Home QuadrinhosMinissérie Crítica | X-Men: First Class (2006 – 2007)

Crítica | X-Men: First Class (2006 – 2007)

por Giba Hoffmann
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Muito antes do retorno da primeira equipe dos X-Men ao presente do Universo Marvel, através da mirabolante viagem no tempo retratada em All-New X-Men, o quinteto original recebeu um até então raro tratamento de destaque sob os roteiros de Jeff Parker e arte de Roger Cruz, na minissérie em 8 edições X-Men: First Class. A mini apresenta aventuras episódicas dos adolescentes mutantes com pouco peso cronológico além de referências pontuais, preenchendo com aventuras humorísticas e despreocupadas as lacunas entre as aventuras canônicas da equipe ao longo de toda a sua fase na Era de Prata.

Resultando em um inesperado sucesso (e tendo em conta que na época a linha de quadrinhos da Marvel ainda tinha os mutantes como grande carro-chefe), a mini acabou dando origem a uma mensal e mais três minisséries, além é claro de emprestar o nome ao soft-reboot da franquia cinematográfica da Fox – ainda que o filme nada tenha a ver com o conteúdo dos quadrinhos em questão. Pode-se inclusive especular que a própria criação das versões adolescentes temporalmente deslocadas dos cinco originais tenha suas origens nessa despretensiosa minissérie.

Qual seria então o seu segredo, responsável pelo impacto que pode ser sentido até hoje em dia nas publicações correntes dos mutantes? Logo de cara, o trabalho de Parker e Cruz chama a atenção pelo tom enérgico e descontraído, sobreposto a aventuras que conseguem ainda sim ser substanciosas e, ainda por cima, sem cair na armadilha da descompressão que permeia grande parte da mídia atualmente. Cada edição dessa primeira minissérie tem um começo, meio e fim e pode ser lida à parte como uma aventura própria.

Nesse sentido, pode-se dizer que Parker consegue extrair muito do que há de bom no quadrinho sessentista, ao mesmo tempo em que evita seus defeitos mais óbvios (como por exemplo, a verborragia e a tendência à repetitividade), atualizando apenas o necessário para se contar novas aventuras que se passam na era mais grandiosa da Marvel (que curiosamente aqui parece se passar nos anos 1990, em termos de tecnologia, moda, etc). Porém se engana o leitor que achar que First Class tenta ser um pastiche da Marvel sessentista, como alguns dos quadrinhos do Sentinela costumam trazer, por exemplo. Também não se trata de uma homenagem tão escancarada quanto a que o mesmo autor viria a fazer mais à frente na série Batman ’66, onde ele empresta ao seriado seminal do Homem-Morcego o mesmo tratamento que deu aos mutantes aqui. First Class tem sua identidade própria, e consegue contar novas histórias neste período cronológico de forma autêntica.

A tonalidade das histórias cativa o leitor, ao apresentar as versões adolescentes de Scott, Jean, Hank, Bobby e Warren sob um prisma sempre ao mesmo tempo divertido e cuidadoso a respeito de suas características individuais. Exemplo disso é a narração da primeira edição, que é feita sob forma de uma “carta terapêutica” em que Bobby vai relatando para os pais como é a vida no Instituto Xavier. Assim como tivemos a perspectiva de Jean sobre os colegas em Season Oneé muito interessante ver o grupo sob os olhos de Bobby, e felizmente a caracterização aqui é tão bem acertada quanto na da graphic novel escrita por Hopeless, com o diferencial de que a veia comédica é mais o enfoque do que o drama.

Eu arriscaria dizer que é justamente essa releitura de Parker a que inspirou as futuras aparições das versões adolescentes dos personagens, tanto em Season One quanto nas versões temporalmente deslocadas de All-New em diante. A dinâmica interna do quinteto é muito bem trabalhada, trazendo diversos momentos de humor e descontração ao mesmo tempo em que as crises de identidade tradicionais da adolescência são abordadas com a camada extra de dificuldade da identidade mutante da qual compartilham. Não que essas características não estivessem presentes nos quadrinhos de Stan Lee ou Roy Thomas, mas o que Parker faz aqui é caricaturizá-las na medida certa, a favor do tom humorístico e de uma boa dinamicidade na narrativa.

A mini trabalha muito bem tanto os pareamentos mais tradicionais de personagens quanto relações menos comuns, costurando bem os tradicionais flertes entre Jean e Scott e o bromance de Hank e Bobby com duplas inusitadas como Fera e Anjo em uma missão por si sós, ou, no exemplo mais criativo com a cronologia, no breve affair entre Warren e Wanda Maximoff (como se faltassem super-heróis interessados pela moça!). O Professor Xavier aparece sempre sob o ponto de vista de seus estudantes, como a figura ao mesmo tempo inspiradora e confusa que é, com boas piadas envolvendo sua dinâmica única com os pupilos. Temos inclusive ele agindo em favor de dar um empurrãozinho na relação entre Scott e Jean, algo que jamais veríamos nos quadrinhos de Stan Lee, mostrando um outro lado mais descontraído do personagem que só viria a dar as caras futuramente na série original.

A escolha dos temas para cada uma das oito aventuras retratadas chama a atenção pela inventividade, indo desde um (obviamente interessante) crossover com o Doutor Estranho até uma inusitada aventura com o Homem-Gorila – nenhuma ligação com o M’Baku das histórias do Pantera Negra, mas sim Kenneth Hale, personagem obscuro da Marvel nos anos 1950. Todas essas interações são muito bem entregues, explorando as ligações entre o mundo dos mutantes e a “participação especial da vez” sempre sob um ângulo bem interessante. Essas histórias acabam funcionando não apenas como tributo a essa era inicial da editora, mas como boa exploração de encontros fantásticos entre os personagens em suas fases originais que por um motivo ou outro não aconteceram nas páginas dessa época.

Por exemplo, em O Menor Gigante de Gelo, temos um culto de vanires (semi-imortais de Asgard que precedem os próprios asgardianos – coisa complicada do universo doido de Thor) que vê no potencial absurdo dos poderes de Bobby a possibilidade de reviver o gigante de gelo Ymir. Por sorte, o grupo encontra ajuda para resgatar Bobby na figura do misterioso Doutor Donald Blake, em um encontro que ajuda a tirar o gosto amargo do primeiro encontro dos X-Men com o Deus do Trovão. Já em Enxergando Tudo em Vermelho, temos Scott descobrindo que o rubi de seu visor fora alterado na viagem extradimensional no primeiro encontro da equipe com Stephen Strange, o que fez com que agora ele fosse capaz de enxergar um demônio fugitivo o qual passou a atormentar a equipe. Outro destaque é a primeira edição, Introdução ao Heroísmo Mutante, que traz uma aventura de pura ficção científica protagonizada por nossos mutantes, que se vêem repentinamente atacados por um krynoid uma roseira senciente, em uma aventura que os leva até a Groenlândia em busca de respostas.

Aproveitando bem o espaço de página temos ainda, em paralelo à trama super heróica principal, momentos de interação e desenvolvimento dos personagens. Talvez o melhor exemplo seja na segunda edição, O Pássaro, A Fera e o Lagarto, onde os mutantes se encontram com o titular vilão reptiliano do Homem-Aranha logo após seu primeiro embate com o Cabeça-de-Teia. Após uma sequência divertida mostrando mais uma das inúmeras férias frustradas dos adolescentes, Jean e Scott compartilham um momento a sós em que ela tenta ultrapassar as paredes aparentemente intransponíveis de seu sisudo interesse romântico. Em uma sequência excelente de diálogos, a jovem afirma para Summers que seu problema com seus poderes, antes de tudo, é o de não aceitar sua própria natureza, em uma cena que nem precisaria fazer referência às cenas futuras do tipo para funcionar tão bem. Enquanto isso, temos o Anjo sendo capturado pelo Lagarto no pântano, com o Fera mergulhando nas águas do delta pantanoso para se degladiar com o Dr. Connors em um combate subaquático animalesco. Simplesmente sensacional!

É bem interessante a forma como a mini evita quaisquer combates contra mutantes malignos. As únicas vezes em que temos mutantes lutando entre si (e não contra roseiras ou ameaças extradimensionais) são em Vida Mental, onde a versão beta do Cérebro dá pau e faz com que os X-Men tenham que se virar para escapar de um panorama mental de pesadelos formado pela combinação dos medos inconscientes de Xavier com os deles mesmos, e em É Namoro ou Amizade?, com uma treta pessoal entre os adolescentes e um Pieto Maximoff ciumento e possessivo que não quer sua irmã andando com os X-Men, mesmo após saírem da Irmandade dos Mutantes. Destaque por fim ao encontro dos X-Men com um grupo de agentes Skrulls adolescentes, que acabam inspirados pela mensagem de aceitação da equipe.

A ênfase aqui acaba muito acertadamente mais voltada a aventuras pulp, ao melhor estilo da fase de Roy Thomas no título,  mas de uma forma mais acertada do que a do autor sessentista. São usos inspirados de premissas que a primeira vista podem parecer óbvias e, no limite, até mesmo desinteressantes (“X-Men vs. Skrulls? Meh…”), mas que acabam por surpreender o leitor de forma simples e direta, cativando daquela forma que só um bom quadrinho é capaz de fazer. Até mesmo a edição final, que me parece ou uma tentativa de backdoor pilot ou uma propaganda descarada para outra série sensacional de Parker, Agents of Atlas, apresenta um roteiro que explora bem nossos personagens e ainda tem tempo para nos apresentar o obscuro Ken Hale de forma cativante, em uma missão de resgate em meio à selva africana.

Coletando oito histórias empolgantes que buscam inspiração na Era de Prata, X-Men: First Class acaba sendo bem mais do que um tributo ao oferecer uma nova e rejuvenescedora perspectiva sobre o quinteto original de mutantes. O roteiro equilibrado de Parker, recheado de diálogos bem humorados e pequenos detalhes na caracterização e narrativa, fazem com que este quadrinho tenha uma energia e um ar otimista que é raro nas publicações que lhe foram contemporâneas, não apenas dos mutantes como dos super-heróis em geral. O traço cartunesco de Roger Cruz realiza perfeitamente a proposta do roteiro, representando algumas das versões mais carismáticas desses personagens. Uma série descomplicada e carismática, do tipo da que deveríamos ter mais no subgênero. Enfim, coisa de primeira classe, mesmo (ba dum tiss)!

X-Men: First Class v1 #1 a 8 (EUA, Novembro de 2006  Junho de 2007)
Publicação no Brasil: X-Men Anual #2 (Ed. Panini, Setembro/2007)
Roteiro: Jeff Parker
Arte: Roger Cruz, Victor Olazaba
Capa: Marko Djurdjevic
Editora: Marvel Comics
Editoria: Mark Panicia
Páginas: 190

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