciente da necessidade de buscar por si próprio a contextualização, uma postura crítica para qualquer leitor desejável no contemporâneo. Quem gosta de narrativas de horror com direcionamento mais psicológico, provavelmente consumirá Vingança Diabólica como um produto literário adequadamente diletante.

Vingança Diabólica (Ratman’s Notebooks – EUA, 1968)
Autor: Stephen Gilbert
Tradução: Lauro S. Blandy
Editora no Brasil: Global Editora
Páginas: 196

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