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Crítica | Zé Carioca: Papagaios de Opinião e Outras Histórias

As primeiras edições da revista do Zé Carioca no Brasil!

por Luiz Santiago
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Vamos aqui a um contexto muito importante de publicação. A revista Zé Carioca foi, em seus primeiros anos de existência, um subtítulo (ou um “lado B”) da revista O Pato Donald, então publicada pela Editora Abril. Ele apareceu em destaque, pela primeira vez, na edição #479, que chegou às bancas em 10 de janeiro de 1961. Ou seja, não existe uma edição Zé Carioca #1, não existe uma edição Zé Carioca #478 e nenhum número entre essas duas citadas. Só foi a partir da edição #479 que a capa da revista O Pato Donald passou a trazer o malandro papagaio da Disney estampado e aliado a uma história interna contada como principal. Até meados da década de 80, o Zé iria dividir a revista com o amigo pato. O personagem brasileiro ficaria com todas as revistas de número ímpar (isso mudaria a partir da Zé Carioca #1752, de junho de 1985) e o personagem americano com todas as revistas de número par.

O presente compilado traz as 6 primeiras edições da revista Zé Carioca (#479 a 489), publicadas entre janeiro e março de 1961. Você já leu algumas dessas histórias? Tem alguma que gosta mais? Algum de que não gosta? Deixe seu comentário ao final da postagem!

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Zé Carioca contra O Goleiro Gastão

Eis aqui a primeiríssima história do primeiríssimo título do Zé Carioca em terras brasileiras! É definitivamente um clássico dos quadrinhos nacionais e o pontapé inicial para uma aproximação do papagaio com o público brazuca, tornando-o “verdadeiramente brasileiro“. É uma trajetória que demoraria alguns anos para verdadeiramente se fixar, e que tem alguns nomes bastante famosos envolvidos em seus desenvolvimento. Refletindo sobre isso no ano em que o Zé completa 80 anos de vida (escrevo esse texto no comecinho de março de 2022), me parece uma vitória digna de aplausos, porque realmente o papagaio acabou ganhando, no imaginário popular, as qualidades e os defeitos que roteiristas e desenhistas brasileiros lhe deram. E um pouco dessa tentativa de transformação e abrasileiramento já pode ser visto nessa estreia de título, quando o personagem é colocado no campo de futebol e disputa um jogo bastante injusto com o Ganso Gastão.

O início da aventura, com o Donald e os meninos, não me pareceu tão interessante, mas a partir do momento que o Zé e os Seresteiros da Tijuca entrem em cena, a coisa fica realmente muito boa. Aliás, a presença do Donald é inteiramente descartável e até a justificativa do roteiro para colocá-lo na trama poderia ser executada por outro personagem e de maneira orgânica. Entendo, porém, a necessidade comercial de se trazer um conhecido de peso como coadjuvante, já que era um risco começar só com o Zé Carioca. As cenas de futebol são bem intensas aqui, e os ótimos desenhos rechonchudos de Jorge Kato tornam a história visualmente bem chamativa. Até o Pelé (chamado Peleco) faz um cameo! O encerramento traz uma justificativa bem aleatória para o “fim da sorte do Gastão“, mas se a gente for julgar pela unidade da obra (coisas impossíveis versus coisas impossíveis) até que o roteirista não saiu muito dos trilhos não.

Zé Carioca: Contra o Goleiro Gastão — Brasil, 10 de janeiro de 1961
Código da História: B ZC  479-B
Publicação original: Zé Carioca 479 (posteriormente publicada nas seguintes edições: Disney Especial – 1ª Série – #14, Anos de Ouro do Zé Carioca 1, Zé Carioca 60 Anos 1, Aventuras Disney – Abril – #39, Edição Especial Abril na Copa 1)
Editora original: Editora Abril
Roteiro: ?
Arte: Jorge Kato
Capa original: Jorge Kato
11 páginas

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Odisseia em Disneylândia

Quando eu comecei a ler essa história, enquanto passava pelos quadros da primeira e da segunda página, acreditei piamente que não ia gostar dela não. Mas o desenvolvimento do roteiro e os vários encontros que o Zé Carioca vai tendo ao longo da aventura conseguiram mudar a minha impressão inicial e eu acabei gostando bastante do que li aqui. Como sempre, começamos com o nosso malandro papagaio tentando dar um calote básico. Ele convence a sua empregada, Maria das Neves, a enganar o senhorio, mas chega à conclusão de que mais dia, menos dia, terá que enfrentar os seus credores. E o roteiro parte dessa premissa de busca desesperada por dinheiro para colocar o Zé numa estrada bem curiosa: a partir de um determinado momento, ele precisa levar alguém da Disney para um programa de televisão e, com isso, faturar uma boa grana.

No decorrer da trama, temos cameos dos Três Porquinhos, de Lobão, Lobinho, Margarida, Pateta, Donald e até do Tio Patinhas! O título, portanto, não está mentindo! E é muito bom ver o Zé encontrando-se rapidamente com todos esses icônicos personagens e sendo imediatamente rejeitado porque todos estão ocupados, com pressa ou com um compromisso inadiável. A piada com o Pateta é ótima, inclusive com um bem empregado pastelão na cena final. Uma história que começa devagar, mas adquire um baita ritmo legal ao longo de suas páginas.

Zé Carioca: Odisseia em Disneylândia — Brasil, 24 de janeiro de 1961
Código da História: B ZC 481-B
Publicação original: Zé Carioca 481 (posteriormente publicada nas seguintes edições: Anos de Ouro do Zé Carioca 1, Zé Carioca 2269, Zé Carioca Férias 3)
Editora original: Editora Abril
Roteiro: ?
Arte: Jorge Kato
Capa original: Jorge Kato
10 páginas

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O Mapa da Mina

E não bastassem as várias participações especiais em Odisseia em Disneylândia, o roteirista do título do Zé Carioca (infelizmente não se conhece a autoria dos roteiros dessas primeiras edições do personagem neste título) resolveu trazer mais uma presença ilustre, uma das que não tinham aparecido ainda: o Tico e o Teco (personagens que acabaram virando ditado popular sobre capacidade cognitiva aqui no Brasil)! Fugindo em disparada de um furioso Donald, a dupla veio parar no Brasil, e se encontrou por acaso com o Zé Carioca. Como temos um “mapa da mina” colocado já no título da trama, sabemos que o Zé estará às voltas com dinheiro mais uma vez, só que nesse caso há toda uma carga de importância em torno dessa correria, afinal, é uma mina! Enfim, o papagaio pode ficar rico! Ou não?

É imbatível: toda vez que Patinhas oferta algo para alguém e isso parece ser fácil demais ou bom demais, pode ter certeza que há algo de errado, algo muito mais complexo ou algum tipo de exploração envolvida na oferta! Nesse caso, a “simples tarefa” que o Zé precisa cumprir acaba se revelando impossível, e o ponto final da aventura flerta até com o mito do pote de ouro no fim do arco-íris. Minha pergunta é: o que esses esquilos farão com tanto dinheiro? Compararão nozes, e só? Bem que podiam dividir um pouquinho com o Zé, afinal, foi ele quem deu a dica!

Zé Carioca: O Mapa da Mina — Brasil, 24 de janeiro de 1961
Código da História: B ZC 483-B
Publicação original: Zé Carioca 483 (posteriormente publicada nas seguintes edições: Anos de Ouro do Zé Carioca 1, Zé Carioca 2281)
Editora original: Editora Abril
Roteiro: ?
Arte: Jorge Kato
Capa original: Jorge Kato
11 páginas

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O Tesouro do Capitão Gancho

É muito interessante pegar essas histórias antigas do Zé Carioca e notar que havia a necessidade de os autores colocarem-no interagindo com diversas outras carinhas conhecidas da Disney, certamente para chamar a atenção dos leitores e, com isso, ajudar a firmar a presença do nosso papagaio no imaginário das pessoas — a ideia de que ele era importante, que conhecia dos outros personagens da Disney, mas que era brasileiro! Evidentemente é uma ótima estratégia de marketing e a História prova que funcionou. Nesta aventura, o Zé está em um barco, remando no Parque do Ibirapuera. Confesso que não sei se isso é liberdade criativa ou se realmente, nos anos 60, era liberado remar naquele lago. Sem contar o fato de que o Zé está em São Paulo e isso sequer é tratado como algo diferente! Na verdade, nenhuma dessas histórias iniciais (talvez, com exceção a Zé Carioca contra O Goleiro Gastão), temos a indicação de que ele é um personagem do Rio de Janeiro. E nem que seja personagem do subúrbio (vejam o nível da casa dele em Odisseia em Disneylândia). Essas são coisas que apenas mais para frente é que seriam colocadas como marcas centrais do personagem.

A grande surpresa da narrativa vem com a aparição do Capitão Gancho e, logo em seguida, de Peter Pan e Sininho no enredo. Sinto que faltou um propósito maior nessa apresentação do Capitão, pelo menos que não jogasse tão descaradamente com o acaso. É claro que a escolha acaba funcionando porque falamos, em essência, de uma história de magia e  pirataria, e isso sempre consegue uma boa dose de ação para a história. Não deixa de ser um pouco estranho ver o Zé, a princípio, dividir espaço com esses personagens, mas mesmo com poucas páginas de aventura, a gente consegue se acostumar e embarcar na brincadeira, que é finalizada com uma boa noção cíclica do passeio no lago e com a preguiça de sempre do personagem em remar, agora solucionada de maneira bem criativa pelos visitantes da vez.

Zé Carioca: O Tesouro do Capitão Gancho — Brasil, 21 de fevereiro de 1961
Código da História: B ZC 483-B
Publicação original: Zé Carioca 485 (posteriormente publicada nas seguintes edições: Anos de Ouro do Zé Carioca 1, Zé Carioca 2265, Disney Big 3, Disney Especial – 2ª Série – 195)
Editora original: Editora Abril
Roteiro: ?
Arte: Jorge Kato
Capa original: Jorge Kato
11 páginas

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O Estranho Caso do Jardim Zoológico

Adivinhem só quem conseguiu um emprego? Hehehe. E temos aqui mais uma situação geográfica curiosa: o Zoológico onde o Zé vai procurar emprego é o mesmo em que o Pateta (acompanhado pelo Mickey) também vai procurar emprego. Mais uma vez, não temos uma diferenciação geográfica bem definida. Eu já vi, em tramas bem mais adiante no tempo, essa mistura estranha de fronteiras, mas pelo menos tinha alguma indicação de uma viagem, do uso de um meio de transporte ou algo assim. Porém, a partir de um determinado período das publicações do Zé, tudo o que se referia ao seu Universo estava marcado no Brasil, e que uma viagem internacional precisava ser feita. Notem que em outra história desse mesmo compilado (O Mapa da Mina) o roteirista chamou a atenção para isso! Ele coloca nominalmente a divisão entre os países, coloca que Tico e Teco viajaram, correndo, 8 mil quilômetros, e o Zé até comenta de um possível voo de 10 horas! Ou seja, dependendo da história ou do roteirista — algo que infeliz mente não saberemos quem é, como já comentei antes — essa situação geográfica ganhava diferentes abordagens.

Eu dei umas boas risadas nessa aventura, que mescla a comédia ao mistério meio maluco, já que os bichos do Zoológico começam a sumir a partir do momento em que o Zé assume o cargo de vigia do lugar. Quem está envolvido nesse roubo é o Bafo, mas mesmo com o Mickey em cena, quem vai desvendar o caso, quem irá perceber que existe algo de muito errado nos bastidores é o papagaio. Pelo menos em sua revista, ele tem a ação principal, não é mesmo? O roteirista acertou nessa. Assim como acertou na piadinha como um jogo de palavras ao final do enredo, algo que certamente as crianças não conseguem entender, mas que acaba tendo graça para os pequenos pela absurda situação do bandido na jaula de um dos animais. Uma boa escolha, de fato. Sem falar que os desenhos de Jorge Kato aqui estão lindos!

Zé Carioca: O Estranho Caso do Jardim Zoológico — Brasil, 7 de março de 1961
Código da História: B ZC  487-B
Publicação original: Zé Carioca 487 (posteriormente publicada nas seguintes edições: Anos de Ouro do Zé Carioca 1, Zé Carioca 2270, Disney Jumbo 1, Bafo de Onça 90 Anos 1)
Editora original: Editora Abril
Roteiro: ?
Arte: Jorge Kato
Capa original: Jorge Kato
11 páginas

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Papagaios de Opinião

Essa fantástica história pode até ser utilizada como material didático, abordando questões contemporâneas sobre a perseguição aos professores dentro de uma acusação que parece ser a norma do acusador e não frequentemente do acusado: a “doutrinação”. Ao presenciar um papagaio ser rejeitado por um casal, em uma loja de animais, o Zé Carioca fica triste quando entende que o bichinho recebeu a recusa porque não sabia falar. Aqui, o roteirista utiliza a “inabilidade de falar” como símbolo da alfabetização, e o que o Zé faz é criar uma escola para ensinar a esses papagaios algo além da palavra “currupaco“. É uma excelente iniciativa, com um resultado bem superior ao que eu esperava, inclusive. O Zé não é um personagem intelectual e não tem um vocabulário tão rebuscado quanto o que demonstra aqui, então há aquela estranheza de concepção da história em relação ao personagem, mas nada que impeça o leitor de aproveitar a trama. Longe disso.

O problema se dá quando os papagaios voltam para casa e passam a responder “na lata” todas as coisas estúpidas que seus donos dizem. Num caso específico, em uma loja de animais, há até uma coisa similar a uma Revolução dos Bichos. Levando em consideração a metáfora utilizada no texto desde o início, comparando a habilidade de falar ao estudo, ao conhecimento, fica claro a linha que o roteirista quis seguir aqui, mostrando o que a educação pode fazer: libertar as pessoas das amarras que sua sociedade lhe impõe. Nisso tudo, o que falta para os alunos é a sabedoria para utilizar todo o conhecimento que receberam. Ter conhecimento e a liberdade de utilizá-lo, como em qualquer situação de convívio social e de expressão, significa obrigatoriamente ter a responsabilidade pelo que se diz. Não existe, nunca existiu e jamais existirá a liberdade utópica que muita gente sonha em seus dias molhados. A liberdade de fazer tudo o que se quer e pensa, a toda hora, em qualquer lugar, sem qualquer tipo de revés social simplesmente porque a pessoa se acha “livre para dizer exatamente o que pensa“. Só faltou entender o que significa “viver em sociedade“, não é mesmo? Existem nesgas de liberdade em diversas áreas da nossa existência em grupo. Quer gostemos, quer odiemos, nosso contrato social é assim, nosso mundo, nosso sistema e organização se colocam dessa forma. E esta fantástica historinha de 1961 nos ajuda a pensar muito em todas essas coisas, inclusive com a “punição” que o Zé impõe aos seus alunos no derradeiro quadro.

Zé Carioca: Papagaios de Opinião — Brasil, 21 de março de 1961
Código da História: B ZC  489-B
Publicação original: Zé Carioca 489 (posteriormente publicada nas seguintes edições: Anos de Ouro do Zé Carioca 1, Zé Carioca 2258)
Editora original: Editora Abril
Roteiro: ?
Arte: Jorge Kato
Capa original: Jorge Kato
11 páginas

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