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Crítica | Weird: The Al Yankovic Story

Uma piada com as biografias musicais através da carreira do gênio das paródias.

por Roberto Honorato
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Um dia eu serei o melhor – talvez não em técnica – mas discutivelmente serei o tocador de sanfona mais famoso do mundo em um gênero musical bastante específico.

Considerando que a figura de Weird Al Yankovic não é tão popular no Brasil quanto nos EUA (o que é um crime), acredito que essa crítica exija um pouco de contexto. O músico dedicou sua carreira à paródias de sucessos do rádio, e está em atuação desde o começo da década de 1980 até hoje, acumulando – até o momento – quatorze álbuns e vários clássicos, a maioria baseados em outros clássicos (ele também tem diversas músicas completamente originais em seus álbuns), ainda assim muito bem recebidos pelo público e crítica. Muito da razão de Al ter uma carreira consistente e longeva é seu bom humor e criatividade em cada música. É difícil encontrar outras pessoas que continuem relevantes por tanto tempo, principalmente em um gênero tão específico quanto a comédia musical, e dá pra notar sua influência em quase todo artista que segue essa linha, como o trio do The Lonely Island ou a banda Tenacious D, da dupla Jack Black e Kyle Gass.

Mesmo não sendo tão conhecido por aqui, você provavelmente já se deparou com a imagem de Al em algum momento, talvez assistindo Simpsons, onde ele participou algumas vezes, ou fazendo pontas nas comédias de Leslie Nielsen, e mesmo em sua aleatória participação no polarizante Halloween II de Rob Zombie (ele está na cena da entrevista, com sua característica camisa havaiana, ao lado de Malcolm Mcdowell). Se você não viu, provavelmente o ouviu dublando personagens em séries como Hora de Aventura, Bojack Horseman ou A Lei de Milo Murphy, onde faz o protagonista. Com isso, dá pra entender um pouco a fama que Weird Al tem na cultura pop, especialmente a norte-americana, tanto que esse não é o primeiro filme dele, levando em conta que em 1989 escreveu e protagonizou o longa de esquetes UHF, traduzido por aqui para TV Pirada. Mas por qual motivo, razão ou circunstância alguém decidiu dar dinheiro para uma cinebiografia dele?

A ideia de Weird: The Al Yankovic Story nasceu há mais de uma década, quando o grupo de comédia Funny or Die lançou um trailer falso, dirigido por Eric Appel, para uma cinebiografia do cantor, intitulada apenas Weird, com Aaron Paul como protagonista e Olivia Wilde interpretando Madonna. Na época o trailer falso parodiava sucessos como Ray e Walk the Line, que contavam a história de Ray Charles e Johnny Cash, respectivamente. O maior obstáculo para narrar as origens de Al uma década depois seriam as obras lançadas nesse intervalo, que trouxeram uma saturação no gênero de cinebiografias musicais, ainda mais considerando o lançamento de A Vida é Dura (Walk Hard), que já foi uma paródia sucedida do formato. A solução foi transformar toda a jornada do comediante e cantor em uma grande piada, parodiar a história de vida de quem fez a carreira em cima de paródias.

Weird: The Al Yankovic Story explora a absurda jornada de um músico genial que descobre a habilidade para mudar a letra de sucessos da rádio, e assim assistimos sua ascensão meteórica à fama, o estilo de vida pouco ortodoxo, além de todo o sexo, drogas e rock n roll esperados de um cantor que seduz com sua incrível habilidade na sanfona, sem deixar de lado sua infeliz e sua inevitável queda – e ascensão, novamente.

Óbvio, ~quase~ tudo nessa premissa é mentira, e por isso o contexto inicial pode ajudar na apreciação do filme, porque Al sempre foi um cantor que passa longe de polêmicas, evita bebidas alcoólicas ou drogas, e está casado com a mesma pessoa há anos. A decisão de transformar seu cotidiano comum em uma história cheia de drogas, sexo e violência pode funcionar tanto para o benefício do filme, subvertendo a expectativa do espectador familiarizado com o formato ou com o protagonista, quanto contra o longa, levando em conta que a proposta específica do filme pode afastar parte do público. Independente disso, as sequências que extrapolam a biografia de Al são hilárias, e ficam mais engraçadas quando você percebe que alguns dos segmentos mais bizarros realmente aconteceram, como a banda gravando e testando a acústica em um banheiro público, ou um vendedor de sanfonas batendo na porta da família Yankovic. 

Quase todos os elementos do filme são uma paródia, e isso não poderia ser diferente no elenco, com a decisão de escalar Daniel Radcliffe no papel de Weird Al. É claro que visualmente eles não possuem muitas semelhanças, com Radcliffe sendo mais baixo em estatura, e bem mais musculoso que o cantor – contudo, o ator trabalha bem com as piadas, tem uma ótima entrega cômica e humor físico suficiente para emular os movimentos exagerados do cantor, sem deixar de manter uma consistência dramática na personagem. O mesmo pode ser dito de Evan Rachel Wood e sua versão caricata de Madonna, que precisa ser tão excessiva quanto Radcliffe por ser a coadjuvante com quem mais interage.

Por conta da quantidade de artistas que fizeram parte do passado de Al, o longa traz celebridades importantes da vida do cantor interpretadas por outras celebridades que admira ou são suas fãs, como o apresentador Conan O’Brien assumindo o papel de Andy Warhol, Emo Philips de Salvador Dali, Jack Black como o dj Wolfman Jack, Quinta Bruson de Oprah, o próprio Weird Al como o produtor musical Tony Scotti, e Jorma Taccone aparentemente incorporando o comediante Pee-Wee Herman; assim como outros artistas, bem mais conhecidos, em personagens originais e papéis comuns, como Josh Groban interpretando um garçom ou Lin-Manuel Miranda tentando se esconder por trás de uma máscara de médico.  

Muito desse tom foi estabelecido no trailer falso, com atores estabelecidos interpretando outras celebridades com as quais não possuem muita similaridade, e o trabalho de figurino também ajuda nessa representação caricata, com roupas completamente desproporcionais, maquiagem e cabelo propositalmente exagerados e mal aplicados, jamais negando que estamos assistindo uma farsa besteirol sem qualquer compromisso com a realidade das figuras apresentadas no filme, similar ao que acontece com Al. Esse é o nível de “esforço reverso” de vários departamentos do filme, priorizando o humor acima de tudo – o que é bom para uma comédia, mas não quer dizer que risadas sejam suficientes para sustentar uma obra.

Há tropeços notáveis na execução de Weird, como o ritmo inconsistente por conta de cortes bruscos e a necessidade de construir muitas cenas com uma progressão que as obrigam a terminar em uma piada exagerada e absurda, o que traz poucas transições orgânicas, o que deixa as coisas um pouco mais previsíveis, algo que poderia ter sido evitado se Eric Appel (ele foi chamado de volta para dirigir o longa baseado no seu trailer falso) abraçasse de vez a narrativa paradoxal, ao invés de contar a história de uma forma mais linear e focar apenas na primeira metade de sua carreira. Essa abordagem deu certo em UHF, que tinha um formado mais experimental, mesclando narrativa linear com esquetes e segmentos aleatórios, algo que combina melhor com o humor de Al – provavelmente deu certo em UHF por conta da direção de Jay Levey, que até hoje trabalha nos videoclipes do cantor.

Para manter uma certa unidade na qualidade das músicas, Al precisou regravar as músicas, e dá pra notar que é a sua voz atual no filme, saindo de Daniel Radcliffe. Isso foi necessário por conta da qualidade de produção mais “amadora” dos primeiros álbuns do cantor, então agora temos músicas clássicas como Eat It ou My Bologna remasterizadas. Outra alegria para os fãs é a quantidade de referências e easter eggs, com várias músicas sendo referenciadas através de diálogos e piadas brincando com a expectativa do público. Vamos falar de todas daqui a pouco.

Weird: The Al Yankovic Story pode estar devendo em alguns pontos, principalmente por ter pego bastante emprestado de Walk Hard. Ainda assim, é uma cinebiografia engraçada, que sabe explorar o formato para fazer uma paródia de quem as entende melhor. Não é perfeito, mas como o próximo filme diz, ele “pode não ser tecnicamente o melhor, mas é discutivelmente” a comédia que Weird Al Yankovic merece para celebrar seu legado de mudar as letras de músicas que já existem, além de ser o Deus do acordeão, e um gênio na França.
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Referências e Easter Eggs

Ainda que seja uma figura cômica conhecida por um público bem específico, Weird Al pode ser facilmente considerado uma das figuras mais importantes da música, considerando que está em atividade há quatro décadas e conseguiu estar nas paradas de sucesso (pra ser mais específico, top 40) em todas, algo que apenas artistas do nível Madonna e Michael Jackson conseguiram. Por conta de sua história, vale mencionar algumas referências e easter eggs:

A Infância, adolescência e família de Weird Al

Muito dessa parte do filme é bem fiel aos eventos reais, como Al ser fã do programa de rádio Dr. Demento, que depois se tornou seu mentor, ou o fato de um vendedor de acordeões passar de porta em porta e conseguir vender um instrumento para a família Yankovic. Ao contrário do que o filme mostra, os pais do cantor sempre apoiaram sua carreira, tanto que o ajudaram a comprar o acordeão e participaram de alguns de seus shows, fazendo a introdução. Obviamente, o pai de Al não caiu na porrada com o vendedor, essa parte foi o que chamam de liberdade criativa.

Em certo ponto, Al vai para uma festa de polca, referência ao álbum Polka Party; mais tarde a mãe de Al aparece acima do peso e todos ficam esperando uma reação do cantor, sendo que um dos seus sucessos foi Fat, parodiando Bad, de Michael Jackson. Uma das reviravoltas do filme está na ideia de que Eat It foi uma música original de Al e Michael Jackson o parodiou, criando Beat It. Claro que, na realidade, foi o contrário. 

My Bologna, Inconsistências na Linha do Tempo

Todo o segmento envolvendo a criação da música My Bologna, paródia de My Sharona, é bem parecida com o que realmente aconteceu. Al levou seu acordeão para o banheiro de uma rádio local e gravou lá mesmo por conta da acústica, depois enviou a fita para alguns djs, incluindo Dr. Demento, e foi bem recebido pelo público, além da Knack, a banda responsável pela música original. Quando viu que poderia fazer sucesso com sua música, Al largou a faculdade de arquitetura. Na cena em que tenta vender seu single, é atendido pelo produtor Tony Scotti, interpretado pelo próprio Weird Al.

O parágrafo anterior reforça como o longa está cheio de inconsistências temporais, como o primeiro encontro com Dr. Demento, que acontece bem antes do que o mostrado no filme, e o lançamento das músicas está fora de ordem, o que deixa tudo mais engraçado.

A Festa na Piscina, Queen, vários convidados e mais anacronismos

Quando Al é convidado para uma festa na piscina, é introduzido à diversas figuras importantes da comédia, como Pee Wee Herman, Tiny Tin e o comediante Gallagher, com sua camisa listrada, além dos cantores Alice Cooper, Elton John, Frank Zappa e a banda DEVO. Para ficar mais bizarro, a presença dos artistas Andy Warhol, interpretado por Conan O’Brien, e Salvador Dali, por Emo Philips, parceiro de cena de Al em UHF. Em certo ponto chegam Divine e Elvira, mas a participação mais aleatória é a de John Deacon, o baixista da banda Queen, que desafia o cantor a parodiar Another One Bites the Dust, o que rende Another One Rides the Bus. A produção do filme tentou usar Freddie Mercury, mas a banda vetou o uso do vocalista, então decidiram transformar John Deacon na piada.

Oprah, Alucinógenos, Michael Jackson e Madonna

Depois de uma sequência de entrevistas para o programa da Oprah, que Al realmente fez, mas com um público e perguntas diferentes, assistimos o cantor e Dr. Demento em uma viagem causada por LSD, o que não aconteceu, mas rende uma cena psicodélica que inspira Al a criar Eat It, sua próxima música, dessa vez original. Na realidade, a música é uma paródia de Beat It, de Michael Jackson, com quem o comediante tinha uma ótima relação, tanto que o rei do pop deu a benção para que Al continuasse se inspirando em suas músicas. O único caso em que Jackson vetou uma paródia foi com Black or White, considerada importante demais para se fazer piada.

Uma pena não termos alguém interpretando Michael Jackson no filme, mas isso é compensado com a hilária interpretação de Evan Rachel Wood e sua Madonna caricata, que visita a casa de Al pedindo uma paródia. Por incrível que pareça, a cantora realmente gostava do comediante e pediu para que ele fizesse uma paródia de uma de suas músicas, mas não há evidências de que os dois tiveram um caso amoroso – mas gosto de imaginar que sim. Tudo que acontece entre os dois da metade do filme até o fim é puramente ficcional. 

Hamilton, Like a Surgeon, Pablo Escobar

Duas das participações especiais mais aleatórias são o cantor Josh Groban, interpretando um garçom, e Lin-Manuel Miranda, como um cirurgião, o que dá a ideia de Al para fazer a música Like a Surgeon, paródia de Like a Virgin, de Madonna. Uma curiosidade rápida envolvendo a participação de Miranda é que o compositor do musical Hamilton é fã de Weird Al, tanto que pediu para que o comediante fizesse um medley parodiando o musical, na música Hamilton Polka.

Por falar em coisas aleatórias, provavelmente a palavra que mais usei nesse texto inteiro, o filme dá uma guinada por um caminho completamente diferente, com Pablo Escobar raptando Madonna, a namorada de Al. Todo o segmento de invasão no estilo Rambo é uma piada com o primeiro filme do cantor, UHF, onde ele interpreta a personagem de Sylvester Stallone em uma esquete.

Coolio, Amish Paradise, Prince

O terceiro ato traz o reencontro de Al com sua família, e a descoberta que seu pai também escrevia músicas. Isso inspira o cantor a voltar aos palcos com o lançamento de Amish Paradise, paródia de Gangsta Paradise, do rapper Coolio. Na realidade, Coolio foi uma das pessoas que não ficou feliz com a música de Al, e por isso ele é representado na platéia com raiva. Outro artista que não se sentia confortável com as paródias do comediante era Prince, que nunca autorizou qualquer homenagem, e por isso ele também é visto na platéia durante a premiação final, indignado por Al ter levado um prêmio em seu lugar.

Na cena final, enquanto recebe seu prêmio, o cantor é assassinado pelo cartel colombiano. Felizmente, ele continua vivo até o momento que escrevo esse texto – ou é o que ele quer que você acredite.

Weird: The Al Yankovic Story (EUA, 04 de novembro de 2022)
Direção: Eric Appel
Roteiro: Weird Al Yankovic, Eric Appel
Elenco: Daniel Radcliffe, Richard Aaron Anderson, Rain Wilson, Juliane Nicholson, Toby Huss, Evan Rachel Wood, Lin-Manuel Miranda, Josh Groban, Weird Al Yankovic, Will Forte, Patton Oswalt, Michael McKean, Jack Black, Paul F. Tompkins, Akiva Schaffer, Conan O’Brian, Jorma Taccone, Nina West, Quinta Brunson, Arturo Castro, Seth Green
Duração: 108 min.

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