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Crítica | White Boy Rick

por Gabriel Carvalho
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“Quando eu vi você pela primeira vez eu soube que você seria melhor que eu.”

O protótipo de bigode no rosto do ator Richie Merritt já entrega o seu personagem: Ricky é um garoto, ainda amadurecendo no mundo, querendo encontrar-se em algum lugar, qualquer lugar, diante da miséria que enxerga no seu cotidiano. White Boy Rick entende esse não-pertencimento do jovem em meio a sociedade em que está inserido, sua própria perspectiva acerca da vida – seu pai é um fracassado e sua irmã é uma drogada. Ao mesmo tempo que torna-se frequentador de um universo na marginalidade, o menino nunca é confiado pelos membros da gangue que envolve-se indiretamente, escanteando-o, mas aceitando-o, com ressalvas, obviamente. O anseio pelo pertencimento imediato, em uma cidade que, por si só, não pertence nem mais ao capitalismo, abandonada – Detroit -, faz com que o garoto venda armas – o seu pai é vendedor “legal” delas – para essas pessoas. A polícia, consequentemente, é encaminhada às portas de sua casa, ameaçando Rick Sr. (Matthew McConaughey) de prisão. A premissa desse enredo – e da realidade, por se tratar de uma cinebiografia – articula os federais para trabalharem com o garoto como agente infiltrado, vendendo drogas. White Boy Rick exemplifica uma juventude que precisa destruir-se consideravelmente para sustentar algum futuro para si mesma.

Como uma espécie de casulo protegido por grades de metal, os entornos do protagonista são cada vez mais diminuídos, com os federais enclausurando-o em uma rota sem qualquer saída – ou ajuda ou se ferra. O longa-metragem, contudo, nos adianta o quanto o garoto é privilegiado em comparação aos seus colegas, privilégios esses, porém, subvertidos ao longo da projeção, ao ponto de não significarem mais nada, senão premeditações aos equívocos enormes de um menino que não conseguiu visualizar outras oportunidades, errando brutalmente em suas escolhas, quando fora possível escolher. As nossas percepções sobre o destino dos personagens, desse modo, são rasgadas. Os policiais, no entanto, permanecem sendo quase antagonistas que devem ser desconfiados, extraindo, ao mesmo tempo, também certa vertente cômica, de contraste entre a legalidade e a ilegalidade. Um interessante estudo de personagem, pois a narrativa não incorpora os mesmos conflitos subentendidos na mentalidade do personagem, envolvendo-se em um mundo periférico por causa de coerção policial, entretanto, também se sentindo cada vez mais em casa dentro dele, apesar de nunca integralmente. Um mero adolescente sempre com resquícios de isolamento, o intérprete nunca aparenta conforto absoluto, conciliando-se ao seu papel.

Já o interesse de Yann Demange, diretor dessa obra cinematográfica, na construção da complicada figura paterna apresentada – os avós são meras pontuações cômicas, contribuindo na imersão dentro desse questionável núcleo familiar -, é mostrar o despreparo do homem em criar as suas crianças. Rick é uma pessoa completamente fracassada, ainda sonhando sonhos aparentemente impossíveis, mas que ostenta, no excelente começo do longa-metragem, por exemplo, uma arma como se fosse uma extensão fálica do seu corpo, revelando sua enorme incapacidade em manejar situações que exigem uma paternalidade inexistente, perdida em meio a uma imensa incompetência. O público, porém, é simpático a sua personalidade, porque, apesar de ser uma pessoa demasiadamente problemática, o pai realmente quer o melhor para o seu filho e para a sua filha, interpretada por Bel Powley, artista que consegue segurar a missão complicada de desassociar-se sem aparentar desinteresse, porém, perdição. Quando o pai, na pele do ótimo Matthew McConaughey – construindo um personagem crível, embora com idiossincrasias -, resgata a garota, confinada às drogas, uma coragem surge da sua constante covardia. A cena é impactante. Os olhos do artista, antes incorporando uma sensível frustração, devem ser notados.

Quando White Boy Rick se encerra, uma espécie de injustiça, mais complexa do que as de costume, evidencia-se como um mote dramático poderoso para o espectador se absorver dentro do pós-filme, impactado pelas revelações posteriores ao término da história – menos engajante e resolvida do que poderia ter sido, um pouco preguiçosa roteiristicamente. O encerramento com um último olhar de pai para filho e, em seguida, com uma declaração emotiva do verdadeiro personagem principal do longa-metragem, é certeiro. O mundo caminha dessa maneira, com as gerações que passam falhando em desenvolver gerações melhores para o amanhã. Os menores dos fracassos, os mais consideráveis dos erros, no final das contas, não possibilitam uma reestruturação sobre os mesmos alicerces, sendo necessária a morte e a vida para reorganizarem como será a próxima possibilidade das coisas darem certo, dos jovens crescerem sem envolvimento com o crime, permanecendo na escola e distante das prisões. Os acertos pouco importam. O homem é condenado eternamente, em sentidos figurativos e, é claro, igualmente literais. O sistema carcerário está equivocado? Uma denúncia em forma de cinema. A esperança permanece nas crianças que nascem, a usufruírem de uma esperada liberdade.

White Boy Rick  – EUA, 2018
Direção: Yann Demange
Roteiro: Logan Miller, Noah Miller, Andy Weiss
Elenco: Matthew McConaughey, Richie Merritt, Bel Powley, Jennifer Jason Leigh, Eddie Marsan, Bruce Dern, Piper Laurie, Brian Tyree Henry, Taylour Paige, Jonathan Majors, Kyanna Simone Simpson, Lawrence Adimora, Brad Carter, RJ Cyler, Rory Cochrane
Duração: 111 min.

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