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Crítica | Westworld – 1ª Temporada

por Guilherme Coral
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estrelas 5,0

  • Leiam as críticas individuais de cada episódio da temporada aqui.
  • Contém spoilers; leia apenas se já tiver assistido todos os episódios.

Esses últimos anos definitivamente não tem sido bons para a HBO quando falamos de suas séries dramáticas. Embora Game of Thrones seja um sucesso absoluto (apesar de sua queda de qualidade nas últimas temporadas, e, sim, estou ciente dos Emmys), os outros seriados originais da emissora não tem sido bem recebidos: Vinyl, mesmo com todo o hype, não supriu as expectativas do público, The Leftovers demorou a esquentar e terminará em sua terceira temporada, True Detective apresentou uma vertiginosa queda em seu segundo ano ano. A emissora, portanto, apoiava-se unicamente em uma série que estreou em 2011 e beira seu fim e, é claro, nas suas bem-sucedidas comédias, como VeepSilicon Valley. Isto é, até Westworld.

Baseado no longa de mesmo nome, de 1973, dirigido e roteirizado por Michael Crichton (que tem muito mais obras que um certo parque dos dinossauros), a série veio com a responsabilidade de substituir a saga passada em Westeros. Não no sentido pleno da palavra, claro, já que ambas podem e devem coexistir, mas sim para suprir a audiência do canal no restante do ano. A tarefa certamente não era fácil, especialmente considerando os fortes concorrentes atuais da HBO, que vão desde a AMC, com The Walking Dead, até a cada vez mais gigante Netflix. Um ponto muito específico, porém, nos deixava confiantes em relação à grande aposta do canal, os nomes Lisa Joy e Jonathan Nolan.

A experiência de Joy no ramo audiovisual não vem de longa data. Ela trabalhara como roteirista em séries como Pushing DaisiesBurn Notice, da qual também fora produtora, mas ela é casada com o próprio Jonathan e sua proximidade com os Nolan certamente a influenciaria de alguma forma e, naturalmente, facilitaria na condução do seriado, que mais que deixou claro o talento da showrunner, que passa a ser muito mais que a esposa do cineasta.

O casal decidiu caminhar por uma estrada ousada, criando uma narrativa fragmentada, não da maneira como estamos acostumados: com muitos focos dividindo um mesmo episódio e sim através de inúmeras subtramas dispostas como peças de quebra cabeça que formam uma única imagem gigantesca. É preciso calma para assistir os primeiros episódios de Westworld, para que não nos percamos. Cada detalhe é meticulosamente inserido na narrativa ao ponto que um erro de continuidade, por exemplo, dá dicas do que descobriríamos mais tarde, especialmente no que se refere ao tempo não linear que gira em torno de Dolores.

Do cenário até as nuances da expressão de cada personagem, tudo contribui para um quadro maior, de maneira que somos forçados a dedicar o máximo de nossa atenção se quisermos desvendar os mistérios do parque antes do season finale, que nos entrega de bandeja (quase) todas as respostas. Mas a jornada é mais fascinante do que as revelações.

Westworld é uma daquelas séries que somente podemos chegar a um veredito final após assistir seu último capítulo. Ele é a peça central do quebra-cabeças, o centro do labirinto que revela todos os caminhos tomados para se chegar até ele. Nele, os planos de Robert Ford, a missão de William/Homem de Preto e as confusões de Dolores, se tornam claros e, quando enxergamos tudo isso, chegamos a derramar uma lágrima de satisfação, entusiasmados de termos visto tamanha coesão em um seriado. Depois de assistir The Bicameral Mind, o episódio final, consigo enxergar nitidamente Nolan e Joy entregando um roteiro completo da série para a HBO muito antes do primeiro capítulo ir ao ar.

Mas não só o roteiro resume o grande trunfo que é esse seriado. Os diversos diretores que encabeçaram cada um dos episódios nos entregam trabalhos magistrais, com decupagens cuidadosas que não só articulam os pontos dramáticos dos capítulos de forma potente, como revelam exatamente aquilo que precisam revelar, sem mais, nem menos e, em algumas situações, questões que só percebemos mesmo em retrospecto. Os grandes planos abertos do western se intercalam com enquadramentos mais fechados, a fim de trazer uma claustrofobia tão típica de incontáveis obras sci-fi que vemos por aí. Os gêneros cinematográficos que se mesclam no seriado dialogam muito mais que somente através da história e sim especialmente por meio da própria forma como a imagem é construída.

A fotografia é uma das provas disso, utilizando cores mais frias para compor o ambiente fora do parque. Estamos falando de lugares na qual a mente analítica do homem sobrepõe suas emoções. O azul e o branco ficam em destaque, enquanto o vermelho do figurino dos técnicos cria um delicioso contraste remetendo ao sangue, como se a força vital daqueles androides fosse drenada para o deleite dos seres humanos – enxergamos essas figuras quase como açougueiros, lidando com o corpo de um ser vivo como se fosse, de fato, apenas um pedaço de carne.

Mas falar de todos esses aspectos sem enaltecer o trabalho de atuação do talentoso elenco presente na série seria, no mínimo, uma injustiça. Evan Rachel Wood traz em seu olhar todo o peso de sua evolução ao longo dos dez capítulos da temporada – aquela garota que enxergava a beleza desse mundo não existe mais, substituída por alguém que vê a verdade por trás de uma ilusão – ela deixa de ser a donzela em apuros, arrastada pelo Homem de Preto e passa a ser aquela que porta a liberdade, a consciência propriamente dita. Jeffrey Wright como Bernard, por sua vez, é o retrato da bondade, um homem que sabemos ser inteligente somente de olhar para ele, mas, em seu olhar, enxergamos todo o amor que sente por aquilo à sua volta, da mesma forma que, imaginamos, Arnold amava suas criações.

Anthony Hopkins, por sua vez, é o retrato da frieza, o homem que está sempre acima de tudo e todos. Ele é um deus ali, com controle total sobre aqueles abaixo dele e com um roteiro elaborado por ele próprio que não admite falhas ou sequer as tem como risco. Ford é a divindade que, acima de tudo, busca garantir o livre-arbítrio à sua criação e, quando consegue, ele aceita a morte, ciente de que seu legado continuará – a prova máxima de que ele está acima do ser humano normal, que, mais do que qualquer coisa, teme morrer. A sutileza das emoções passadas pelo impressionante trabalho de Hopkins está em cada olhar, em cada gesto, em cada inflexão de voz. Se em determinao momento ele parece um senhorzinho simpático, em uma fração de segundo ele se transforma em algo completamente senhor de si e dominador de todos os aspectos dos ambientes em que transita. É interessante como o ator trabalha a dubiedade do caráter de seu personagem, aproximando e afastando o espectador na medida do necessário para o roteiro. Quantas vezes o imaginamos como a encarnação do mal ou do bem, somente para revertermos nossa percepção na sequência seguinte? O veteraníssimo ator mostra mais uma vez a que veio e rouba todas as sequências em que aparece e ainda consegue manter-se presente em pensamento mesmo quando não está efetivamente em cena.

William já nos entrega outro espectro de emoções. Ele é o anjo caído, a inocência quebrada, substituída pela obsessão e frieza. Como jovem, interpretado por Jimmi Simpson, que entra no parque pela primeira vez ele é uma figura apaixonada e que despreza a violência. Como Homem de Preto, brilhantemente vivido por Ed Harris, ele é a antítese disso, ainda que tenha apenas enterrado suas emoções – se pensarmos, seu objetivo final é tão romântico quanto aquele de Ford, ele deseja a tomada de consciência por parte dos androides, mas o que motivara isso? Sua decepção com Dolores, que esquecera dele. Dessa forma, podemos enxergar sua vontade de sentir uma ameaça maior no parque como uma mera desculpa, visto que seu amor pela primeira anfitriã era real.

Não podemos esquecer de Maeve, perfeitamente interpretada por Thandie Newton. Joy e Nolan fazem uma escolha curiosa com a personagem: ela é o elemento que traz a maior ameaça de rebelião por parte dos anfitriões e, no fim, ela chega a se rebelar. Descobrimos, contudo, que tudo era parte de um grande script, que é deixado como um dos maiores cliffhangers do season finale. A esperteza do texto do casal se faz evidente quando olhamos para trás. Através da personagem a sementinha do mal é plantada em nossas mentes e passamos a imaginar esse cenário que acaba não sendo concretizado plenamente por ela, mas sim por Dolores. Tudo o que vimos até então cumprira sua função para agitar cada episódio e nos dar um olhar sobre o possível futuro, uma provinha da próxima temporada.

Os acertos específicos de Westworld, isoladamente, contudo, não representam nem um terço do que eles são quando colocados juntos. Como a própria estrutura de sua narrativa, todos formam um quebra-cabeças gigantesco que somos forçados a montar a cada capítulo. Estamos falando de um seriado que nos obriga a pensar, que nos tira do lugar-comum e nos faz observar com cautela cada uma de suas minúcias. Quando, enfim, temos a imagem completa diante de nós, enxergamos que a série é muito mais que um substituto de Game of Thrones. É, sem sombra de dúvidas, uma das melhores obras de 2016.

Westworld – 1ª Temporada — EUA, 2016
Showrunner:
Lisa Joy, Jonathan Nolan
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: Evan Rachel Wood, Ed Harris, Thandie Newton,  Jeffrey Wright,  James Marsden,  Anthony Hopkins, Luke Hemsworth, Sidse Babett Knudsen, Angela Sarafyan, Jimmi Simpson, Shannon Woodward, Ben Barnes, Ingrid Bolsø Berdal, Rodrigo Santoro
Duração: 9 episódios de aprox. 60 min. e 1 episódio de 90 minutos.

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