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Crítica | Watchmen: Motion Comic

por Ritter Fan
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Como parte dos surpreendentemente vultosos investimentos da Warner na adaptação cinematográfica de Watchmen, a HQ revolucionária de Alan Moore e Dave Gibbons ganhou um controverso tratamento que muito provavelmente deve ter deixado muito leitor de cabelo em pé, prontos a pegar tochas e ancinhos para derrubar os portões do estúdio em Burbank: ela foi convertida em uma motion comic ou, em tradução direta, “quadrinhos animados”. Lançada originalmente em 12 capítulos (obedecendo rigorosamente os da graphic novel) a partir de julho de 2008, a história foi reunida em DVD no ano seguinte e vendida tanto separadamente (inclusive no Brasil) quanto empacotada no Ultimate Cut do filme.

São 5h25′ seguindo toda a HQ, com narração (ou seria leitura?) de Tom Stechschulte, que teve uma breve carreira como ator e, depois, notabilizou-se como narrador/leitor de áudio-livros. E, por incrível que pareça – e provavelmente Alan Moore colocará meu nome na próxima maldição que conjurar – se o espectador já tiver lido a graphic novel algumas vezes na vida para apreciar seus detalhes, a experiência com o motion comic é muito interessante e vale o esforço, ainda que minha sugestão pessoal seja assistir capítulo a capítulo (cada um tem de 25 a 30 minutos) homeopaticamente, jamais de uma vez só ou ao longo de um ou dois dias. Depois de uma curva de adaptação – que variará de pessoa a pessoa, claro – a experiência como um todo acrescenta e não detrai da HQ, sendo, no final das contas, uma maneira válida de encarar a magnífica história criada por Moore Gibbons.

Mas vamos começar pelo que ela não é.

Para início de conversa, os puristas – aqueles que, junto com Alan Moore, consideram a HQ “imexível” – devem se afastar completamente dessa óbvia heresia. Aliás, nem sei o que vocês estão fazendo aqui lendo a presente crítica, já que a mera aparição dessa publicação na tela de seu computador, tablet ou smartphone deveria ser o suficiente para justificar a destruição do aparelho. Porque sim, essa motion comic pode e deve ser considerada como uma adaptação da HQ. Não é – e eu repito, não é! – uma leitura integral de Watchmen. O texto foi alterado para permitir ritmo, fluidez, pareamentos com as imagens em movimento e enxugar a história para essa mídia híbrida.

Dito isso, não corram para as colinas em terror! Tudo, absolutamente tudo que está na HQ está também na motion comic (eu assisti com a graphic novel no colo, passando as páginas, então posso atestar). As mudanças se restringiram a alguma frases, alguns poucos balões suprimidos, algumas ordens trocadas de falas, mas sem que por um segundo seja realmente possível sentir que algo foi fatalmente alterado. Esse trabalho de adaptação foi efetivamente feito com respeito e cuidado, merecendo todas as láureas.

E as láureas também deveriam ir para o trabalho de direção de Jake Strider Hughes. Ele basicamente “remontou” a HQ de maneira a criar um produto diferente, mas perfeitamente reconhecível e inteligível. Esqueçam aquelas motion comics de 1960 da Marvel que eram só os heróis parados com o pano de fundo mexendo e algumas onomatopeias jogadas na tela (mas que eu adorava!). A produção é do mais alto gabarito e os personagens realmente se movimentam, ainda que de maneira “dura”, já que não estamos falando de uma animação propriamente dita. Aqui também há respeito ao material fonte, sem invencionices. São braços que levantam e abaixam, expressões que se alteram (incluindo a célebre máscara de Rorschach) e assim por diante, sempre no limite do estritamente necessário para justificar o nome motion comic (essa foi a primeira vez que a expressão foi usada para batizar essa técnica já bem antiga, mas pouco usada).

Além da movimentação, acrescentou-se efeitos sonoros variados que enriquecem a experiência, além de uma trilha sonora composta especialmente para o motion comic por Lennie Moore (que trabalha muito com a indústria de games), emprestando um ar muito completo para essa experiência que ultrapassa a fronteira da Nona Arte, mas que não chega à Sétima. Mas não esperem “passagens de páginas” ou mesmo visões das páginas como um todo, pois não é essa a proposta. O hibridismo natural do conceito exige que o espectador deixe de esperar aquilo que se espera tanto dos quadrinhos quanto de animações e passe a julgar o motion comic como um motion comic, algo decididamente difícil no começo, mas que, com insistência, acaba tornando-se razoavelmente natural.

No entanto, esqueçam a maravilhosa simetria de Terrível Simetria, o famosíssimo capítulo V da HQ, com páginas e quadros simétricos. Isso não é nem de longe detectável no motion comic. Também é necessário aprender a aceitar que, como a arte de Dave Gibbons não foi alterada, o close-up em determinados quadros que foram desenhados para permanecer em segundo plano e que, por isso, têm menos detalhes e menos cores, por vezes saltam aos olhos como “defeituosos”, mas não é nada disso. Foi apenas uma escolha narrativa que faz sentido para o propósito da mídia. Igualmente, é possível notar – mas só na comparação direta com a HQ – que alguns desenhos que são vistos apenas parcialmente nos paineis, foram “completados” (respeitosamente!) para permitir a fluidez do pan and scan que é feito pela câmera de Hughes.

Por outro lado, o paralelismo da história-dentro-da-história Contos do Cargueiro Negro, fica mais saliente e perceptível, efetivamente melhorando a correlação narrativa que, por vezes, na HQ, pode fugir ao leitor. Houve o cuidado de se parear os balões de fala/narração entre uma história e outra sempre que essa circunstância acontecia na HQ (novamente, não há heresias completas aqui).

O maior problema do motion comic, porém, está na narração de Tom Stechschulte. Para começo de conversa, considerando que a Warner estava confiante em sua adaptação cinematográfica, teria sido muito melhor se ela soltasse uns trocados a mais para contratar outros narradores/leitores para fazer as vozes principais. Pelo menos os personagens principais deveriam ter ganhado vozes específicas. Como tudo recaiu no colo de Stechschulte, o resultado é um estranhamento que, pelo menos em meu caso, persistiu até o final. Afinal, ouvir o narrador esforçar-se para afinar a voz para fazer Sally ou Laurie Jupiter ou alterar a entonação para oscilar entre Rorschach e Ozymandias chega a ser engraçado e olha que estou acostumado a escutar áudio-livros em que isso acontece normalmente. O ponto é que, nos livros, não vemos os personagens e no motion comic sim, o que cria o abismo entre voz e personagem.

Como se isso não bastasse, Stechschulte muitas e muitas vezes deixa sua voz em tom estável, monótono mesmo, o que cansa o espectador mais do que deveria. Além disso, esteticamente, houve a escolha duvidosa de se deixar os balões de fala e de narração aparentes, criando uma redundância que em nada agrega.

O motion comic de Watchmen não tem nenhum pretensão de substituir a experiência maravilhosa que é a leitura da HQ. Mas, para aqueles que, já tendo lido a graphic novel várias vezes, quiserem ter uma experiência diferente, sabendo ultrapassar aquele ranço do pré-conceito típico dos fãs cegos que não aceitam nenhuma alteração sequer em sua obra sagrada favorita, essa forma de ler/ver/experimentar Watchmen é imperdível.

Watchmen: O Completo Motion Comic (Watchmen: The Complete Motion Comic, EUA – 2008)
Direção: Jake Strider Hughes
Roteiro: Alan Moore
Arte: Dave Gibbons
Cores: John Higgins
Narração: Tom Stechschulte
Trilha sonora: Lennie Moore
Duração: 325 min.

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