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Crítica | XXY (2007)

por Rodrigo Pereira
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O longa XXY é extremamente interessante dos mais diversos pontos de vista. Ao passo que marca a estreia da argentina Lucía Puenzo no papel de diretora, também traz para debate temas importantes como identidade de gênero e sexualidade na adolescência e primeiros anos da vida adulta. E mesmo se atualmente, essas questões causam grande alvoroço em discussões nos mais diversos setores da sociedade, imaginem em 2007, quando o filme foi lançado. Vale parabenizar Puenzo não só pela qualidade da obra, mas também pela coragem em abordar assuntos complexos e polêmicos de forma nua, crua e com nomes que trazem grande visibilidade para o projeto, como Ricardo Darín (Kraken) e Valeria Bertuccelli (Suli).

A história gira em torno da personagem Alex (Inés Efron), uma jovem adolescente intersexual que vive com seus pais, Kraken e Suli, em uma pequena vila de pescadores no Uruguai, onde Kraken pode exercer sua profissão de biólogo e evitar julgamentos alheios para com sua filha. O drama começa quando a família de Erika (Carolina Pelleritti), melhor amiga de Suli, é convidada a visitá-los. A intenção da mãe de Alex é que o cirurgião Ramiro (Germán Palacios), esposo de Erika, converse com Alex e Kraken para considerarem a possibilidade da cirurgia na filha do casal (algo abominável para Kraken, pois considera que a escolha deve ser feita única e exclusivamente por Alex).

Pode-se dizer, de maneira rasa, que intersexualidade é uma condição biológica em que o indivíduo encontra-se “entre” os sexos, podendo possuir um clitóris visivelmente grande ou um pênis consideravelmente pequeno, por exemplo. Isso nada tem a ver com identidade de gênero ou orientação sexual do indivíduo, que também são distintos entre si.

É importante que haja essa noção básica, pois são todos temas que estão presentes na película de forma mais ou menos explícita. No caso de Alex, o debate maior gira em torno de sua condição biológica em uma idade de descobrimento sexual. Tudo se torna ainda mais confuso pela presença de Álvaro (Martín Piroyansky), o filho do casal que visita Alex e sua família. Os dois desenvolvem uma bonita e ao mesmo tempo turbulenta relação de afinidade, cumplicidade, descobrimento e aceitação, já que Álvaro tem sua primeira relação homossexual durante sua estadia no pequeno vilarejo uruguaio.

Puenzo acerta ao optar desenvolver a trama por um caminho pesado e repleto de frieza, que é demonstrada através da utilização de uma paleta de cores frias e o constante clima nublado, evitando um roteiro clichê e uma desnecessária romantização que acabaria se tornando mais um desserviço do que visibilidade para um tema tão importante e pouco debatido. O resultado final é uma obra que retrata de forma totalmente fidedigna a dura realidade vivida por quem nasce com essa condição e todo o preconceito enfrentado pelos mesmos indivíduos desde muito cedo.

Individualmente, o filme é repleto de excelentes atuações. Sempre incrível, Darín encarna bem o papel de pai zeloso e compreensível, mas capaz de transformar-se em uma fera para defender sua cria de qualquer ato agressivo ou preconceituoso. O destaque, no entanto, fica para as magníficas atuações de Efron e Piroyansky, que assumem o protagonismo da obra de forma perfeita, desde o momento receoso em que se vêem pela primeira vez, passando por seus momentos de descobrimento e incertezas ao se relacionarem amorosamente até o derradeiro momento da separação, quando Álvaro e sua família voltam para casa.

Outro ponto interessante de comentar é sobre o simbolismo presente ao longo do filme. Logo no início da projeção, há uma cena em que Kraken corta o casco do que parece uma tartaruga morta e constata: “fêmea”. É uma clara alusão à sua filha, que cada vez mais se distancia do que comumente entende-se como feminino e caminha para o lado masculino dos gêneros. O simbolismo também encontra-se nas cenas em que Alex e Álvaro correm, juntos ou separados, por floresta ou praia, como se estivessem tentando se livrarem das amarras sociais e tornarem-se verdadeiramente livres, como animais selvagens o são.

XXY é um ótimo adendo não só como arte para o cinema argentino, mas também como debate social sobre os preconceitos vividos pela comunidade LGBTQI+ e como é importante que haja esclarecimento e informação para que tracemos um caminho em direção ao fim de qualquer tipo de discriminação, preconceito ou opressão.

XXY — Argentina, Espanha, França, 2007
Direção: Lucía Puenzo
Roteiro: Lucía Puenzo, Sergio Bizzio
Elenco: Inés Efron, Martín Piroyansky, Ricardo Darín, Valeria Bertuccelli, Carolina Pelleritti, Germán Palacios, Guillermo Angelelli, Luciano Nóbile
Duração: 86 minutos

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