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Entenda Melhor | A Condução Musical no Horror Ecológico

O som do horror: bem-vindos ao universo musical do Horror Ecológico!

por Leonardo Campos
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A trilha sonora é um campo de fundamental importância para o bom desenvolvimento de uma narrativa do subgênero horror ecológico. Nestes filmes, como sabemos, a humanidade é colocada em confronto com as mais temíveis forças da natureza, apresentadas em perspectivas distintas. Em alguns casos, o contato com animais ferozes ocorre em meio ao abandono da civilização, noutras situações, os monstros contra-atacam depois que se sentem acuados e perseguidos pela selvageria que deveria ser dos supostamente irracionais, mas provém dos humanos, sedentos pelo exotismo dessas espécies ou responsáveis por testá-las geneticamente e caírem em desgraça após as coisas não saírem de acordo com o planejado. Para dar certo, os filmes deste ramo precisam investir numa boa história, em necessidades dramáticas e personagens bem delineados, tendo em vista não ser apenas um mero festival de horror, sustos e mortes. Outro ponto importante é o aspecto narrativo. Como é um sistema de produção que flerta com a impossibilidade de se trabalhar com animais reais, os efeitos especiais e visuais, o design de som e a direção de fotografia precisam trabalhar de maneira assertiva para garantir eficiência e nos convencer de que a ameaça proposta é real para os personagens. E claro, como no foco do nosso texto em questão, a trilha sonora precisa ser imersiva para a eficaz construção da atmosfera. Com proposta de melhor entender esse campo explorado em diversos textos por aqui, selecionei um pacote de trilhas do horror ecológico, compostas por músicos renomados no industrial sistema cinematográfico. São partituras que permitem a maior aproximação do público com os medos e tensões propostos pela história apresentada, um passeio pelos tubarões, felinos, aracnídeos, répteis e como bônus, os dinossauros do horror ecológico de luxo dirigido por Steven Spielberg em 1993, conduzido musicalmente pelo renomado e premiado John Williams. Boa leitura!

A Sombra e a Escuridão e a textura sólida de Jerry Goldsmith

Inspirador para tantos trabalhos, o músico Jerry Goldsmith assinou a composição da trilha sonora de A Sombra e a Escuridão, aventura aterrorizante sobre os ataques dos leões de Tsavo, felinos que tocaram o terror enquanto uma ponte, símbolo da colonização europeia no continente africano, era construída para avançar na exploração da região que ficou manchada de sangue, horrores de ordem ecológica que foram transformados em filme, protagonizado por Val Kilmer e Michael Douglas. Da primeira faixa, “Theme From The Ghost and The Darkness” ao desfecho com coro emotivo de “Yeh Oeyha”, o tom de aventura é o que domina a composição repleta de flautas, tambores, instrumentos de sopro mais pesados quando necessário e algumas cordas menos proeminentes. Há passagens inicialmente calmas, relativamente agitadas em seu meio, mas com desfecho melódico, como “The Bridge” e outras que fazem os instrumentos de sopro gritarem um sonoro “perigo” para os ouvintes, em especial, “Lions Attack” e “Starlings Dead”, a primeira com uma levíssima menção ao trabalho de John Williams para Tubarão, referência que mesmo não proposital, encontra-se situada no meio da faixa.

São composições que flertam com um tom fúnebre, em seu ápice no desfecho da já mencionada “Starling Dead”, continuada em “Lions Reign”. Na combinação de traços das culturas irlandesas, inglesas e africanas, a trilha sonora de 53 minutos e 18 segundos, Jerry Goldsmith insere coros que ampliam as emoções da aventura, percussão em momentos de dissonância, além de alguns metais específicos para efeito de contrastes. Conhecido por seus trabalhos pomposos na indústria cinematográfica, Jerry Goldsmith assumiu trilhas de cineastas do topo da lista hollywoodiana, além de ser um músico com diversas composições premiadas no Oscar, Globo de Ouro e outras cerimônias que funcionam como instâncias de legitimação para a carreira de um profissional de cinema. Cursou Música em vários momentos de sua juventude, com nomes também certificados no campo da teoria e da composição musical, experiência demonstrada na construção da atmosférica trilha sonora de A Sombra e a Escuridão, uma produção que tangencia o horror ecológico ao ter os felinos como antagonistas de personagens acossados pela fúria da natureza, em resposta ao caos social que dominava a região dos ataques, retratada no filme.

Ennio Morricone e a partitura elegante de Orca: A Baleia Assassina

Eis um caso de textura percussiva maior que o filme que acompanha. Clássico dos anos 1970, Orca: A Baleia Assassina é um dos seguidores da onda criada por Tubarão, monstro que deu pontapé para massificação dos animais marinhos assassinos/vingativos, alguns aleatórios e outros originados de pesquisas científicas ou desastres ambientais. No filme, a orca em questão busca retaliação depois que humanos capturam e massacram parte de sua família, ponto catalisador desta trama ambientalista sobre pesca predadora de mamíferos aquáticos, liderada pelo personagem de Richard Harris. Restaurada em 1993 para o formato CD, a trilha sonora foi composta por Ennio Morricone, um dos mais respeitados maestros do campo musical no século XX, artista italiano que passou anos radicado no sistema de produção hollywoodiano. Conhecido por ter entregado uma média de 400 composições para o cinema e TV, Morricone começou a carreira tocando em bandas de jazz, ainda na década de 1940. Tornou-se destaque em Hollywood apenas nos anos 1970, tendo trabalhado com vários cineastas renomados.

Ao longo das 11 faixas que se aproximam dos 33 minutos, a trilha sonora de Orca: A Baleia Assassina é um sofisticado trabalho musical para a simplicidade do argumento que em partes, emula traços de Tubarão para tratar da ameaça de uma criatura marinha que devasta uma região costeira com sua fúria vingativa. O tema principal é recorrente ao longo de todas as faixas. Depois da abertura, diferenciado entre um ponto e outro e funcional quando utilizado com apoio de cordas e flautas que representam o clima gélido de algumas passagens do filme. Sem deixar o toque romântico de lado, uma marca do estilo de composição de Morricone, o material avança com a tocante “Dialogue Of The Memories”, faixa acompanhada pelo vocal de Edda Dell’Orso; “Attack and Mistake”, trecho repleto de cordas crepitantes e algumas batidas ocasionais que lembram tambores; “Nocturne For a Remorse” retoma o tema principal num ritmo mais lento, tomado por uma climatização grave e presença maciça de latão; a tensão cresce de maneira abundante na extensa “The Fight, The Victory, The Death”, faixa marcante por suas várias linhas melódicas, uma das principais dessa trilha imponente e como já mencionado, maior que o próprio filme.

Morcegos e a composição assombrosa de Graeme Revell

Lançado em 1999, Morcegos não é um grande horror ecológico, mas é uma narrativa divertida e com trabalho musical encorpado. Clichê? Sim, mas é denominado assim justamente por funcionar bem. Com os aspectos curriculares já apresentados no trecho sobre Terror na Água 3D, Graeme Revell é um compositor que nesta exposição, dispensa apresentações. Quando concebeu a trilha desta produção sobre morcegos geneticamente modificados que chegam em estado de fúria e agressividade aos confins do interior do Texas, o músico tinha noção da necessidade de criar algo que fosse barulhento, denso e macabro, tendo em vista dar conta das necessidades estéticas dos setores que se responsabilizaram pela visualidade da narrativa. Assim, para acompanhar a luta dos protagonistas interpretados por Dina Meyer e Lou Diamond Phillips, Revell compôs 21 faixas que foram dos teclados melódicos aos metais em profusão e insanidade dos instrumentos de sopro.

Dentre os destaques, temos “Gallup, Texas”, faixa soturna, tomada por cordas tensas, tambores anunciativos de algo ominoso e sonoridade que nos remete ao vento, provável escolha vinculada ao interesse de transmitir a sensação da chegada destes monstros que sobrevoam a região em busca de saciar sua sede de sangue e morte; em “School Invasion” e “Failed Mission”, temos algumas referências aos trabalhos musicais de Tubarão e Psicose, respectivamente, algo que pode ou não ter sido proposital; dentre os ecos com outros universos musicais, “Evacuation” lembra bastante o estilo de Marco Beltrami, faixa bastante soturna, com coro cavernoso mesclado aos sintetizadores da mixagem, metais e sons que indicam batidas de asas, algo encontrado também em “Better Bats”; “Dr. Sheila Casper” é melódica no desfecho, mas a sua condução inicial é barulhenta, tal como “Autopsy”, tomada por um tom épico que atinge proporções de grande intensidade. Os instrumentos de sopro, os tambores e as cordas crescem bastante em “Panic In The Streets”, faixa bastante representativa desta trilha mais interessante que seu filme.

Marco Beltrami e os acordes do horror ecológico urbano em Mutação

Apesar de não ser o seu gênero de composição predileto, o terror é um campo frutífero na carreira do músico Marco Beltrami, autor de diversas trilhas para o segmento desde os primeiros passos de sua jornada profissional. Em seus trabalhos, podemos perceber um estilo próprio que se repete entre um ponto e outro, com acordes de um filme que nos leva aos momentos de outro, como é o caso deste horror ecológico de classe, situado em plena zona urbana, nos esgotos de Nova Iorque. Há traços da musicalidade de Pânico, composição produzida no período, dentre outros. Em Mutação, o foco do horror não é mais um assassino mascarado e sua trilha de corpos, mas a presença de insetos gigantescos, dominantes na esfera subterrânea da cidade, logo após um projeto focado na erradicação de uma doença mortal causada por baratas. A pesquisadora interpretada por Mira Sorvino manipula Judas, uma espécie criada para eliminar tais insetos em seu próximo ciclo, mas as coisas não saem como o esperado e a evolução de perpetua.

Mesmo barulhenta demais para consumo dissociado do filme, uma característica constante nas trilhas sonoras de Marco Beltrami, vide o som que ora abaixa demais ora sobe de maneira insuportável e não nos deixa escutá-lo com a mesma tranquilidade de algumas partituras apresentadas neste panorama, Mutação oferta um trabalho bem encorpado e muito interessante em diversas passagens. Dentre os destaques, “Main Title” é o melhor momento da textura, com metais estridentes, vocal de sopranos com tom bastante dramático, base para se desenvolver nas demais faixas subsequentes, tais como “Release The Judas” e “Priest Dies”. Determinadas passagens trazem instrumentos de sopro de madeira com a impressão de asas batendo, estratégia que inclusiva ajuda a impulsionar o design de som. As harpas e o coro entregam um ótimo ritmo em “Problemas in The Lab”, “Chuy Steps Out” aumenta a tensão gradualmente com seu piano tilintante, culminando em “Bug Killer”, momento máximo do horror desta trilha com versão de 60 minutos relançada em 2011.

Tentáculos e a composição musical esquizofrênica de Stelvio Cipriani

O que faz uma composição ser intitulada de esquizofrênica? Confesso que peguei o termo de uma antiga crítica numa revista do jornalismo cultural impresso, provavelmente a SET ou sua sucessora, a Preview, publicação que trazia uma crítica para um lançamento em DVD de um filme que tinha uma trilha semelhante ao trabalho do italiano Stelvio Cipriani para Tentáculos, isto é, uma partitura totalmente fora dos padrões convencionais, com temas românticos e até instrumentação para baladas que nos fazem pensar, ao acompanhar o material dissociado do filme, ser uma condução musical para um drama ou romance bastante melodramático e piegas. Isso não faz da trilha um material ruim, ao contrário, a audição para análise foi bastante prazerosa e a mais incomum do conjunto de trabalhos aqui apresentados. Compositor de vários trabalhos para o cinema italiano, em especial, o gênero western spaghetti, Cipriani era apaixonado por músicas da igreja, local que o envolveu no ramo. Sem uma base muito sólida na área quando pequeno, aprendeu particularidades da música enquanto crescia e se tornou bastante recrutado entre os italianos.

Para a partitura de Tentáculos, clássico do horror ecológico da década de 1970, cópia de Tubarão, ele investiu em vários instrumentos, sendo o cravo e seu som gerado pelo tanger ou beliscar de cordas, o foco do tema principal deste filme sobre um polvo assassino que tem trazido momentos de pânico para a população de uma região costeira. Na trama, John Huston e um elenco relativamente de luxo entregam falas questionáveis e vivem situações burlescas no enfrentamento deste monstro marinho de grandes proporções, criatura que antagoniza um filme com faixas com raríssimos momentos de tensão, vistos apenas em “Tentacles”, mais pesada e intensa. De resto, os destaques vão para o clima romântico e ensolarado de “Small Town Pleasures”, faixa acompanhada por uma animada guitarra e alguns instrumentos de sopro, precedentes para o clima ameno de “She’ll Never Come Back”, momento para centralidade das flautas, pingos produzidos por metais que retornam com centralidade em “Summer and Winter”, música misteriosa e com fortes tons oceânicos, como se emulasse os sons do fundo do mar. Diferente de tudo que você possa imaginar sobre uma composição para uma narrativa do subgênero horror ecológico, a trilha sonora de Stelvio Cipriani para Tentáculos é um trabalho singular dentro deste segmento.

Pânico no Lago e os acordes ritmados de John Ottman

Inspirada em Jerry Goldsmith, a trilha sonora de Pânico no Lago foi composta por John Ottman, editor musical de vários filmes famosos, dentre eles, Os Suspeitos, Lenda Urbana 2, A Órfã, X-Men, Invasores, Halloween H20 – Vinte Anos Depois, etc. Formado na Escola de Artes Cinematográficas da Universidade do Sul da Califórnia, Ottman é um compositor que trabalha, tal como Harry Manfredini, de Sexta-Feira 13, dentro de uma linha que nos permite identifica-lo em qualquer filme que a sua trilha seja o centro da condução musical. Os instrumentos e motivos são sempre muito parecidos, o que torna o seu trabalho basicamente o mesmo em quase todos os filmes, algo que não significa falta de eficiência, mas certa limitação.

Para a aventura sobre os ataques de um enorme crocodilo, investigados por uma equipe de pesquisadores que incluía Bridget Fonda e Bill Pullman, o compositor trabalhou, ao longo dos 47 minutos dispostos na Trilha Sonora Original, lançada em 1999, com trombetas e tons patrióticos, alguns muito conectados com o retorno de Michael Myers no já citado Halloween H20 – Vinte Anos Depois, a trilha foi realizada com pouco entusiasmo, haja vista a economia de custos para o setor musical da aventura e alguns embates com o cineasta Steve Miner. Com ritmo crescente, mas sem grande impacto, o álbum relançado pelo selo Varese Saraband é a demonstração da ineficácia de uma composição que deveria ser mais inspirada, afinal, narrativas de horror ecológico dependem bastante do som e da música para a sua aderência ao público. Destaque para “Main Title” com seus tambores, sopros abafados e metais anunciativos, ampliados à exaustão em “Close Call”.

Aracnofobia e a textura percussiva de Trevor Jones

Conhecido por seus trabalhos eficientes em produções renomadas, tais como Um Lugar Chamado Notting Hill, Em Nome do Pai, Mississipi em Chamas, Do Inferno, Coração Satânico, dentre outras, Trevor Jones é um compositor sul-africano nascido em 1967, formado pela Royal Academy of Music, situada em Londres. Durante cinco anos, o músico trabalhou como crítico da área na BBC, seguindo a sua carreira musical e cinematográfica posteriormente, experiência somada ao título de Mestrado em Cinema e Música Multimídia pela Universidade de Nova York. Apesar de imprimir um tom específico para cada textura percussiva que assume, os seus trabalhos possuem conexões entre um ponto e outro, a depender da abordagem temática solicitada pela narrativa. Para Aracnofobia, ele entregou 17 faixas que compõem um álbum de 52 minutos.

Essa versão possui uma concorrente, com as faixas instrumentais de Jones e algumas músicas com a palavra-chave “aranha”, a maioria sem sentido direto com o filme. Entre os instrumentos de sopro e alguns arranhões metálicos, a composição musical do horror ecológico Aracnofobia mescla momentos humorados com faixas carregadas de tensão. As cenas preambulares na Venezuela resultaram numa musicalidade quase indígena, com toques que abrem os portões para sons quase patrióticos, anunciando a chegada da família na cidade interiorana, pessoas prestes a viver uma versão idílica do american way of life, programação sem sucesso, haja vista a infestação de aranhas que toma o local e transforma um homem que tem pavor aos aracnídeos, num dos principais heróis da situação. Eficiente, a música de Trevor Jones dialoga equilibradamente com o filme de Marshall.

Nerida Tyson-Chew e a composição musical de Anaconda 2 – Caçada a Orquídea Sangrenta   

Falamos em muitos compositores no campo de realização das trilhas sonoras para o cinema, mas dificilmente encontramos mulheres ocupando estes espaços. Ao conferir a partitura aplicada de Anaconda 2 – Caçada Pela Orquídea Sangrenta, pude encontrar o trabalho da compositora Nerida Tyson-Chew, formada em música e com Mestrado em Composição para Cinema e TV pela Universidade do Sul da Califórnia. No desenvolvimento do trabalho, ela retoma os padrões já estabelecidos por Randy Edelman em Anaconda, dando nova roupagem ao material que dialoga bastante com Congo, aventura ecológica com trilha sonora assinada pelo veterano Jerry Goldsmith, num conjunto de temas cheios de suspense, com cordas tão serpenteantes quanto as anacondas.

Há também a presença de instrumentos eletrônicos na textura percussiva desta segunda aventura no universo das mitológicas cobras gigantescas. Há o uso de alguns metais, a compositora emula traços da música asiática, investe em tambores crescentes que se tornam dominantes nalgumas passagens, tudo isso associado aos instrumentos de sopro de madeira. Com 60 minutos e 57 segundos, o álbum lançado selo Varese Saraband contém 20 faixas que funcionam como material de audições externas ao filme, mas é um material com poucos momentos memoráveis, o que não significa que não seja bom para a proposta em questão, isto é, acompanhar a aventura e ser o comando sonoro dos momentos de aventura, ação, tensão e horror propostos pela produção. Dentre os destaques, temos o tom exótico de “Jungle Floor”, composta com tambores e sopros anunciativos, complementados por flautas amenas. Os metais pesam firme em “The Cavern” e em algum ponto de “Predator In The Water”, o som de Tubarão é emulado.

Piranha e a textura percussiva de Michael Wandmacher

Resgatar Piranha, um dos maiores clássicos do terror B, lançado em 1978, era uma missão que pedia a execução de uma trilha sonora empolgante. Barulhenta, agressiva e conectadas com as imagens ofertadas pela refilmagem comandada por Alexandre Aja, a textura percussiva de Piranha 3D, lançada pelo selo Lakeshore Records, teve assinatura de Michael Wandmacher, compositor com trabalhos também na seara televisiva e nos videogames, conhecido por suas inserções dominantes no campo do terror e algumas passagens em produções de aventura. Nascido em Minneapolis, nos Estados Unidos, Wandmacher fez incursões em produções televisivas locais, antes de ingressar no cinema, em específico, nalguns filmes de Jackie Chan. Em 2010, assumiu a trilha do retorno das piranhas assassinas que parodiavam o tubarão-branco da Universal, de 1975.

Com 28 faixas e duração total de 58 minutos e 06 segundos, Piranha 3D traz um tema principal que busca ficar vinculado com a mente dos espectadores, numa abordagem constante de marcha das piranhas, com uso de sintetizadores, cordas firmes e agressivas. Os violoncelos estridentes são gritantes e dão aos eletrônicos a sonoridade ideal para a mixagem dinâmica. Há a presença notável da bateria e da guitarra, num interesse dos realizadores em fazer pela composição o mesmo que o veterano Jerry Goldsmith fazia em seus trabalhadores, isto é, a inserção do espectador na atmosfera cinematográfica por meio da trilha sonora. Funciona dentro do filme, dando ritmo, mas dissociado, como material para audição doméstica, por exemplo, é pouco envolvente.

O Som da Franquia Medo Profundo e o estilo de Tomandandy

Lançado na era do novo interesse por filmes sobre ataques de tubarões, zona de produção reaquecida depois do ótimo desempenho de Águas Rasas, as trilhas de Medo Profundo (ótimo) e Medo Profundo – O Segundo Ataque (fraco) foram produzidas pela dupla Tomandandy e lançadas pela Lakeshore Records. Os compositores novaiorquinos atuam desde os anos 1990 e produziram para Oliver Stone e outros realizadores bem-posicionados comercialmente, além de trabalhos para a televisão e publicidade, bem como sonorização de instalações de arte. Começaram com a MTV e numa carreira que inclui Viagem Maldita e Os Estranhos, ambos de terror, a dupla voltou ao clima atmosférico de pavor com a narrativa sobre o mergulho de seres humanos e o trágico encontro com tubarões potencialmente perigosos.

No álbum de Medo Profundo, temos 30 faixas compostas para a aventura de Johannes Roberts, diretor do primeiro e do segundo capítulo deste segmento com potencial de franquia cinematográfica, haja vista o constante interesse do público por filmes de ataques de tubarões. A trilha oferta ao ouvinte um design sonoro sintético, com tranquilidade apenas nas últimas faixas, mais amenas que as duas primeiras partes do conjunto. A sensação de inquietação e medo vem desde a cena de abertura, da piscina, acompanhada pela faixa Opening, material que dá o “tom” desta trilha exclusivamente interessante para o acompanhamento restrito no filme, sem o mesmo impacto de acompanha-la numa audição doméstica, por exemplo, pois os seus sons abafados e batimentos, ao meu ver, precisam do acompanhamento da imagem para funcionar.

Para Medo Profundo 2 – O Segundo Ataque, a dupla apresentou aos realizadores 17 composições na mesma linha do primeiro, mas com tonalidades cavernosas, conectadas ao tema da segunda história, agora sobre um grupo de jovens mulheres que precisam atravessar uma zona subaquática cavernosa, com suprimento de oxigênio limitado e tubarões-brancos furiosos. Uso de MIDI, passagens solenes com som que estoura repentinamente, tendo em vista favorecer o uso de jumpscare do design de som. É soturno, sombrio e funciona exclusivamente para o filme, sem ter a característica de composição para audições domésticas, como mencionado sobre o material sonoro produzido para o primeiro filme, próprio para o acompanhamento de imagens.

Megatubarão e o som de Harry Gregson-Williams

Com mescla de tons ameaçadores e explosões épicas entre um ponto e outro, a textura percussiva de Megatubarão, composta por Harry Gregson-Williams, faz diversas remissões ao tom aventureiro de Jurassic Park, de John Williams. Compositor, maestro e produtor musical britânico, ele foi assistente de Trevor Rabin na composição da trilha em Do Fundo do Mar, de 1999, outra narrativa sobre homens e tubarões. O seu trabalho não é o primeiro, mas um dos mais conhecidos na mescla de orquestra e música eletrônica. Trabalhou constantemente com o cineasta Tony Scott e possui trabalhos para televisão, videogames e cinema. Estudou música em Cambridge desde a infância e participou de corais, além de ter se apaixonado pela área ao aprender piano na mesma época.

Na trama mais megalomaníaca no título e menos impactante em seu desenvolvimento morno, Megatubarão, dirigido por Steve Alten, nos apresenta a atividade humana acidental nas profundezas do oceano, responsável por libertar uma gigantesca criatura considerada extinta há eras. Ao atravessar o limiar da superfície e entrar em contato com as zonas de interação da humanidade, a destruição se estabelece. Ao longo do álbum de 51 minutos e 05 segundos lançado pela Water Tower Music, a trilha compreende 18 faixas tomadas por tons soturnos, com sintetizadores e instrumentos que nos remetem ao fundo dos oceanos, bem como toques de música chinesa, haja vista a localização geográfica da narrativa que ainda é acompanhada por fusão de instrumentos de sopro e base eletrônica na percussão.

Terror na Água 3D e a condução musical agressiva de Graeme Revell 

Se o ouvinte levar em consideração apenas a faixa de abertura, desistirá da textura percussiva de Graeme Revell para Terror na Água 3D, produção dirigida por David R. Ellis, aventura de horror sobre ataques de tubarões em um lago situado no Golfo da Louisiana, local que durante um final de semana, serve de reduto para a diversão de jovens que se tornam vítimas em potencial para tubarões despejados no lugar para fins nada éticos. Ao assumir a composição musical deste horror ecológico visualmente interessante, mas dramaticamente abaixo da média, Graeme Revell inseriu sonoridade mais agressiva que a experiência em Morcegos, a sua outra interação som o rentável subgênero sobre animais assassinos.

Aqui, o músico está mais para o seu trabalho em Freddy Vs. Jason, voltado ao arranhar de guitarras elétricas absurdamente barulhentas, num álbum de 32 minutos e 42 segundos que tumultua sintetizadores, instrumentos metálicos e de corda, bem como algumas passagens breves que nos remetem ao som de Hans Zimmer e Mark Isham para os filmes de aventura e ação. Com carreira versátil, o compositor neozelandês com base musical no estilo clássico é múltiplo não apenas na trilha sonora de Terror na Água 3D, mas também em sua formação intelectual, afinal, além de músico, possui diploma em Economia e Ciência Política pela Universidade de Auckland. A trilha é bem a “cara” de seu filme, isto é, barulhenta e agressiva, material que se destaca pela superioridade sonora de uma aventura com frágeis camadas dramáticas em sua estruturação.

Bônus! John Williams e o Horror Ecológico de Luxo: a musicalidade dos clássicos Tubarão e Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros

John Williams é um músico com histórico de sucesso no esquema de produção hollywoodiano. Premiado e com carreira extensa, o compositor e maestro estadunidense é conhecido por suas longas parcerias com George Lucas e Steven Spielberg. Na seara do horror ecológico, o músico assinou dois trabalhos de luxo: Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros e Tubarão, um sobre o contato da humanidade com animais extintos, manipulados geneticamente e trazidos para o nosso mundo contemporâneo e, o outro, uma fera marinha que patrulha uma cidade litorânea e espalha o horror por meio de ataques que são alegorias para diversas questões culturais e sociais que emergiam da tensa década de 1970. Ambos foram baseados em romances homônimos, os dinossauros de Michael Crichton e o tubarão-branco de Peter Benchley, produções que gozaram dos privilégios orçamentários de grandes estúdios e suas campanhas de marketing devastadoras. Importante salientar, no entanto, que os dois clássicos modernos não resultaram apenas de publicidade e diletantismo vazio. Há questões contextuais e estéticas que tornaram os dois filmes, marcos da história da evolução da linguagem cinematográfica, além de compêndios para discussões sobre teorias científicas, comportamento humano e teoria do drama. E claro, música, pois as partituras de John Williams são pontos de destaque no desenvolvimento destas narrativas.

Tubarão: marco sonoro que nos acompanha desde os anos 1970, a produção musical criada exclusivamente para a aventura marinha de Spielberg é tensa, clássica e inesquecível, amplamente divulgada pela cultura pop, através de cenas metalinguísticas, toques de celular, etc. Regida pelo minimalismo que engendram o tom ameaçador proposto pela obra fílmica, o tema principal traz a alternância entre as notas “E” e “F”, isto é, “mi” (a terceira nota da escala diatônica) e “fá” (a quarta). Descrita por Williams como um tema esmagador, implacável e imbatível, a composição conta com o desempenho do tubista Tommy Johnston, particularidade musical incorporada em orquestras sinfônicas desde o século XIX, tendo a função de dar ritmo e ocupar lugares vagos em escalas. Seu efeito de caráter ameaçador é obtido pelo tom alto e geralmente não apropriado da trompa. Há, na percussão, incidentais de La Mer, de Claude Debussy e A Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky. Tendo a divisão e a ruptura como célula principal da composição, a trilha também aposta em alguns pequenos arroubos de silêncio, trechos muito importantes que devem ser levados em conta no jogo narrativo entre as imagens e os sons.  Para os momentos da caçada final, Williams criou uma espécie de fanfarra heroica, intitulada pela equipe de Korngoldiana, numa referência ao compositor austríaco Erich Wolfgang Korngold, um famoso especialista em filmes de ação com lutas de espadas e piratas. Por conta da sua qualidade, a trilha sonora de Tubarão foi considerada pelo American Film Institute como a sexta melhor/maior composição sonora da história do cinema. Recentemente fomos informados sobre o relançamento da trilha sonora em LP, remasterizada por Mike Matessino. O material, veiculado em dois LPS, contém 27 faixas musicais em versão turbinada para o século XXI.

Para Jurassic Park, John Williams unificou elementos da musicalidade cinematográfica dos anos 1990 e reinventou fórmulas para a sua trilha coesa e poderosa, supervisionada por George Lucas enquanto compunha e mixava o material em estúdio. Com 16 faixas que se aproxima dos 71 minutos, a trilha sonora foi performada pela Orquestra Sinfônica de Londres, num material que transmite bem a sensação inicial de aventura seguida de altas doses de adrenalina para criação de atmosfera de horror perpetrada pela história sobre modificação genética e perda de controle humano sobre suas próprias criações, neste caso, recriações, temática basilar do horror ecológico. Entre a beleza e a selvageria dos dinossauros, a trilha sonora equilibra suavidade, como em “Hatching Baby Raptor”, demonstração do lado doce do nascimento de um velociraptor, para logo depois, tocar o terror em “The Raptor Attack”, faixa que é puro pavor, acompanhada por coro baixo, latão, cordas enervadas, batidas sintéticas e a dominância da flauta shakuhachi, instrumento de sopro oriental, também conhecido como flauta doce europeia. Possui corpo de bambu e cinco orifícios para o alcance da escala pentatônica e é peculiar por sua capacidade de atingir outras escalas, tais como a cromática, através de portamento. Como não poderia deixar de ser, “Theme from Jurassic Park” se espalha rizomaticamente pela trilha, composição belíssima que se encontra com “Welcome to Jurassic Park”, faixas esplêndidas da partitura. Ademais, “Eye to Eye” e “Highwire Stunts” apresentam tambores marciais e cordas manipuladas de maneira sinistra, anunciantes do horror já estabelecido e que não para de crescer, tensão que culmina em “T-Rex Rescue and Finale”, faixa que mescla medo, perigo e outras emoções fortes, antecipação para o desfecho com “End Credits”, retomada do tema principal da abertura. Em suma, uma trilha grandiosa!

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