Home FilmesCríticas Crítica | X – A Marca da Morte (2022)

Crítica | X – A Marca da Morte (2022)

Um exercício de gênero muito bem-vindo.

por Felipe Oliveira
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Tendo iniciado sua carreira com um debut diretorial quase que amador, Ti West parece ter chegado ao auge do seu trabalho na direção do terror. Quando se trata do assunto, o ator e cineasta chamou a atenção ao longo dos anos por sempre transitar nos subgêneros mesclando sua abordagem a um estilo característico existente, escolhendo temáticas familiares e que mais marcaram o público. Se em O Último Sacramento, ele usou do famoso found footage que A Bruxa de Blair (1999) popularizou ao vender a produção como os últimos registros em vídeo de um grupo de cineastas numa floresta amaldiçoada vestindo o longa de 2013 com toques da linguagem documental, na trama que adaptou a história real da tragédia em Jonestown, no seu mais novo filme, X – A Marca da Morte, West se aventura na categoria do slasher, trajando como referência o cinema do revolucionário e subversivo Tobe Hooper.

Mais precisamente, West focou nos dois primeiros filmes de Hopper que receberam apelo comercial, sendo eles O Massacre da Serra Elétrica (1974) e Devorado Vivo. Tido como o pioneiro do slasher antes de Halloween – A Noite do Terror, o longa que eternizou a figura de Leatherface é uma peça única na história do cinema, e embora não contasse uma história verdadeira, como foi divulgado na época de lançamento, detinha uma particularidade categórica ao apresentar uma premissa tão aterrorizante e perturbadora que parecia se tratar de um registro real em alguns momentos, sobre uma breve viagem de amigos que teve um desfecho brutal e sufocante. Seguindo a chocante representação doentia da perversidade humana, Eaten Alive trazia outra trama medonha em que um velho dono de um hotel de estrada matava os possíveis hóspedes e servia de alimento para o crocodilo de estimação.

Conhecendo as muitas interpretações acerca de The Texas Chain Saw Massacre na contextualização cultural americana, o impacto como um marco de mudança visual para o terror, linguagem, e também como precursor dos elementos genéricos que caracterizaram o subgênero, Ti West chegou no seu slasher subversivo X, que aponta muita inspiração para aqueles que influenciaram fortemente o nicho, o que entra também acenos para Psicose (1960) de Alfred Hitchcock (assim como Devorado Vivo compunha), mas ainda assim, consegue entregar um resultado argiloso e autêntico.

Na esteira que abriu caminhos para um reconhecimento impressionante do clássico de Hooper, foi a mesma que promoveu também discussões polêmicas para um arquétipo sentenciado no filme no que dizia respeito à representação feminina. Se de lá originou-se a final girl, era possível observar uma contradição por trás da imagem da garota final, por justamente receber esse nome após ter toda a desgraça e violência prolongada mais que outros personagens, e no fim, sobreviver. Nesse forro discursivo, West concentra sua história para falar da busca pela independência feminina, a fuga do papel trajado pelo patriarcado através de Maxine (Mia Goth), protagonista que mira sua emancipação e sucesso como estrela de filmes pornôs. O ano é 1978, e aqui acompanhamos um grupo de jovens adultos na corrida para chacoalhar a indústria pornográfica com um longa-metragem com uma linguagem mais elaborada e autoral do que as produções costumavam entregar na época.

Mesclando seu estilo com os filmes de Hooper, West escreveu um roteiro onde melhor aproveitou a sua marca na direção depois de alguns títulos se perderam na execução, que soava pretensiosa em querer ser inédita e chocante. Então, a abordagem que flerta mais no exercício da linguagem enquanto se aproxima do nicho que contorna a premissa, encontra êxito em X, realmente se colocando como um feito inédito dentro de elementos já estabelecidos. A medida que a estrutura de O Massacre da Serra Elétrica é reconhecida, do grupo de amigos, a ida para uma zona rural do Texas, West manipula muito bem o suspense injetando uma desconfortável atmosfera de terror psicológico, e por vezes até sobrenatural, brincando constantemente com as expectativas de quando as filmagens de um filme pornô vai virar slasher. Assim, os traços de Devorado Vivo se manifestam como um mecanismo de dúvida sobre a natureza do casal de idosos que aluga a fazenda para os jovens artistas.

A estrutura fílmica de West, que se configura pela forma lenta que conduz a narrativa, prezando em como a linguagem pode contar uma história, ganha pontos no modo em que a premissa se desenrola, mostrando, então, um planejamento (e não a sensação como em outras obras, do potencial sendo contigo em prol de reviravoltas caóticas) ao ter a pornografia como plano de fundo sobre a independência feminina que X discute, além da degradação da humanidade frente a repressões e vaidades banais. O título do filme acompanha a beleza do mistério que é Maxine, sendo referida como um fator x, um diferencial, alguém de qualidade notável e especial. A personagem é enigmática, com poucos diálogos, mas que não se poupa quando precisa impor sua personalidade e preferências, e há um choque nesse perfil quando está perto de Pearl, a assustadora senhora, que administra a fazenda ao lado do esposo, Howard (Stephen Ure).

A forma que Pearl é apresentada chama atenção pelo cenário sempre com pouca iluminação, a postura intimidadora e que inegavelmente se sente seduzida por Maxine. Enquanto a busca da jovem, em que cada decisão seja consequência da força e sucesso de sua autonomia é o que define sua trajetória, para Pearl, encarar uma mulher que na própria juventude exala liberdade, confronta sua negação, amargura e insatisfações que se escondem na idílica fazenda. Dando mais força a essa dicotomia, seus nomes se tornam uma alegoria em como Pearl (pérola) se vê, sendo Maxine (máxima) o exemplo de realização que ela não atingiu, embora seu nome remeta a algo precioso, duradouro. Por isso, a fotografia de Eliot Rockett foi fundamental por manter um jogo de sombras cuidadoso para manifestar uma personagem perdida em sentimentos reprimidos.

Conversando com o momento atual em que o slasher tem sido trabalhado de maneira independente e original, Ti West se jogou para o final da década de 70, fase em que o subgênero se consolidava, ao tempo que era censurado pela exibição de violência e o consumo pornô saía da restrição para então aproveitar a chegada das fitas VHS. tudo isso costurado a um argumento divertido, cômico e atual em uma estética fascinante – que só melhora com a jogada da edição oferecendo no meio de uma cena, segundos da próxima e voltando para o mesmo ponto. Mirando trilogia com uma prequel já a caminho, é questão de tempo para que esse inesperado e ambicioso exercício de West tenha sua parte final aprovada.

X – A Marca da Morte (X – EUA, 2022)
Direção: Ti West
Roteiro: Ti West
Elenco: Mia Goth, Jenna Ortega, Brittany Snow, Kid Cudi, Martin Henderson, Owen Campbell, Stephen Ure
Duração: 105 min.

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