Home QuadrinhosMinissérie Crítica | Viúva Negra por Mark Waid e Chris Samnee (2016 – 2017)

Crítica | Viúva Negra por Mark Waid e Chris Samnee (2016 – 2017)

por Davi Lima
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A parceria Mark Waid e Chris Samnee é bem clara na agilidade, síntese e objetividade que se busca implementar na leitura projetada. Essa característica não fica apenas na construção de quadros de variados tamanhos e formatos que se encaixam com um texto flutuante e conciso, a personagem Viúva Negra pertence a esse jeito de imagens. A heroína, vingadora e agente da S.H.I.E.L.D dentro da construção mítica da russa e feminino de força ela é calada, violenta e proativa na ação, em que os escritores compreendem bem o bom uso da elipse para a ação e finalização da cena ilustrada. Porém Waid e Samnee não querem crescer a personagem dentro da visão preconceituosa que a mulher só é forte dentro dos princípios da máquina de matar, ela é forte por ter uma história própria, em que sua personalidade fria, porém delgada nos traços da HQ, demonstram que tudo o que se conta nesse sistema de histórias de agentes secretos e informações sigilosas roubadas influenciam a rapidez de como Natasha lê o mundo e o leitor lê o dela.

A emoção de acompanhar esse projeto da Marvel se vale por uma premissa tão clichê quanto empolgante para a personagem central tratar os grandes desafios como atividades físicas, mas no seu íntimo ela tem seu passado e raiva que estremece quem é colocado no seu caminho. Mas não se deve esperar uma aventura apenas de função ativa da personagem, os roteiristas demonstram bem nessa segunda edição que existe a clássica falta de pertencimento da personagem a coloca em conflitos de passividade que impulsiona a cada edição fechada em si como a Viúva enfrentará tal fragilidade contextual.

O que Waid e Samnee fazem é tornar a ação em balé, uma fuga silenciosa, um verdadeiro gracejo de um beijo leve que Samnee harmoniza com Waid num storytelling visual que sustenta todos os quadrinhos. É como um plano sequência cinematográfico que causa efeito gostoso de se assistir o movimento, mas no caso da nona arte a leitura fragmentada em quadrinhos é sequenciada com uma boa diagramação. O fator de Samnee escrever o roteiro com Waid e ainda formar a ilustração contribui para esse efeito, em que a história parece simples, uma fuga constante, mas contada a cada sequenciação e fragmentações que liberam fricções que emocionam a leitura com explosões, com um olhar de Natasha e uma onomatopeia que dizem mais que diálogos

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Ao longo da narrativa, nessa dupla dinâmica de um ilustrador com um roteirista que sabe do universo lúdico como Waid, ao mesmo tempo que se dar tempo ao quadrinho preto para imergir na mente da protagonista quando ela está com uma venda, da mesma forma quando ela cai numa armadilha um último quadro representa a simbologia com mais intensidade. Dessa forma, mesmo que o centro da história seja clichê, quando mais uma vez Natasha é pega pelo seu passado, quando ela é obrigada a trair a S.H.I.E.L.D., é o como, a forma como Waid e Samnee compreendem que esse estreito do mercado da editoria da Marvel pode ser preservado e revolucionado com a base diferencial das histórias em quadrinhos: a completude da escrita com a ilustração como unidade. 

Apesar de em linhas críticas literais ser fácil de elogiar o trabalho de Waid e Samnee com relação aos conceitos básicos de histórias e quadrinhos sem uma elaboração técnica desvendando em exposição textual, ao menos dois apontamentos sutis para se prestar atenção com base comparativa com outras HQs é necessário para se compreender ainda mais a harmonia artística da dupla. Primeiro apontamento é com relação ao traço preto mais grosso e enfático de Samnee, em que o trabalho também dinâmico com o colorista Matthew Wilson suaviza o minimalismo dos traços mais grossos de Samnee. Isso leva para o segundo apontamento que é a diagramação, um trabalho muito conjunto de toda a equipe artística e editorial para cada edição de 22 páginas que organiza o balé de Waid e Samnee, que se pode perceber na variação e na padronização dos quadrinhos para uma parte da narrativa ou para caracterizar a protagonista Viúva Negra. 

O que se escolhe entre um splash page, uma síntese e um fracionamento de quadros de mesma proporção, ou um recorte desproporcional para diferenciar os impactos dos quadrinhos, é o que se faz nesse volume 6 da Viúva Negra. A diversidade se vale da ação, em que se coloca variação até de cores com negativos para estouros de balas e outros pontos dramáticos da ação que alcançam leveza quando Natasha é ágil e experiente como dançarina de uma música clássica. E o padrão é a proposta de sempre colocar um close up nos olhos de Natasha, pois quando mais se acha que ela é fria na suavidade forjada na pintura de Samne e Matthew Wilson, Waid conversa com Samnee em lembrar que a imagem é um meio, não um fim para se contar sobre Viúva Negra. 

Chama atenção, assim, como a história que leva Natasha para a Sala Vermelha, ou a nova Sala Escura, uma modernização, não é necessariamente o vilão Leão Chorão, que pela espionagem da Viúva Negra descobre o plano do antagonista muito cedo, ou muito menos uma vingança contra Anya, ou qualquer passado. O que leva Natasha para seu passado é sempre a aparência passiva que ela vive, seja da SHIELD, de documentos sobre sua vida, entre outros fatores que a tornam sigilosa sobre si mesma. Essa proposta combina muito com a capacidade visual, já detalhada, de confrontar isso nos movimentos quadrinescos da diagramação, ou evidenciar a identidade de Viúva em relação a seu contexto. Se ela é uma espiã, a suavidade da colorização do preto se mistura com as penumbras sombreadas nas ilustrações. Da mesma maneira, quando uma página é composta com 6 quadros com o mesmo aspecto e sintetizam ações e elipses que Viúva Negra age acaba introduzindo nessa forma de narrativa seu caráter ativo. Não basta iniciar tudo com uma cena de ação para animar uma fuga de classe da S.H.I.E.L.D. no começo do volume 6 sem nenhum conflito. Entre dois desafios, para se provar mais uma vez com seu passado em duas frentes, o que ajuda na continuação da leitura da história é como ela vai tornando seu passado não um trauma e sim um novo meio de resoluções para seus problemas do mesmo passado. 

Essa mesma resolução se baseia na simultaneidade, em que se descobre que há alguém por trás do capanga mestre chamado Leão Chorão, a S.H.I.E.L.D. vai atrás de saber da confiança de Viúva, e tanto as cenas de ação quanto uma cena se suspense de vida e morte num sequestro os quadros perdem lógica simples de sequenciamento, exigindo do leitor uma visualidade da página de maneira mais atenta, assim como a compreensão de como um quadrinho mais vertical sobrepõe horizontalmente quadrinhos lineares para formar uma tensão simultânea. Entendendo esse conceito, muito dos planos na mente da Viúva Negra para resolver seus conflitos soam como algo cíclico e imprevisível, causando mortes, mas que demonstra experiência de entender que sua confiança não é instável, é estável de tal maneira que ela consegue usar a desconfiança da S.H.I.E.L.D., Sala Escura e Leão Chorão como uma teia que a aranha vai matando suas presas com muitas consequências com delicada medição de drama para uma colorização suave. 

Eu colho o que planto. (Natasha Romanoff, vulgo Viúva Negra) – falando com Tony Stark na edição #6

A grande questão é que as consequências não tem linha flashforward nas histórias contadas com Viúva Negra, ou seja, um cliffhanger ou uma tensão posta de uma edição para outra dentro do volume 6 pode ser uma armadilha para o leitor. Porque se Natasha Romanoff fala para o vilão Leão Chorão que ninguém entra na mente dela, e Chris Samnee e Waid pregam uma ambiguidade. Se a provocação da diagramação é imergir na mente da Viúva, e ao mesmo tempo ela realmente consegue se impor e enganar os personagens em sua volta, sempre se mantendo estável, quando mais se entra na mente da Viúva mais confiante o leitor fica nela, ou mais desconfiante ainda. Essa é a ambiguidade, que junto a simultaneidade trabalhada na forma visual da narrativa, vão sustentando qualquer história simples envolta dos mistérios revelados sobre Viúva Negra e ela enfrentar a Sala Escura. 

No entanto, há uma dificuldade narrativa quando se prega peças com o leitor, mesmo que preparando um terreno consciente de que a protagonista que em sua identidade necessita dessa maneira de contar história. Por isso, Waid começa a cambalear quando Natasha começa a falar muito, descaracterizando a base visual silenciosa, e o escritor precisa de um tiro impactante que quebre o vidro que Natasha viu como reflexo de seus planos. Mas ao mesmo tempo que há essa remediação dos passos da protagonista na história, já que ela parecia muito adiantada em suas resoluções, há o engatar do leitor na história na dúvida, mais uma vez, sobre a ambiguidade sobre a passividade e o papel ativo da Viúva Negra em sua história, ao mesmo tempo que não há apenas flashbacks da Sala Vermelha, mas também do vilão Leão Chorão. Assim, quando Waid parece perder a mão quanto a identidade do Volume 6 que construiu com Samnee, ele na verdade preserva uma possibilidade de expansão da boa dúvida quanto a fragilidade ou a força ainda maior que Viúva Negra pode demonstrar. 

Ao invés de manter a mesma dimensão mais low profile de uma espiã internacional dentro de uma mitologia Marvel, centrado em ações corpo a corpo e conflito por informações secretas, as descobertas sobre o verdadeiro Leão Chorão e sua relação com telepatia vão dando passos de mais possibilidades, como uma crescente de um filme de Jason Bourne para um James Bond, de um realismo para algo mais espalhafatoso dentro do universo de quadrinhos e da espionagem. E isso só é possível, mais uma vez, pela leveza que o visual traz como um papel ofício ao léu, mas também cortante de sem dobrado e atirado. Essa metáfora representa bem qual a ideia da personagem Viúva Negra que Samnee e Waid constroem como uma personalidade indecifrável, porém com uma certa unidade. 

Não é à toa que Soldado Invernal surge de maneira inusitada como uma única brecha que Waid acha de justificativa de fomentar mais um crossover de personagens, fora o Homem de Ferro, mas agora com um passado romântico já estabelecido. A importância do personagem é a ponte tanto de o leitor ter alguém que ajude a ler Viúva Negra, como a ponte entre a ação física totalmente visual de Samnee para algo mais grandiloquente que Waid conhece da mitologia da Marvel. Só assim que há um desenrolar de um personagem aparentemente invencível ser descascada em todas as suas nuances pelos roteiristas. 

O roteiro chega a um nível “bondeano” para receber uma providência romântica ou sobrenatural e seguir a mesma linha de Viúva Negra: resolver de maneira rápida e eficaz, como se as peças se encaixassem ao ponto de dimensionar outra proporção quanto a protagonista. Waid gosta de provar seus personagens até o fim, pois dentro da dom romântico de escrever HQs sempre precisa-se de algo novo a cada edição, e Waid converte a ideia de acréscimo como noção de estender escopo, como se tudo já estivesse lá e ao mesmo tempo tudo se acabasse no mesmo canto desvendado. Por isso, o passado da Sala Vermelha e a antagonista Anya, que treinou com Natasha na mesma sala, se volta às resoluções do jeito Natasha, mesmo quando ela não é ativa. Waid e Samnee trabalham juntos não para fazer um mistério e sim construir um gênero de ação da Viúva Negra dentro da Marvel, e isso inclui dar uma proporção sobrenatural de resolução rápida paralelamente a resolução ágil de Viúva. Essa é a extensão sem alterar a identidade da narrativa com acréscimos.

Por fim, esse preservar da identidade visual e narrativa forma um ciclo, como se Natasha sempre estivesse fugindo, lutando e sendo ativa, enquanto o contexto passivo é convencido de seus atos. Esse contexto são as garotas, crianças da Sala Escura, que fomentam um ciclo, como já foi dito, Viúva usa o passado para resolver o próprio passado, quebrando o ciclo naturalmente. Mas, afinal, o contexto passivo, na qual Natasha não consegue ser completamente ativa, se revela como providencial. Waid e Samnee, mas uma vez, demonstram como a harmonia de um gênero de ação com um traço leve de narrativa visual possibilitam de maneira mais plausível dimensões de redenção sem alterar a personalidade fria da personagem, que na verdade quer sair do frio. Na fuga da S.H.I.E.L.D. na verdade é o de encontro com a espionagem. 

Com bons roteiristas a lei de sempre falar do passado da personagem se transforma em permissividade para missões de lá para cá, com reviravoltas de extensão ou pontualidades, em um constante movimento que deve captar a leitura em cada onomatopeia, sangue escorrido e colorização dos quadrinhos. A Marvel não tem um James Bond mulher ruiva, ela tem a Viúva Negra que é a representação da ação, de sentimentos e habilidade alcançando a fervura do seu distintivo conto.

Viúva Negra por Mark Waid e Chris Samnee (Black Widow by Waid & Samnee: The Complete Collection | EUA, 2016)
Contendo: Viúva Negra Vol. 6 #1-12
Roteiro: Mark Waid e Chris Samnee
Arte: Chris Samnee
Cores: Matthew Wilson
Letras: Joe Caramagna
Páginas: 269

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