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Crítica | Visão: Pouco Pior Que Um Homem & Pouco Melhor Que Um Animal

por Luiz Santiago
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Nota: O título dos dois arcos são trechos de uma fala de Pórcia, na peça O Mercador de Veneza, de Shakespeare.

Parte da linha All-New, All-Different Marvel, esta série do Visão é composta por dois arcos, com seis revistas cada uma, com datas de capa de janeiro a dezembro de 2016. A série tem a seguinte premissa. O Visão, que é um androide sintezoide, apagou uma série de memórias de seu disco rígido (lá se vai uma vida de casado com a Feiticeira Escarlate…), para manter o sistema ‘rodando mais suavemente’. Em adição a isso, ele resolveu criar para si uma esposa e dois filhos sintezoides, Virginia, Vin e Viv, e com eles se mudar para uma casa no subúrbio de Washington D.C., atendendo à Casa Branca e também aos chamados periódicos dos Vingadores.

Não é segredo para o leitor que a “equipe salvadora da Terra” não está muito animada com essa tentativa do Visão de construir uma família e viver como um humano médio, no subúrbio da capital; mas não fazia sentido impedir o desejo do sintetizoide. E não há ironia o bastante que caiba tão bem no roteiro de Tom King quando ele nos apresenta essa família de Visões pela primeira vez.

Empregando um recurso metalinguístico através de um inteligente princípio narrativo (a voz off que serve tanto para apresentar os eventos da HQ como para dar pequenos spoilers para o leitor, rompendo, mas nem tanto, a quarta parede) o autor nos dá a entender que existe algo de muito ruim à espreita, apenas esperando o momento certo para vir à tona. Como ele não faz segredo de algumas tragédias que devem acontecer “mais para o fim da nossa história“, o leitor avança a leitura com um pé atrás, esperando que alguém faça alguma coisa errada e que tudo comece a desmoronar. Não demora muito e isso de fato começa a acontecer.

Recebendo os vizinhos em casa.

O roteiro, todavia, não toma esses bons momentos sugestivos como único caminho possível para a história. O autor não se contenta com a “brincadeira” da voz off. Ele realmente cria um cotidiano para o Visão e o faz de maneira honesta, combinando a noção racional e impessoal de um casal e dois filhos sintetizoides com progressivas doses se apego ou algo parecido com sentimentos, que sabiamente entra na narrativa como falhas de sistema. Exceto pelo tom de encerramento nas edições #6 e #12, ou seja, nos desfechos de cada um dos arcos, o autor não tropeça em sua proposta, não nos faz acreditar em algo falso e, principalmente, não trai a confiança do leitor com desvios amenos. As tragédias acontecem. A discussão ético-moral sobre o mal acontece. E a força que isso ganha dentro de um contexto familiar de um personagem que, em tese, não era para ter família, é soberbo.

De cara, nos vem a discussão (e consequente comparação) com esse conceito que tantos debates vem gerando nos nossos tempos: o que é e quem pode formar uma família? Através do biotipo/propósito dos personagens principais, somos convidados a pensar o tema a partir dos mais mundanos acontecimentos, potencializados para atender a força dos sintetizoides, como o ataque do Ceifador, por exemplo. Aí se somam o bullying, o preconceito e a quebra de convenções sociais, tudo isso ligado a um padrão familiar “novo” dentro de um cenário familiar “velho”. O que acontece quando essas duas perspectivas se juntam?

O projeto artístico da revista não fica atrás do excelente texto e funciona tanto com Gabriel Hernandez Walta, que desenha e arte-finaliza praticamente toda a série, quanto com Michael Walsh, que trabalha apenas na edição #7. Dos traços para os personagens até o impressionante aproveitamento do espaço e ritmo dos desenhos, tudo tem o seu devido lugar e atenção na parte imagética da história, que é cheia de pequenos detalhes importantes. Note, por exemplo, as variações da decoração da casa dos Visões, o tipo de roupa que usam e a linha de demonstrações emocionais que eles não deveriam ter, mas acabam tendo (e sim, isso aparece pontualmente e é compreensivelmente contextualizado). Jordie Bellaire também merece os devidos louros pelas cores, fazendo painéis nada clichês para representar cenas de memória, projeções, flashbacks ou narrações eletrônicas. Os amarelos são os mais difíceis para conseguir um bom uso do volume da arte e mesmo assim, lá estão os desenhos em toda a sua glória.

Recordar é viver.

O destino da família de Visão é um misto de tragédia de Shakespeare (que Vin tanto admira) como as mais ingratas e corajosas formas de contar uma “história a distância” de uma família incomum como a família Visão. A exemplo do que citei antes, senti apenas uma leve mudança no tom geral do texto ao final das revistas #6 e #12, especialmente a última, talvez como uma forma de o roteirista não fechar demais as portas e impedir que ele ou outro continuasse a trama daqui para frente ou utilizasse os eventos dessa saga nas revistas de outros grupos ou heróis. Uma coisa é certa: esta é uma jornada que qualquer fã do Visão e da Marvel deveria ler. Sem sombra de dúvidas, um dos melhores títulos de super-heróis publicados em 2016.

Visão: Pouco Pior Que Um Homem & Pouco Melhor Que Um Animal (Vision: Little Worse Than A Man #1-6 / Vision: Little Better Than A Beast #7-12) — EUA, janeiro a dezembro de 2016
Roteiro: Tom King
Arte: Gabriel Hernandez Walta (#1 – 6, 8 – 12) / Michael Walsh (#7)
Arte-final: Gabriel Hernandez Walta (#1 – 6, 8 – 12) / Michael Walsh (#7)
Cores: Jordie Bellaire
Letras: Clayton Cowles
Capas: Michael Del Mundo, Christian Ward, Marco D’Alfonso

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