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Crítica | Willow – Na Terra da Magia

por Giba Hoffmann
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Lançado em 1988, Willow – Na Terra da Magia pode ser considerado uma das últimas grandes produções cinematográficas da década no gênero da fantasia, encerrando um ciclo que iniciou forte com filmes como Fúria de Titãs, Excalibur e Conan, o Bárbaromas que agora já mostrava graves sinais de fraqueza com as críticas desfavoráveis e os fracassos de bilheteria atribuídos a Highlander e Labirinto – A Magia do Tempo. Embora não tenha tido, à época de seu lançamento, uma recepção de crítica e público tão dura quanto os filmes de 1986, bem como evitado seu temido  flop nas bilheterias (que provavelmente foi responsável pelo desaparecimento do gênero nas produções multimilionárias pela próxima década inteira), o desempenho do filme foi considerado pela MGM e pela Lucasfilm como significativamente abaixo do esperado, enterrando os planos de se expandir o universo em sequências e lançando a obra na névoa do relativo esquecimento. Seria a recepção morna uma injustiça com a produção, da parte de um público já desiludido com o glorioso cruzamento de espadas e magias com fantoches, animatrônicos e chroma keys de outrora? Ou será que a produção tem falhas intrínsecas que justifiquem a relativa falta de entusiasmo com a jornada épica de Willow Ufgood (Warwick Davis)?

Resultado final de uma ideia nascida da inspirada mente de George Lucas mais de dez anos antes, realizada agora sob a direção cuidadosa do semi-pupilo Ron Howard, o filme traz um conto de alta fantasia que se serve sem medo de diversos dos lugares-comuns do gênero, em uma aventura leve cuja estrutura por vezes se aproxima do conto de fadas. Em termos do enredo e ambientação a associação imediata que o filme oferece é O Senhor dos Anéis – da vila dos ortodoxamente prosaicos hobbits nelwyns aos portões de Mordor Nockmaar, passando pela caracterização de Willow como o relutante aventureiro sem muito apetite para aventuras, mas que se vê encarregado do fardo de cuidar do ítem que definirá os destinos de todo seu mundo (que aqui não é o Um Anel, mas sim uma adorável bebezinha), não é difícil ver como a obra não apenas bebe da fonte universal das jornadas de herói, mas que especificamente as obras de J. R. R. Tolkien possuíram sim algum papel central na inspiração deste pequeno universo. Tanto é que, uma vez deixadas de lado as aparências superficiais, é novamente outra obra de Tolkien que nos vem à mente: em termos de tonalidade e temática, estamos aqui na verdade muito mais próximos de O Hobbit.

Mais do que um épico sobre o combate dos reinos contra a tirania da terrível Rainha Bavmorda (Jean Marsh, a eterna Sara Kingdom de Doctor Who), trata-se aqui da jornada inesperada e encantadora do fazendeiro e aspirante a mago Willow para levar a bebê messiânica Elora para a segurança de seus pares daikinis, para que possa cumprir seu papel profetizado em trazer ao fim o reinado maléfico da bruxa. Em torno do nelwyn vemos se formar uma equipe igualmente inusitada de aventureiros, o mais notável deles sendo Madmartigan (Val Kilmer), um cavaleiro daikini renegado que é uma boa mescla do herói-brucutu oitentista com a capadócia de Han Solo. Temos também os pequeninos brownies Franjean (Rick Overton) e Rool (Kevin Pollak) e a feiticeira Fin Raziel (Patricia Hayes), cuja maior parte do tempo de tela se dá na forma de diferentes animais, cortesia de uma maldição de Bavmorda. Completando a trupe, na reta final da aventura e sem grandes surpresas temos a filha de Bavmorda, Sorsha (Joanne Whalley) mudando de lados após se apaixonar por Madmartigan, cumprindo a desnecessária profecia de um dos conselheiros da bruxa.

A dinâmica interna da equipe se dá prioritariamente através de interações cômicas entre seus componentes. Temos pouco tempo destinado à relação mestre-aprendiz entre Willow e Raziel, e mesmo as interações entre nosso protagonista e Madmartigan, ou o romance entre este último e Sorsha dificilmente acontecem fora de um contexto humorístico. Por um lado, trata-se de trazer alguma leveza ao conto, que certamente ganha pontos com os espectadores infantis nas construções de humor pastelão que realiza em torno de seus personagens. Por outro lado, no entanto, a impressão que temos é de que a adição de algumas boas linhas de diálogo estratégicamente bem colocadas nas sequências mais alongadas serviria horrores para a caracterização de nossos heróis, que parece ficar aquém do potencial que eles possuem “no papel” e mesmo da interpretação genuinamente divertida entregue por Davis, Kilmer e Whalley.

O problema acaba reforçado pela presença constante de Franjean e Rool, que se prova tão desnecessária ao longo do filme quanto seria, por exemplo, ter mantido os outros nelwyns junto a Willow por todo seu trajeto. A decisão de mantê-los provavelmente se deu de um ponto de vista dos efeitos visuais, cuja exploração recebe claramente grande ênfase da parte da produção do filme, que conta com excelentes técnicas práticas e digitais para realizar várias de suas situações e cenários fantásticos com ótimos resultados. Visualmente, em teoria a decisão de ter os diminutos brownies contrastando com o pequeno Willow é uma jogada genial. Porém, os efeitos de chroma key estranhamente não convencem tanto quanto o restante do filme, com os pequeninos brownies claramente relegados a um plano de frente bidimensional e não interagindo bem com seu cenário, sendo uma das realizações visuais mais fracas de todo o filme.

Ajudando a culpar as pobres criaturas pelas falhas na narrativa, podemos apontar que suas inserções comédicas são das menos interessantes, partindo para um pastelão sem contexto ou personalidade que acaba cansando o espectador e interferindo no timing comédico de outros bons momentos de humor. Willow, Madmartigan e Sorsha por si sós já seriam capazes de carregar toda a frente comédica, e a inserção dos brownies acaba assim com um caráter redundante, roubando tempo de tela de desenvolvimentos mais interessante entre os outros membros do cast. Por outro lado, não surpreenderia saber que o humor cru dos personagens obtenha uma resposta especialmente positiva por parte dos espectadores infantis, o que também ajuda a explicar sua desnecessária presença.

O segundo ponto fraco da película é justamente a estrutura de sua narrativa. Com mais de duas horas de duração, é estranho que o espectador termine o filme sem um conhecimento mínimo do mundo de Willow para além de alguns nomes de localidades e pontos cruciais para o enredo. Contrastando com isso, temos que a narrativa por vezes parece se arrastar um pouco, o que nos leva a pensar que houve tempo que poderia ter sido melhor utilizado para nos fornecer maiores detalhes sobre o mundo de Andowyne, os quais emprestariam maior significado à jornada heróica do nelwyn que, por si só, desperta o interesse do espectador com facilidade.

A jornada de Willow é tão linear quanto qualquer empreitada mais bem-sucedida do gênero, mas o problema é que isso se dá de forma totalmente escancarada aqui, em um roteiro que não joga bem com suas maiores forças. Algumas das diversas cenas de peregrinação da trupe parecem se arrastar um pouco, resultando em um segundo ato que demora a engatar após um início bastante interessante. Parte disso reflete o fato de que os desenvolvimentos do enredo se dão literalmente por cenas em que um segmento da quest se encerra e o outro é indicado – todos eles basicamente redutíveis à formula “agora vá para tal lugar”.

O efeito se agrava pelo fato de que, visualmente, a imersão neste mundo de fantasia funciona quase que perfeitamente. Sem grandes excessos, a equipe da Industrial Light & Magic traz mais uma série de feitos impecáveis na rendenização dos exteriores e interiores das terras fantásticas de Andowyne. O uso da conhecida sobreposição de pinturas e vídeos em camadas, com uma cuidadosa pós-produção faz com que tenhamos paisagens e castelos memoráveis, contracenando de forma especialmente fluída com toda a ação, em um resultado que envelheceu muito bem, como é característico dos trabalhos da companhia feitos na época.

A direção faz um ótimo uso dessas construções, realizando bem a ideia sempre interessante de um mundo de alta fantasia com os pés na realidade, uma alta fantasia “suja”, poderíamos dizer. A paleta de cores enfatiza tons dessaturados de marrom e verde, escolha que, somada aos diversos perrengues que a trupe passa em cenas exteriores dão um ar especialmente “lamacento” ao filme, num interessante contraste com a tonalidade normalmente vibrante dos contos de fada que perpassa a linguagem de seus principais acontecimentos. Nos momentos em que consegue realizar bem sua proposta, Willow consegue se revelar uma fantasia bastante empolgante, e o aspecto visual sem dúvida contribui muito para isso.

A batalha final entre Raziel e Willow contra Bavmorda, por exemplo, traz visuais fantásticos e divertidos, ornando bem com a forma como as feiticeiras são caracterizadas à maneira das bruxas de contos de fadas – afinal de contas, embora tenha sido creditada pelo semi-extermínio offscreen de dois reinos, a maior crueldade cometida por Bavmorda em tela é transformar as tropas remanescentes de Galladoorn em porcos. Marsh entrega uma boa atuação da já enlouquecida feiticeira que, em meio ao bizarro ritual envolvendo Elora, se vê pega de surpresa pela dupla, e em no fim das contas derrotada pela ingeniosidade do nelwyn. Essas sequências, somadas à estratégia de ataque bolada por Willow para adentrar o castelo garantem um desfecho bastante divertido.

Porém o ápice do filme se dá um pouco antes, na batalha do castelo de Tir Asleen. Nesta sequência temos nossa trupe tendo que se virar contra as tropas de Kael (Pat Roach), se utilizando da fortaleza já caída como último bastião para se manter na posse de Elora. É aqui que temos as sequências de ação mais empolgantes do filme, com Madmartigan fazendo miséria com seus novos equipamentos, descendo a espada e armando uma série de armadilhas fantásticas para deter os invasores. Ao mesmo tempo, Willow encara seus odiados trolls e arrisca fazer algum uso de magia claramente além de seu nível de proficiência, resultando na mutação de um troll de baixa ameaça para uma gigantesca hidra de duas cabeças. A transformação é uma das coisas mais bizarras que ocorre no filme, e o monstro é muito bem realizado em com uma técnica refinada de stop motion, ajudando a complementar uma cena de ação fantástica.

É curioso que duas cenas muito boas e relevantes para a coesão do filme tenham sido cortadas de sua versão final, o que contribui para a teoria de que o filme passou por problemas de edição. Uma delas envolve Sorsha no castelo de Tir Asleen, onde descobrimos que seu pai, antigo rei de Tir Asleen, fora petrificado como resultado da fúria incontrolável de Bavmorda, encontrando-se entre os humanos congelados em pedra dos quais temos apenas um breve vislumbre. A cena não salvaria totalmente a personagem de ser a pior caracterizada do trio principal, mas ao menos daria backstory o suficiente para que sua passagem para o lado da resistência soasse minimamente mais convicente do que simplesmente motivada pela paixão por Madmartigan. O rei acaba fazendo uma breve aparição na cena final, mas isso passa despercebido ao espectador (que inclusive se questiona porque diabos Sorsha e Madmartigan teriam algum direito ao trono de Tir Asleen). A outra envolve a travessia do lago onde se encontrava aprisionada Fin Raziel, a qual Willow realiza sozinho em uma canoa e que originalmente contava com o ataque de um peixe-humano monstruoso. Descartada por problemas na pós-produção, a cena não apenas desperdiça um belo animatrônico e um cena potencialmente muito empolgante, mas acaba criando uma barriga no enredo justamente em um ato já bastante arrastado, onde no corte final temos Willow deixando Elora com os brownies, pegando a canoa, chegando até a ilha e retornando com Raziel em uma sequência que acaba parecendo desnecessária.

Na soma total destas partes um tanto heterogêneas, o resultado final carrega falhas mas ainda assim consegue ser bastante positivo. Em seu núcleo, a película se apresenta como uma produção onde transparece a intenção em retratar uma história fantástica com a literalidade de um conto de fadas, evitando possíveis excessos cinematográficos e concentrando os esforços na imersão em seu mundo e nas interações entre um elenco de personagens que desviam levemente dos arquétipos mais tradicionais do gênero – apenas o suficiente para garantir-lhes uma identidade própria, que é atingida com sucesso mesmo com algumas imperfeições. Inevitavelmente comparado, à época de seu lançamento, a uma tentativa malsucedida de trazer ao gênero da fantasia algo do triunfo cataclismático de seu autor, a trilogia original de Star Wars, fica claro hoje que se trata de uma comparação bastante injusta, vendo que não há nada no filme, nem em seus momentos mais derivativos, que sugira que era esta a intenção da produção aqui.

O filme possui uma identidade própria e traz muito do charme das produções de fantasia da época, ainda que o conjunto final da obra não seja tão grandioso quanto a soma de suas características poderia sugerir. Praticamente todo o elenco é muito bem escalado aqui, dos papéis mais relevantes aos de menor expressividade, inclusive Billy Barty como o atrapalhado mago Aldwin, pelo qual o ator foi injustamente indicado ao Framboesa de Ouro. Davies e Kilmer em especial entregam performances divertidas e cheias de coração, vendendo até mesmo momentos que em tese não deveriam funcionar tão bem, como a cena alongada de briga e fuga da taverna, com Madmartigan vestido como mulher), compensando o roteiro pouco polido com uma interpretação energética. Trata-se daqueles filmes que provavelmente tem sucesso em cativar a imaginação de um espectador infantil, e evocar uma forte nostalgia em quem assistiu quando pequeno (o que infelizmente não é o meu caso!).

Partindo de uma premissa bastante básica e garantindo a ela contornos de personalidade com uma produção bastante acertada em praticamente todas as frentes, Willow deixa a impressão de ter ficado a uma mesa de edição mais cuidadosa de seu inteiro potencial. Ironicamente talvez seja essa a marca que George Lucas empresta mais fortemente ao filme, dado que o autor é conhecido pelas prolixidades de roteiro sendo transpostas até a edição final, mal do qual Star Wars: Episódio IV – Uma Nova Esperança foi conhecidamente salvo por interferências externas aos 45″ do segundo tempo. No caso, podar as sequências mais redundantes de comédia em favor de explorar com mais profundidade alguns dos elementos centrais do enredo certamente ajudaria o filme a não apenas se livrar de um ritmo por vezes arrastado, mas garantir maior significado à jornada cativante de Willow Ufgood.

Willow – Na Terra da Magia (Willow) – EUA, 1988
Direção: Ron Howard
Roteiro: George Lucas, Bob Dolman
Elenco: Warwick Davis, Val Kilmer, Joanne Whalley, Jean Marsh, Patricia Hayes, Billy Barty, Pat Roach, Gavan O’Herlihy, David Steinberg, Phil Fondacaro, Tony Cox, Robert Gillibrand, Mark Northover, Kevin Pollak, Rick Overton, Maria Holvoe
Duração: 126 min.

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