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Crítica | “Will of the People” – Muse

Revolução operística.

por Kevin Rick
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We’re at death’s doorAnother world warWildfires and earthquakes I foresawA life in crisisA deadly virusTsunamis of hate are gonna find us
Oh-oh-oh-oh-oh-oh-ohWe are fucking fucked

Muse tem cantado músicas sobre um futuro distópico há anos, sempre criticando governos em hinos contundentes sobre revolução e opressão. É interessante como a banda conseguiu mesclar letras densas e de muitas mensagens políticas ao longo de sua discografia, principalmente quando aderiu a um som mais eletrônico/pop e começou a se apresentar em estádios de futebol. É um equilíbrio complicado de ser feito, mas, curiosamente, o grupo de rock britânico se aproveitou da popularidade de grandes proporções para transformar seu som em algo mais épico, operístico e até com características de ficção científica, aderindo ao space rock e o opera rock como identidade musical. Fazendo uma comparação artística, Muse sempre me pareceu ficar entre as paranoias e experimentalismos de Radiohead e a pegada mais radiofônica e operística de Queen.

Depois de tantos eventos globais catastróficos nos últimos anos, passando pelas mudanças climáticas, a pandemia e as tensões políticas mundiais, era de se esperar que o primeiro álbum da banda desde 2018 abordasse os tristes acontecimentos recentes da nossa História. E não foi diferente, Will of the People é um disco injetado de comentários sobre nossos conflitos geopolíticos, crises existenciais e principalmente sobre o medo que tem nos assolado. Ainda assim, a familiaridade de Muse é um pouco confortável ou talvez óbvia demais, me arrisco a dizer. Apesar de urgente e atual, o álbum parece uma grande reciclagem de obras antigas e mais inventivas do grupo, tanto em termos de arranjos e melodias quanto na composição de letras, sempre vagas e pouco direcionadas em suas críticas políticas.

A faixa-título é uma ótima abertura, ditando a narrativa do álbum conceitual ao clamar por uma revolução popular. A parte lírica me soa um tanto comum e genérica em seus trechos de “we need a revolution“, “we’ll smash your institutions” e derivados de qualquer discurso óbvio contra o autoritarismo, mas é refrescante ver uma banda mainstream que não toca o pop rock meloso de Maroon 5 ou as músicas de academia de Imagine Dragons. Afinal, sempre é bom ver pelo menos um pouco da provocação de War Pigs no rock contemporâneo. Além disso, os vocais da multidão ressoando contra os acordes de guitarra, a ótima performance vocal de Matt Bellamy como o líder de um exército e os arranjos em grande escopo e feitos para uma arena transformam a canção em um belo hino de revolução. Fiquei me imaginando entre uma audiência gigantesca escutando isso aqui, saindo de um show querendo derrubar o governo (rs).

A segunda canção do álbum, Compliance, é ainda mais interessante. Primeiramente, o eu-lírico muda de oprimido para opressor, com Matt Bellamy alterando sua melodia vocal para um tom mais de comando e até sedutor eu diria. Temos uma produção voltada para o synthpop e o EDM, com os tons retrofuturistas e sci-fis que a banda abarcou ao longos dos anos que experimentou com música eletrônica, numa letra essencialmente sobre obediência cega que fala tanto de líderes populistas quanto referencia as máquinas dominadoras da ficção científica por conta da melodia cheia de sintetizadores. Sinto que a canção ainda falha em atingir sua intenção sinistra sobre dominação, mas é uma boa faixa que acena para melhores trabalhos eletrônicos da banda, especialmente aqueles mais voltados para o space rock, como The Resistance.

Em seguida, temos Liberation, uma música, claro, sobre liberdade (estão entendendo minhas reclamações das letras óbvias?). Essa faixa é tão inspirada em Queen que quase chega a ser plágio, mas poucos vocalistas hoje em dia têm o talento vocal de Bellamy para emular a voz aguda e operística de Freddie Mercury, ainda que o cantor também traga uma aura mais melancólica à la Thom Yorke. Os arranjos e melodias da faixa são bem performáticos e evocam a harmonia de um espetáculo revolucionário de ópera de rock em sua base de instrumentos clássicos (principalmente piano), solos de guitarra crescentes, vocais de fundo e discurso de mudança de regime.

Temos, então, Won’t Stand Down, a única canção do disco que desgosto totalmente. Novamente, a parte lírica é pouco inspirada em sua mensagem de revolta (não vou me abaixar, vou levantar e lutar, blá blá blá), até porque é uma canção com refrãos e título fáceis de grudar no ouvinte, assim como um arranjo de rock energético para animar – me lembrou bastante a composição do Imagine Dragons em faixas como Believer e Radioactive, milimetricamente feitas para agarrar no ouvido. Só que, claro, Muse é uma banda mais criativa, então a melodia lentamente fica mais pesada, mais metal e até com vocais agressivos – odeio scream rock, então essas partes também não me agradaram muito.

Ghosts (How I Can Move On) não poderia ser mais diferente de sua antecessora Won’t Stand Down. Temos basicamente uma balada de piano com uma melodia gentil e levemente melancólica, arranjos simples e uma letra que me parece versar sobre todos aqueles que perdemos na pandemia, dado o contexto do álbum. Ainda no lado mais suave da obra, também temos Verona, uma canção que fala especificamente sobre a pandemia em metáforas líricas sobre beijos venenosos e distanciamento. É outra canção com produção simples, mas com uma sinceridade bonita e melancólica quando pensamos em tudo que passamos nos últimos anos.

As coisas ficam mais bizarras com Kill or Be Killed  e You Make Me Feel Like It’s Halloween. A primeira é uma faixa de puro metal, agressiva e brutal tanto na bateria quanto na guitarra, contendo uma letra com linhas apocalípticas – não temos uma produção exatamente inovadora, mas é um bom som de metal, e que combina com a proposta do disco. Já a segunda faixa que citei é realmente distinta, para dizer o mínimo. You Make Me Feel Like It’s Halloween conta uma história de relacionamento abusivo como se fosse um filme de terror dos anos 80, com título exagerado, temática de Dias das Bruxas que lembra Thriller, melodia com distorções e harmonia de órgãos de igreja um tanto fantasmagóricos. É uma canção interessante, ainda que deslocada na narrativa do álbum – talvez inspirada no aumento de casos de violência doméstica durante a pandemia?

Will of the People tem um desfecho contraditório com suas duas canções finais. Por um lado, temos Euphoria, uma canção que traz um sentimento de esperança e luz no fim do túnel através de seu ritmo saltitante e uptempo, explodindo com júbilo e entusiasmo em muitos riffs e vocais animados de Bellamy. Mas Muse não termina o álbum numa nota alegre, finalizando a obra com o catártico We Are Fucking Fucked, uma canção que olha para a pandemia, os governos mundiais e as mudanças climáticas e afirma sem sutileza, com muita ironia e boas doses de niilismo que todos estamos, bem, ferrados.  É uma faixa estranha para finalizar uma narrativa musical que começa com uma marcha de revolução, mas não deixa de ser uma música tragicamente realista, pois, sem dúvida nenhuma, we are getting fucked.

Aumenta!: We Are Fucking Fucked
Diminui!: Won’t Stand Down
Minha canção favorita do álbum: Compliance

Will of the People
Artista: Muse
País: Reino Unido
Lançamento: 26 de agosto de 2022
Gravadora: Warner, Helium-3
Estilo: Rock Alternativo

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