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Crítica | Zombies (2018)

Acabando com o racismo (a primeira vez de muitas).

por Roberto Honorato
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“Eu estou lutando contra a intolerância”
“Eu lutei contra a minha cortando os laticínios”

As DCOMs (Disney Channel Original Movies) foram as produções de longa-metragem produzidas para lançamento direto no canal da Disney, e de lá saíram clássicos como High School Musical, Camp Rock e Cheetah Girls. Depois do auge no começo do século, as DCOMs conseguiram manter certa relevância na década passada com os divertidos Teen Beach Movie e Descendentes (do ícone Kenny Ortega, também criador de High School Musical), mas nos últimos anos os originais da Disney para TV foram ficando cada vez mais raros, com poucas produções originais e alguns filmes retornando para continuações menos inspiradas, como aconteceu com o fraquíssimo Descendentes: A Ascensão de Copas, um retorno sem a direção de Ortega e com um elenco sem metade do carisma do original.

É difícil estabelecer uma nova franquia de comédia musical no estado atual da Disney, de poucos riscos e tentativas, mas Zombies tem sido uma das poucas séries de filmes capazes de trazer de volta a sensação de estar assistindo uma típica DCOM, com direito aos elementos que fazem os melhores filmes da categoria: comédia que equilibra o drama adolescente com um tom consciente do quão ridícula são suas premissas e números musicais memoráveis. Assim, vamos cobrir toda a franquia, que começou na década passada e permanece forte o suficiente para continuar lançando longas até hoje.

Lançado em 2018, Zombies (ou Z.O.M.B.I.E.S., um título que não vou manter porque tenho que inserir cada ponto entre as letras e ninguém tem esse tempo) tem uma das premissas mais bizarras da Disney, mas consegue fazer com que ela funcione. Tudo começa após um acidente na usina de energia da pacata Seabrook faz com que uma explosão tóxica transforme metade da população em zumbis de pele pálida e cabelos verdes. Isso fez com que as pessoas que não foram afetadas criassem uma barreira para separá-los dos monstros comedores de cérebros, criando assim um território isolado chamado Zombietown. Décadas depois, o governo cria braceletes chamados Z-Bands, que conseguem segurar o impulso dos zumbis por cérebros e fazem com que eles tenham consciência novamente. Nessa nova realidade os zumbis conquistam o direito de ir à escola, mas ainda não possuem os mesmos direitos que o resto dos humanos, mas as coisas começam a mudar quando Zed (Milo Manheim), um zumbi carismático, se apaixona por uma líder de torcida humana chamada Addison (Meg Donnelly), e começam a questionar o sistema. 

Premissas são irrelevantes, o que importa sempre será a execução, e Zombies é uma das provas de que não importa o quão ridícula seja a proposta do filme, se o resultado for algo que parece ter sido feito de forma honesta, é o que conta. Ainda que em seu primeiro filme a franquia não encontre seu ritmo, consegue estabelecer alguns conceitos que já fazem com que a primeira tentativa do diretor Paul Hoen seja uma aventura romântica e musical, consciente de suas limitações e até onde pode esticar o absurdo sem perder o charme.

Com um elenco carismático e números musicais criativos, o maior desafio de Hoen é construir uma identidade visual mais consistente, o que esse primeiro filme sofre bastante para manter, com tomadas externas chapadas por conta da iluminação natural sem qualquer tratamento técnico ou os segmentos internos com cenários pouco inspirados, apenas pintando as paredes com um verde limão e o rosa-choque da escola achando que está criando um contraste bom o suficiente para manter a temática de zumbis e líderes de torcida. Mais uma vez, esses problemas são compensados com números musicais como My Year, que introduz as personagens com estilos de dança distintos, um contraste entre o estilo mais clássico dos humanos e o breakdance dos zumbis; enquanto Fired Up apresenta o principal antagonista, o egocêntrico capitão das líderes de torcida, Bucky (Trevor Tordjman), com uma coreografia inspirada em clássicos como Grease: Nos Tempos da Brilhantina, onde não só representam a canção como avançam a trama através de uma eliminação baseada em quem acompanha melhor o ritmo da dança.

Pelo menos as tomadas noturnas conseguem compensar as cenas ambientadas na escola ou em Seabrook, que não se destacam visualmente. O uso da iluminação artificial permite um trabalho que prestigia a maquiagem e penteados, além de passar uma ideia melhor de profundidade, deixando as cenas mais vibrantes, como acontece na música BAMM, na qual somos apresentados à vida noturna de Zombietown, com uma direção de arte que compõe melhor as cenas com objetos cênicos como uma cama elástica gigante, uma mesa de DJ feita de ferro-velho e orbes iluminados para representar globos oculares gigantes. Contudo, esses momentos são raros, e por sorte o elenco é a maior força do longa, e a prova disso está no número musical principal, Someday (que se repete em todos os filmes da franquia), onde o casal Zed e Addison se conhecem melhor em uma sala vazia, assim o filme depende exclusivamente do talento e química entre Milo Manheim e Meg Donnelly. Essa é a música-chave da franquia, que resume toda a proposta de Zombies e revela o principal debate por trás dessa premissa de zumbis e líderes de torcida: a segregação racial.

O enredo de Zombies poderia ser apenas uma alegoria shakespeariana de amor proibido, mas a dupla David Light e Joseph Raso utiliza seu texto para denunciar o racismo sistemático e a história de segregação racial dos Estados Unidos, colocando os zumbis isolados e separados dos humanos por grades, precisando protestar por direitos básicos. O filme chega a dizer que os mortos-vivos estão sofrendo “zombiefobia”, e há todo um arco dramático da personagem Eliza (Kylee Russell) constantemente tentando novas formas de “lutar contra a intolerância”. É claro que a mensagem é completamente equivocada e os paralelos não fazem sentido algum com a história real, principalmente na forma como trata a batalha como “zumbis X líderes de torcida”. Ainda assim, a intenção é boa e é divertido assistir o elenco tentar levar a sério a história de um romance proibido em meio aos conflitos contra a discriminação zumbi.

Zombies consegue ser, ao mesmo tempo, uma das histórias mais divertidas e equivocadas das DCOMs, tentando abraçar diversos temas e alegorias sem se aprofundar demais em qualquer uma delas, mas ao menos as utiliza como desculpa para piadas engraçadas e diálogos estupidamente hilários entre números musicais criativos. É só o começo da história que nos fará questionar: “o que pode dar errado entre uma garota e um zumbi?”.

Zombies (Z.O.M.B.I.E.S.) – EUA, 2018
Direção: Paul Hoen
Roteiro: David Light, Joseph Raso
Elenco: Milo Manheim, Meg Donnelly, Trevor Tordjman, Kylee Russell, Carla Jeffery, James Godfrey, Naomi Snieckus, Jonathan Langdon
Duração: 94 min.

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