Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft

Crítica | Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft

Um conto de fadas cheio de lava e cinzas.

por Ritter Fan
656 views

Apesar do título em português que tira toda a poesia do original Fire of Love e já prenuncia o que o documentário da National Geographic aborda, diria que é impossível não abrir um sorriso ao final de Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft. Afinal, o que o espectador vê ser narrado é quase que um conto de fadas real que lida com a geoquímica Catherine Joséphine “Katia” Krafft e seu marido, o geólogo Maurice Paul Krafft, que compartilharam toda uma vida estudando vulcões pelo mundo, seu perigoso interesse em comum, legando ao mundo uma riqueza de imagens, filmes e pesquisas e que, em 03 de junho de 1991, morreram também juntos no fluxo piroclástico do Monte Unzen, no Japão.

E o aspecto de conto de fadas fica ainda mais saliente quando aprendemos que Katia e Maurice eram franceses nascidos na mesma região que se conheceram ainda estudantes da Universidade de Estrasburgo e que se casaram em 1970, passando a lua de mel na ilha vulcânica de Stromboli que fotografaram constantemente, logo decidindo não ter filhos para poderem, juntos, perseguir a carreira de vulcanólogos que eles bancaram com a publicação de suas fotos e filmes das mais diversas formas. A vida deles já havia sido abordada duas por ninguém menos do que Werner Herzog, a primeira vez em Visita ao Inferno, em que o cineasta usou muitas imagens capturadas pelo casal e a segunda em The Fire Within: A Requiem for Katia and Maurice Krafft, este lançado no mesmo ano que o documentário sob análise que tem o mérito de fundir a vida pessoal do casal com imagens belíssimas e poderosas retiradas do vasto arquivo dos Kraffts até hoje objeto de muita procura por cientistas e cineastas.

Usando a tragédia do Monte Unzen como uma maneira de enquadrar a narrativa, a diretora Sara Dosa começa na véspera da morte do casal, somente para rebobinar para o momento em que eles se conheceram e começaram a vida de vulcanólogos, tudo por intermédio de imagens deles próprios ou de amigos e com a inusitada narração com voz baixa e rouca de Miranda July que, depois de alguns minutos de aclimatação, encaixa-se perfeitamente à atmosfera íntima que a montagem da equipe de produção entrega. O que Dosa consegue fazer, em essência, é um documentário sobre uma bela história de amor de um homem e uma mulher que literalmente nasceram um para o outro e que resolveram encarar o desafio de viver cada segundo da vida focado em suas pesquisas de campo, mesmo que isso acabasse custando suas vidas.

A clareza de raciocínio de Katia e Maurice – especialmente de Maurice, o mais falastrão dos dois – sobre o caminho que escolheram lá atrás e que perseguiram por mais de 20 anos é rara e muito valiosa, uma verdadeira lição de como encarar de frente o que precisar ser encarado para conseguir seus objetivos. O que os dois tiveram, sei muito bem, daí o uso de conto de fadas logo no começo da crítica, é um privilégio que muito poucos vivem, quase ninguém diria, pois a vida profissional e privada deles se misturaram e se tornaram uma coisa só, sem a separação que foi tão bem ilustrada em Ruptura. No entanto, é isso que faz do documentário uma obra tão única, isso e, claro, as absolutamente hipnotizantes imagens das mais variadas erupções vulcânicas mundo afora, seja da variedade “vermelha”, mais domada, em que a lava corre em rios cavados na terra, seja da variedade “cinza”, mais violenta, explosiva e mortal (não sem querer a que ceifou a vida dos Kraffts).

O documentário, porém, é uma celebração da vida de Katia e Maurice, pelo que a abordagem é sempre positiva, com toda a divergência entre eles ficando restrita a alguns momentos em que suas personalidades diferentes entram em choque sobre determinado assunto específico, como a loucura de Maurice em navegar de bote inflável em um lago de ácido sulfúrico na Indonésia. No entanto, não chegaria ao ponto de dizer que o documentário é puramente do tipo “chapa branca”, pois seu objetivo, que ele alcança com louros, é narrar uma história de amor inusitada envolvendo duas figuras que foi para os vulcões o que Jacques-Yves Cousteau significou para a pesquisa e cinegrafia marinha.

E, vamos lá mais uma vez, pois é sempre bom lembrar: como não ficar feliz, como não abrir um sorriso – mesmo que talvez entre lágrimas – diante de um casal que viveu, trabalhou, teve êxito na profissão escolhida e morreu lado-a-lado, não é mesmo? Não é exatamente a tragédia de Katia e Maurice Krafft, mas sim, mais corretamente, o triunfo!

Vulcões: A Tragédia de Katia e Maurice Krafft (Fire of Love – EUA/Canadá, 2022)
Direção: Sara Dosa
Roteiro: Shane Boris, Erin Casper, Jocelyne Chaput, Sara Dosa
Com: Miranda July (narração), Katia Krafft, Maurice Krafft
Duração: 98 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais