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Crítica | Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos

por Luiz Santiago
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SPOILERS!

Quadrilha. Este poderia ser o título drummondiano de Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (2010). Depois de ironizar sobre a existência humana em Tudo Pode dar Certo (2009), Woody Allen voltou à Europa e realizou uma comédia dramática com temas muito conhecidos dele. As brigas e desencontros entre casais, a crise de criatividade, o sobrenatural, a morte e a traição, são motivos presentes nesse novo filme mas que poderemos encontrar espalhados pela filmografia do diretor. A partir dessa informação, entramos naquele campo onde os desafetos do cineasta novaiorquino parecem ganhar fôlego e estufar o peito ao dizerem: “Woody Allen sempre faz o mesmo filme, só muda o elenco”.

Bem, para os que assim pensam, é preciso apenas olhar com atenção para identificar detalhes e enxergar mudanças. Os temas woodyanos já nos são conhecidos e é a partir deles que o cineasta constrói o seu mundo neurótico, cômico ou dramático. No decorrer dos anos, Allen voltou a trabalhar com os mesmos motivos em seus roteiros, mas dentro de uma trama e mundo diferentes, com nova tecnologia e artes e em outra realidade. Não há, de fato, uma repetição, há o seguir uma linha de coisas muito pessoais que a cada nova obra ganham um ar novo, um reciclar criativo e inovador dentro de um material autoral e, acima de tudo, reconhecível: qualquer pessoa que inadvertidamente entrasse, sem saber, em uma sessão de um filme de Woody Allen, já a partir dos créditos de abertura saberia de quem era o filme e o que esperar dele. Esse crescendo que Allen empreende em seus “temas e variações” faz com que cada filme seu seja motivo de espera por parte dos cinéfilos fãs e base para a pergunta: quem, o que e como o diretor vai “atacar”? No presente longa, o alvo são os adivinhos e profetas do futuro (anos depois ele faria Magia ao Luar, cercando o mesmo tema) e o plano de fundo, uma verdadeira quadrilha de amores, desamores, traições e buscas.

Os créditos de abertura do filme são embalados pela belíssima When you wish upon a star, de Ned Washington e Leigh Harline e, a partir desta canção, segue-se a história de Helena, uma sensível senhora recém abandonada pelo marido que vai procurar a adivinha Cristal para saber de seu futuro. O marido, Alfie, luta contra a idade, tentando parecer jovem. Então ele conhece uma “atriz” muitíssimo mais jovem que ele e casa-se com ela. Sally, a filha de Helena e Alfie, tem seu casamento com Roy cada vez mais sensível, até o momento em que ele resolve assumir o caso com a jovem vizinha Dia e Sally resolve declarar-se para Greg, o dono da Galeria de Arte onde trabalha. Greg apaixona-se por uma artista amiga de Sally. A nova esposa de Alfie não é lá muito fiel e o próprio Alfie resolve voltar para Helena, que já não o aceita, por estar saindo com um outro cavalheiro que, por sua vez, ama a esposa falecida e tenta entrar em contato com ela através de sessões espíritas para pedir-lhe permissão e casar-se novamente. Com tantas idas e vindas, vemos que Allen desconstrói o gênero da comédia romântica, tornando-o ácido e trazendo para dentro da história questões relevantes sobre a sociedade, o abandono, o plágio, o desejo e a paixão.

O filme assume o tom de crônica do cotidiano. Um narrador off, o Virgílio que nos acompanha pelos círculos do inferno amoroso, é um recurso que Allen quase sempre usou em seus filmes e que tem aparecido em quase todos os seus últimos lançamentos. Os vários núcleos dramáticos do roteiro são ligados através desse narrador tão irônico quanto o de Vicky Cristina Barcelona, mas aqui, assume um papel também de criador, porque a decupagem dos fatos é realizada através de sua visão-narração.

O amor e os relacionamentos são tão charlatões quanto a vidente que vê auras rosas e “um novo momento” na vida de Helena. Os astros, as cartas, a oposição entre o que se vê cientificamente e “o que não se vê, mas existe” são equilibrados na balança de um cupido cujas lentes enxergam a relação entre duas pessoas como uma gigante rede de possibilidades. Não sendo exato o amor prometido para sempre, ele irá mudar, ser entregue a outro ou transformar-se em ira. A visão do amor como um conto de fadas é mostrada como uma história de horror urbano sem monstros. Os vilões aqui são as próprias pessoas e seus desejos que não são realizados porque vão de encontro ao desejo do outro: o inferno sartreano arde em plano cenário cômico.

Vilmos Zsigmond, em sua terceira parceria com Woody Allen (as outras duas foram em Melinda e Melinda e O Sonho de Cassandra) traz uma forte iluminação amarelada para a fotografia. A impressão que temos é que um verão muito quente influencia essa fogueira amorosa acendida pelos personagens em diversas camas. As cores quentes no figurino, no cenário, e uma iluminação quase metálica dão esse ar de quentura dramática e estética às cenas, mesmo nas tomadas noturnas, e o resultado está dentro daquilo que sabemos ser algo muito típico de Woody Allen dos anos 90 para cá: boa luz para que possamos identificar os rostos das personagens e divisar bem todos os pontos do cenário, salientado o drama.

Anthony Hopkins assume o papel que seria de Allen em outros tempos. Sua atuação é comedida, sem muitos excessos, mas com muita competência. Os outros destaques vão para Gemma Jones no papel de Helena (numa atuação emotivo-cômica e muito, muito impressionante) e Lucy Punch como Charmaine, em um papel que nos lembra o de Mira Sorvino em Poderosa Afrodite. Naomi Watts está a contento, dentro da considerada normalidade para ela. Antonio Banderas, com seu sotaque carregado, parece afetado demais, inclusive na aproximação de sua performance com a de Allen, gaguejando e tudo mais, vide a cena em que ele convida Sally para ver uma ópera de Donizetti, momento em que essa semelhança com o estereótipo do “neurótico Woody” aparece com maior força.

Embora o filme não seja um dos geniais de Woody Allen, ele carrega todos os ingredientes para um bom filme. O roteiro, mesmo com alguns problemas, que consegue ligar e desligar todos os personagens; a condução do filme pelo diretor é muito boa; o uso da música é preciso… tudo convida e garante uma boa sessão.

Entre a comicidade, a tragédia, o amor e a adivinhação, Allen termina a década com uma obra que põe num caldeirão mágico e incerto todos os seres humanos e as pessoas que amam durante a vida. No fim, apesar do “som e fúria” shakespeariano, nada tem significado por si só. É preciso fazer valer, dar significado às coisas e acreditar que, seja um “moreno alto e estranho” ou o seu “estranho”, você vai conhecer a pessoa dos seus sonhos. Uma mensagem ácida de esperança em um tempo onde nada se espera além do desastre.

Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (You Will Meet a Tall Dark Stranger) — EUA, Espanha, 2010
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Gemma Jones, Anthony Hopkins, Naomi Watts, Josh Brolin, Freida Pinto, Eleanor Gecks, Antonio Banderas, Pauline Collins, Rupert Frazer, Kelly Harrison, Fenella Woolgar
Duração: 98 min.

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