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Crítica | Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw

por Gabriel Carvalho
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“Ninguém me diz o que fazer.”

Por meio do cinema brucutu, Velozes e Furiosos conseguiu encontrar-se com a crítica e também com o público, conquistando os seus maiores números justamente depois da entrada do enorme Dwayne Johnson na franquia, na quinta empreitada da saga. Dito isso, o que até então tentava se sustentar em meio às jornadas pessoais de Vin Diesel e companhia, pode respirar muito mais tranquilamente agora. Esse é um derivado que permite correr um certo descompromisso em suas veias. Ledo engano, chamar de descompromisso o que acontece no projeto é, na verdade, usar erroneamente a palavra. Em vista do que Hobbs & Shaw produz em termos cinematográficos, a franquia nunca antes se comprometeu tão certeiramente com as coisas que mais a concretizaram como o fenômeno do gênero que é. Em contrapartida a esse pensamento, o comando de David Leitch é provavelmente o mais compromissado na reverência aos seus elementos – personagens, arcos, sequências explosivas, participações especiais e comédia. Eles são unidos não por conta de algum complexo dramático tosco, mas pelo coração, que os une em espírito. Cria-se, portanto, o mais coeso dos longas-metragens dessa saga. Leitch investe em uma abordagem extremamente coerente com a natureza masculinizada típica de projetos similares dos anos 80 e 90, ainda que pontualmente subvertida para se ater a uma concepção moderna do conceito, que redefine a ação.

Como tantas boas rivalidades que protagonizaram numerosos exemplares do cinema brucutu do passado, Hobbs & Shaw também não poderia se esquecer da sua. Enquanto os demais longas da franquia colocariam essas intrigas entre homens para sustentar um pano de fundo mais dramático – o protagonista contra o antagonista ou um antagonista prévio -, Shaw (Jason Statham) e Hobbs escapam da regra. Eles não se desentendem por causa de um pretexto complicado, no entanto, simplesmente em vista de suas próprias masculinidades – os seus orgulhos. Essas conexões propostas, consequentemente, mostram estar visando mais à comédia e um senso de macheza contrapondo um ao outro que quaisquer demais intenções. E, por tal ponto de vista, tanto o roteiro quanto a direção conseguem priorizar com muita competência a química tóxica e imensamente espirituosa que circula em cada conversa e encontro entre os protagonistas dessa obra. Numa sequência em corredores opostos, mais relevante que combater os inimigos é um provar-se para o outro. Ora, a apresentação de ambos os personagens acontece justo simultaneamente, com David Leitch colocando as rotinas de cada um em paralelo, apesar de estarem em lugares totalmente distintos. No mais, uma das funções da personagem de Vanessa Kirby – mas que não se resume a isso – é estimular um clássico embate, entre o seu irmão “protetor” e o possível interesse amoroso.

Em meio às explosões, as dinâmicas permanecem relevantes e bem-humoradas, mas ao mesmo tempo existem outras questões surgindo, as quais firmam a estrutura narrativa como mais rica do que os espectadores subtendem de uma produção como essa. Mesmo que opostos em seus tipos – Hobbs é o brutamontes, enquanto Shaw é o espião -, os papéis dos protagonistas são parecidos em vários sentidos, exemplificando uma boa noção de paralelismo por parte dos roteiristas. Por exemplo, ambos reafirmam constantemente os seus interesses em trabalharem sozinhos. Já, posteriormente, as semelhanças agravam-se com os arcos particulares que possuem, envolvendo as suas famílias e os seus passados. Nesse sentido, o cinema brucutu contemporâneo parece ter como maior alicerce a humanização de símbolos masculinos estereotipados, passando por uma redefinição de seus arquétipos. Mais que salvar o mundo, Dwayne Johnson, em seus projetos usuais, está sempre se preocupando com vínculos dramáticos menores. Fora a premissa em superfície que os aproxima – uma bobagem, diga-se de passagem -, existe, portanto, essa co-relação entre Shaw e Hobbs em um âmbito menor, pois os personagens precisam resolver os seus impasses com os seus respectivos irmãos. Enquanto Deckard é questionado por sua mãe da sua conexão com sua irmã Hattie, Hobbs precisa reconciliar-se com os seus entes queridos de Samoa.

Esses arcos pessoais não são nenhum pouco extraordinários – as problemáticas resolvem-se sem problemas, por meio de breves exposições -, mas Leitch evoca sinceridade em vista de pequenas interações. Pois quando Hobbs revisita o seu lar, a participação de sua mãe, dominando todos os brutamontes em cena com um só chinelo, conquista o que é suficiente para prover coração ao conjunto. O cineasta, assim sendo, conta com o auxílio de seus principais intérpretes – bem melhores que Vin Diesel. Johnson, de um lado, é provavelmente o ator que mais repete papéis, mas consegue os reiterar sem soar cansado. A mesma coisa pode ser dita sobre Statham, que assume cada piada proposta pelo roteiro com um teor esnobe impressionante. Por conta dessa gerência de conversas criativas, Chris Morgan e Drew Pearce merecem muito mais prestígio pelo roteiro. Claro que a trama de Idris Elba ser um super-homem – um dos pontos negativos da obra, sem trazer consigo um peso de antagonista à altura dos protagonistas – que quer retirar um vírus implantado na irmã de Shaw e que pode matar milhões de pessoas é uma bobagem. Entretanto, ao menos os escritores nunca a colocam em um patamar de importância. Portanto, personagens aparecem e somem sem cerimônias e assim rege o descompromisso. Aos confrontos, decisões tomadas abruptamente são artifícios simples. O que importa são os momentos e a ação prova isso.

Em comparação aos cineastas Chad Stahelski ou até mesmo Christopher McQuarrie, responsáveis respectivamente por John Wick e Missão Impossível, David Leitch não mostra tanta competência quanto esses diretores no que tange as cenas de ação. Mas o resultado, ao menos aqui, é interessante no que se refere ao seu comando, especialmente pelo uso contínuo de câmera lenta, dando um tom espetacular para ocasiões específicas. Os absurdos presentes são enaltecidos. Quando o assunto é enquadramento, encenação e montagem, no entanto, os resultados variam, a depender de sequência. Já o roteiro, em contrapartida, proporciona várias ideias extremamente coesas com a proposta brucutu. Os roteiristas podem estar no automático para que pensem a conspiração terrorista de pano de fundo, contudo, quando o assunto é ação o que não inexiste é criatividade. Cada absurdo encadeia-se a outro, estimulando ainda mais as rixas presentes – apenas um interesse amoroso não é tão bem explorado em cena. Enfim, as coisas vão além até em raciocínios simples, que são destroçados para que a lógica do ilógico prevaleça, não como um acidente de percurso, mas como uma intenção espirituosa. Enquanto a ação consegue ser compreensível, quaisquer outros elementos podem abraçar o surrealismo. Os exemplos são vários: durante o grande combate conclusivo, noite torna-se dia em um piscar de olhos – à troco de nada.

De certo que esse olhar para a ação dos anos 80 e 90 aparece inerentemente, por conta do modo como Leitch encena grande parte das relações. Porém, Hobbs & Shaw nunca se permite ser uma obra datada. É parte de um cinema atual, com seus maneirismos atuais e pretensões atuais – Kirby bate tanto quanto Deckard ou Luke, ao passo que outras personagens femininas são essenciais para moverem os demais, assim como o neon prevalece em várias sequências. Em seu primeiro derivado, assim sendo, a saga não apenas abraça um cinema de outros tempos, como o redefine para uma nova era. O seu clímax, com um grande combate que desarma os inimigos para priorizar uma pancadaria mano-a-mano, exemplifica que não apenas reiterar, a franquia também quer repensar. E Hobbs & Shaw, em meio a muitas bagunças e uma execução modesta, consegue promover essa conciliação da brutalidade com uma humanidade importante. Que tenha limitações em costurar certos arcos, mas vários outros pontos positivos parecem ser ignorados em prol de uma subestimação de valores cinematográficos que são relevantes. Ainda é cômico e empolgante acompanhar dois machões se enfrentar querendo provar quem é maior – em vários sentidos, visto que piadas com pênis surgem ora ou outra. Mesmo que a contemporaneidade repense pontos, no que tange um resto, nisso ninguém conseguirá apontar o que Hobbs & Shaw pode ou não aprontar.

Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw (Fast & Furious Presents: Hobbs & Shaw) – EUA, 2019
Direção: David Leitch
Roteiro: Chris Morgan, Drew Pearce
Elenco: Dwayne Johnson, Jason Statham, Idris Elba, Vanessa Kirby, Eiza González, Helen Mirren, Ryan Reynolds, Kevin Hart, Rob Delaney, Eliana Sua, Eddie Marsan, Cliff Curtis
Duração: 135 min.

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