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Crítica | Yellowstone – 4ª Temporada

Inimigo do século XXI.

por Kevin Rick
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das temporadas anteriores.

O quarto ano de Yellowstone dá seguimento direto ao ataque à família Dutton no final da temporada passada. Como havia dito na crítica anterior, não sou muito fã do cliffhanger, mas o início tenso e frenético aqui é bem executado, com boa direção para as sequências de ação e lidando com as consequências do ataque com ótimo direcionamento narrativo em elipse, centrando o enredo no arrendamento de parte do rancho enquanto John estava em coma (o retorno dele para casa é extremamente cômico) e tornando Jamie o principal adversário da família, junto de Caroline Warner (Jacki Weaver), nova face da companhia que está tomando as terras de Montana agora que Willa está fora de cena e Roarke foi assassinado por Rip.

Além disso, eu estava parcialmente errado sobre a reviravolta na temporada anterior, pois não foi a empresa Market Equities que encomendou a investida aos Dutton, mas sim o pai biológico de Jamie, o vingativo Garrett Randle (Will Patton). É uma situação desenrolada na quarta temporada que analiso tanto negativamente quanto positivamente. Por um lado, desgosto de como o desenvolvimento voltado para o seio familiar dá um tom ainda mais melodramático à série, colocando a companhia multinacional em segundo plano, além de que o texto de Sheridan não é eficiente em nos instigar em torno da trama de crime e o processo investigativo de quem mandou matá-los. Por outro lado, ao transformar o ataque em um núcleo de drama familiar íntimo, Sheridan dá mais estofo emocional para o arco dramático de Jamie, um dos principais focos da temporada.

Isso me leva a mudança de abordagem do showrunner para o novo ano. Como falei nas críticas anteriores, Sheridan é muito inteligente em variações de tom, estrutura e dinâmicas de personagens, renovando a experiência dramática, pois Yellowstone caminha em uma linha tênue entre evolução e repetição. Aqui, por exemplo, o autor faz isso ao levar Kayce, Monica e Tate de volta às reservas, dando espaço representativo à cultura nativo-americana, algo que vinha sentindo falta, como também concentrando sua atenção na nova família de Beth e Rip com o filho “adotado” Carter (Finn Little), cheia de interações com John Dutton – a cena da mesa de jantar é um exemplar de melodrama familiar bem-feito. Os temas são os mesmos, como sucessão, traumas e traições familiares, mas a obra continua encontrando novos relacionamentos e diferentes formas de convívio para não soar (tão) repetitiva.

No entanto, a principal mudança de Sheridan está na forma narrativa. Yellowstone é em sua essência um ranch story, isto é, um tema de westerns que trata de ameaças ou problemas relacionados a um rancho, geralmente trazendo um vilão externo. O contexto moderno da história explora a temática por uma ótica de transição e “morte” do modo de vida de John Dutton. Como a própria Beth diz, o principal inimigo do patriarca é o século XXI. Por isso, até a terceira temporada, cada ano trouxe um novo antagonista, mas a quarta temporada, como eu havia dito, tem um tratamento ainda mais familiar. É claro como o lado doméstico praticamente engole a narrativa macro contra a empresa, havendo menos conflitos e mortes.

Eu meio que entendo o projeto de Sheridan, dando uma cara diferente por temporada (o primeiro ano é mais prosaico, o segundo ano é próximo de uma trama de faroeste clássico e o terceiro mais burocrático e contemporâneo), inclusive rendendo bons frutos nesta temporada, como o arco de Jamie, o desenvolvimento do relacionamento entre Beth, Rip e John, e até curto a subtrama com o espelho infantil de Rip no órfão Carter. Mas tantas alterações fazem com que ótimas ideias de Sheridan sejam mal exploradas. Vejo isso principalmente com o chefe Rainwater, inicialmente um grande adversário que trazia uma guerra pelo rancho com contexto histórico, substância dramática coletiva e cultural, e um tom crítico com a vida precária nas reservas indígenas, mas que agora se tornou um facilitador narrativo e um simples narrador de elementos do povo ameríndio.

Algumas ideias mal exploradas são apresentadas nesta temporada mesmo. Tornar John um candidato a governador é sensacional, nos brindando com a sarcástica sequência do discurso conservador embebido de egoísmo do protagonista, trazendo com força o lado crítico aos EUA de Sheridan, mas a trama política não é aprofundada. O mesmo vale para a escolha de John em tornar o rancho um negócio rentável e não apenas uma terra de luxo para a vida caubói, havendo possibilidade para vários desdobramentos empresariais e sobre capitalismo não apreciados. Felizmente, Sheridan ganha pontos por apresentar essas ideias, tendo espaço para poder explorá-las na próxima temporada, além de que o autor potencializa muito bem outra ideia: a questão ambiental nisso tudo, explorando diferentes lados dos protestos ambientais com a subtrama da ambientalista Summer Higgins (Piper Perabo).

Para finalizar, eu não poderia deixar de falar dos meus queridos caubóis. Quem acompanha minhas críticas sabe que a representação do dia-a-dia em Montana é a parte que mais estimo na série. Aqui, porém, Sheridan faz outra mudança de percurso, no que é a temporada menos “episódica” do show. Vemos pouco da parte ordinária e das aventuras aleatórias dos peões, já que o showrunner assume “apenas” duas linhas principais no que tange esses personagens: o núcleo de Lloyd com raiva de Walker, rendendo momentos cômicos, uma leve camada dramática que analisa a velhice melancólica da profissão e até uma certa autenticidade da masculinidade tóxica do meio (afirmo isso com certa propriedade, pois conheço em primeira mão a similar cultura sertaneja); e em segundo lugar a ida de Jimmy ao Texas, trazendo um contexto de diferença da vida caubói dependendo do território com um olhar diário belo e expressivo para os costumes texanos, longe da vida criminosa em Montana, além de continuar o ótimo arco de amadurecimento e romance de Jimmy (há rumores de um spin-off chamado “Rancho 6666” centrado na nova jornada do personagem).

No mais, a quarta temporada de Yellowstone é a que menos gosto até aqui, principalmente por dois aspectos: o foco hermético e um tantinho cansativo no seio familiar, ainda que encorpado de bons dramas, desbravando em conta-gotas a essência de ranch story da série; e as várias ideias mal exploradas do roteiro, em especial o lado político, sendo que, aliás, vejo Sheridan dando enfoque à beleza desta vida e menos ao tom crítico, elementos melhores equilibrados na primeira temporada. Ainda assim, não se enganem, há muito o que gostar na temporada, em especial as duas linhas narrativas da vida caubói que continuam me cativando. Sem falar que Sheridan pode mergulhar de cabeça na camada política e, como o próprio protagonista diz, na transformação do rancho em uma marca nacionalmente conhecida na vindoura quinta temporada.

Yellowstone – 4ª Temporada — EUA, 2021
Criação: Taylor Sheridan, John Linson
Direção: Stephen Kay, Christina Voros, Guy Ferland, Taylor Sheridan
Roteiro: Taylor Sheridan, John Linson
Elenco: Kevin Costner, Luke Grimes, Kelly Reilly, Wes Bentley, Cole Hauser, Kelsey Asbille, Brecken Merrill, Jefferson White, Danny Huston, Gil Birmingham, Forrie J. Smith, Denim Richards, Ian Bohen, Finn Little, Ryan Bingham, Josh Holloway, Will Patton, Jacki Weaver, Piper Perabo
Duração: 10 episódios de aprox. 60 min.

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