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Crítica | Yellowjackets – 1ª Temporada

Já vimos isso antes...

por Ritter Fan
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É inevitável traçar um paralelo de Yellowjackets com Lost. E isso pode ser tão bom quanto ruim. Afinal, a célebre série de Damon Lindelof, Jeffrey Lieber e J.J. Abrams tinha a novidade estrutural ao seu lado, com os flashbacks, flashforwards e flashsidewaways contando momentos diferentes da história dos mesmos personagens, além de uma capacidade surpreendente de inserir mistérios na narrativa. Mas, como toda série de enorme sucesso, ela também ficou mais tempo no ar do que deveria, perdendo-se no meio do caminho. Yellowjackets é mais curta – 10 episódios por temporada – o que reduz o risco de fadiga mesmo que ela dure várias temporadas, mas, por outro lado, a série criada por Ashley Lyle e Bart Nickerson, que, como Lost, lida com dois momentos temporais distintos das mesmas personagens envolvendo queda de avião e uma temporada misteriosa em lugar remoto, tem a sutileza do proverbial elefante em loja de louça para trabalhar seus temas.

Na série, em 1996, uma equipe feminina de futebol colegial em viagem para disputar um torneio tem um acidente de avião e cai em uma região coberta de floresta no Canadá, permanecendo perdida por lá por um longo tempo. Em 2021, quatro sobreviventes que mantiveram segredo sobre os detalhes do que aconteceu por 25 anos, começam a ser chantageadas, o que as leva a hesitantemente se reunir novamente. Com isso, a estrutura pula entre as duas épocas da mesma forma que Lost, ou seja, com a linha narrativa de uma época comentando ou criando suspense ou explicando  a de outra época, com direito a uma série de mistérios, que podem ou não envolver o sobrenatural (e sim, tem até urso!), sendo introduzidos e devidamente empilhados para serem solucionados sei lá quando.

Ou seja, em termos macro de novidade, Yellowjackets oferece pouco, bem pouco. É até, diria, uma temporada consideravelmente lenta que demora muito a engrenar, com personagens que igualmente demorar a se conectar com o espectador. O resultado é que os eventos misteriosos no passado parecem distantes e, por muitas vezes, exigem um exercício de paciência e de suspensão da descrença maior do que o normal tanto para acreditar na engenhosidade das jovens quando em seus momentos de gigantesca burrice, como sair sozinha para andar no meio da mata e coisas parecidas. É como se os roteiros não se decidissem em como apresentar seu elenco mais jovem, pois tudo é muito binário, sem meio termo. Ora as soluções vêm em lampejos de brilhantismo (precisamos caçar, então vamos descobrir quem atira melhor no grupo!), ora elas vêm em lampejos de estupidez (vamos andar aleatoriamente para o sul para buscar ajuda).

O que segura mesmo a série são as sequências no presente e, mais especificamente, aquelas capitaneadas por Melanie Lynskey, que vive Shauna e cuja apresentação como dona de casa com baixa autoestima é inesquecível: ela mata, limpa, cozinha e serve um coelho que passeia por seu jardim para sua família como se isso fosse a coisa mais comum do mundo. Não só Lynskey basicamente leva a série nas costas, como sua personagem é a única que é revestida de sutileza na construção da personagem e a única que oferece comentários sociais realmente interessantes e raros de se ver por aí simplesmente por ela ser, para todos os efeitos, a protagonista e não ser uma “mulher modelo”, ou seja, não ter todos aqueles predicados “obrigatórios” de uma estrela de Hollywood. E, melhor ainda, os roteiros sabem utilizar essa sua característica de “mulher normal” para trabalhar esse ponto com gosto e com qualidade, seja no relacionamento com seu marido bonitão Jeff (Warren Kole), sua filha insuportável Callie (Sarah Desjardins) e seu amante mais jovem Adam (Peter Gadiot).

As outras três atrizes adultas principais, Tawny Cypress, Juliette Lewis e Christina Ricci, vivem não mais do que caricaturas ou estereótipos de personagens. Taissa (Cypress) é uma mulher negra e lésbica que concorre ao cargo de senadora do estado, Natalie (Lewis) é a mulher acabada que acabou de sair de uma clínica de reabilitação de viciados em drogas e  Misty (Ricci), enfermeira de um lar de idosos, é a amálgama da Enfermeira Ratched, com Annie Wilkes e, claro, a Vandinha da própria Ricci. Elas existem muito mais para “colorir” as ações no presente e para permitir que Lynskey se destaque em sua capacidade de ser “comum”, mas não tanto, do que para realmente ganhar desenvolvimentos pessoais efetivos para além dos chavões básicos. E não estou dizendo que isso é necessariamente ruim, vejam bem, mas, considerando que a série é inegavelmente galgada em uma estrutura de elencos – um fundamentalmente jovem e outro fundamentalmente adulto -, é estranho que haja pouco esforço para realmente passar essa impressão.

Afinal, mesmo no passado, com as jovens (e três homens) perdidas no meio do nada com coisa alguma, há uma certa fungibilidade dos personagens. Claro que as versões adolescentes das quatro adultas principais são também os destaques, mas as sequências nos anos 90 são muito mais caracterizadas por “momentos” ou “eventos” do que por personagens, mesmo que por vezes os roteiros sejam certeiros em abordar, sem pudor algum (porque esse é justamente o ponto), determinados assuntos que filmes e séries normalmente são acanhados em tratar, como a menstruação, a gravidez adolescente e os relacionamentos amorosos (fora das romcoms, claro).

No final das contas, Yellowjackets parece ser mais do mesmo, com a desvantagem de ter mistérios consideravelmente menos engajantes e um elenco feminino vasto mal aproveitado. Pode ser que a segunda temporada, já em produção, saiba construir algo sólido em cima dessa base homogênea e consideravelmente sem graça – novamente, excepciono, aqui, o trabalho de Melanie Lynskey, claramente o grande destaque da série – que não faz mais do que empilhar mistérios para serem resolvidos no futuro, mas não sem que antes mais mistérios sejam empilhados e assim por diante.

Yellowjackets – 1ª Temporada (Idem – EUA, 14 de novembro de 2021 a 16 de janeiro de 2022)
Criação: Ashley Lyle, Bart Nickerson
Showrunners: Ashley Lyle, Bart Nickerson, Jonathan Lisco
Direção: Karyn Kusama, Jamie Travis, Eva Sørhaug, Deepa Mehta, Bille Woodruff, Ariel Kleiman, Daisy von Scherler Mayer, Eduardo Sánchez
Roteiro: Ashley Lyle, Bart Nickerson, Jonathan Lisco, Sarah L. Thompson, Liz Phang, Ameni Rozsa, Chantelle M. Wells, Katherine Kearns, Cameron Brent Johnson
Elenco: Melanie Lynskey, Sophie Nélisse, Tawny Cypress, Jasmin Savoy Brown, Juliette Lewis, Sophie Thatcher, Christina Ricci, Sammi Hanratty, Ella Purnell, Steven Krueger, Warren Kole, Courtney Eaton, Liv Hewson, Keeya King, Kevin Alves, Jane Widdop, Rukiya Bernard, Luciano Leroux, Aiden Stoxx, Alex Wyndham, Peter Gadiot, Rekha Sharma
Duração: 574 min. (10 episódios)

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