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Entenda Melhor | Alien, a origem de Prometheus

por Ritter Fan
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Qualquer um que queira ver Prometheus, a volta de Ridley Scott à ficção científica depois de meros 30 anos distante do gênero, precisa já ter visto pelo menos o primeiro filme da franquia que começou com Alien – O Oitavo Passageiro. O desenvolvimento de Prometheus ficou, durante muito tempo, envolto em mistérios. Ninguém sabia se ele seria realmente um prelúdio de Alien, apenas um filme passado no mesmo universo ou se seria uma obra de ficção científica completamente diferente e independente. No entanto, com base em tudo que foi mostrado por aí em trailers, é seguro afirmar que Prometheus faz, no mínimo, fortes referências a Alien.

Assim, achamos interessante voltar à fonte de inspiração para o diretor e, em última análise, ao filme que o lançou para o mundo. O universo de Alien é rico e multifacetado e a estória por detrás da obra consegue ser tão interessante como o destino dos sete tripulantes da nave Nostromo.

Vamos lá.

De Dark Star para Star Beast e, enfim, para Alien. E o que Star Wars tem a ver com isso?

Para terminar sua faculdade de cinema lá pelos idos de 1973, o então estudante John Carpenter iniciou um projeto de filme de ficção científica com veia de comédia. Ele não estava sozinho nessa empreitada já que o roteiro de seu filme, Dark Star, havia sido escrito em conjunto com seu colega Dan O’Bannon (falecido em 2009).

Dark Star viria a caracterizar não só a carreira de Carpenter como um dos grandes mestres dos filmes B mas, também, seria a fagulha, o embrião do que um dia conheceríamos como Alien. O projeto começou a ficar maior do que os dois esperavam e eles acabaram conseguindo algo bastante difícil: uma pequena distribuição cinematográfica em 1974. O filme, porém, não fez sucesso algum naquele momento mas adquiriu um status de cult logo quando as primeiras fitas VHS (lembram-se disso?) foram colocadas à venda.

O’Bannon era ambicioso e tinha certeza que seu projeto poderia ganhar contornos diferentes. Com isso em mente, começou a matutar um novo roteiro com as mesmas premissas, mas sem o lado cômico. No meio do caminho, Alejandro Jodorowski (diretor de El Topo) viu Dark Star e acabou chamando O’Bannon para trabalhar na produção de Duna, a adaptação do famoso livro épico de Frank Herbert. Todos nós sabemos que esse projeto nunca decolou, mas o resultado prático foi que O’Bannon conheceu, durante seu tempo na Europa, três nomes que viriam a ser chaves para Alien: o ilustrador britânico Chris Foss, o designer suíço H.R. Giger e o quadrinista francês Jean Giraud, mais conhecido como Moebius.

Voltando para os EUA, Dan O’Bannon continuou a escrever uma versão séria de Dark Star que agora tinha o “belo” nome Star Beast. No entanto, ele foi novamente interrompido, dessa vez por Ron Shusett que o convocou a ajudá-lo no desenvolvimento do roteiro de uma outra obra famosa de ficção científica:  We Can Remember It For You Wholesale, de Philip  K. Dick. Essa produção também sofreu contratempos e parou (somente anos mais tarde nós a veríamos no cinema, como O Vingador do Futuro).  O’Bannon, então, acabou mostrando seu roteiro inacabado para Shusett e ele embarcou na hora na ideia, inclusive contribuindo para algo chave: a forma como o monstro chegaria na nave espacial, ou seja, via facehugger. Os dois, então, passaram a desenvolver o que tinham em mãos e logo o simples, porém misterioso título “Alien” surgiu.

Shusett, então, confiante que conseguiria emplacar esse roteiro em Hollywood, mostrou-o para Roger Corman que logo concordou em produzi-lo. Era a garantia de um filme B. No entanto, Mark Haggard, uma amigo de Shusett, também acabou lendo o roteiro e pediu uma chance para mostrar para Walter Hill. Shusett e O’Bannon perceberam a oportunidade de fazer algo mais do que um filme B e deram algumas semanas para Haggard convencer Hill a ler o material.

Hill, já naquela época bem estabelecido no meio cinematográfico, conversou com David Giler e Gordon Carroll (os três estavam formando a Brandywine Films) e, no melhor estilo hollywoodiano de ser, afirmaram categoricamente que as ideias eram boas, a cena do chestbuster era incrível, mas que, de resto, o roteiro era um porcaria. Partiram, então, para reescrevê-lo completamente, com a benção de Alan Ladd Jr., então presidente da Fox.

Giler e Hill fizeram várias versões do roteiro que, segundo O’Bannon, nada mais eram do que “remendos mal feitos do que ele havia escrito”. Alteraram nomes de personagens, inverteram situações, mas, novamente, segundo o criador original, nada que realmente tivesse impacto. No entanto, justiça seja feita: Giler e Hill criaram e desenvolveram a estória relacionada com Ash que, como todos sabem, acabou tornando-se um dos elementos mais importantes do filme.

O resultado do vai-e-vem das versões do roteiro é que, em determinado momento, o filme não era mais de O’Bannon mas sim de Walter Hill e David Giler. Afinal, os dois já tinham nome em Hollywood e O’Bannon não era ninguém. Tamanho foi o desentendimento que os três saíram em embate mediado pelo Sindicato dos Roteiristas dos EUA – WGA – e o julgamento acabou beneficiando O’Bannon em sua plenitude. No entanto, como a história nos mostra, Hill e Giler continuaram e continuam ligados até hoje à franquia Alien (são produtores também de Prometheus) enquanto que O’Bannon foi esquecido nas brumas do tempo.

Lembrem-se, caros leitores, que tudo isso acima, com exceção da briga perante a WGA, aconteceu em um mundo pré-Star Wars. O filme de George Lucas seria um divisor de águas não só no mundo cinematográfico como um todo, mas também e especialmente, para a viabilidade de filmes de ficção científica. Antes, com honrosas exceções (e 2001 – Uma Odisséia no Espaço vem à cabeça imediatamente), o gênero ficção científica era algo de nicho, normalmente objeto de orçamentos parcos e efeitos especiais tenebrosos. Star Wars mostrou que se podia ganhar dinheiro, muito dinheiro, com naves espaciais e monstros. É bem verdade que Star Wars está mais para um filme de fantasia do que uma verdadeira ficção científica, mas isso, aos olhos de Hollywood, é um pequeno e insignificante detalhe.

E o que o lançamento de Star Wars em 1977 significou para Alien? Ora, a resposta é bem óbvia: o roteiro de O’Bannon era o único material de ficção científica em desenvolvimento na Fox quando Star Wars estourou nas bilheterias (também distribuído pelo estúdio, aliás). Alan Ladd Jr. não tinha opção que não dar luz verde para o que ele tinha em mãos de forma que o estúdio pudesse aproveitar a onda criada por Luke Skywalker e seus amigos.

Os Duelistas, Cannes e story boards: a procura por um diretor

A questão agora era: quem dirigiria o filme?

Dan O’Bannon queria o cargo mas não deram muita bola para ele. Perguntaram a Walter Hill, uma escolha bem óbvia tendo em vista seu envolvimento com o projeto, mas ele acabou declinando sob a desculpa de que “não tinha temperamento para efeitos especiais”.

Tentaram outros nomes e nada. O desespero começara a aparecer. Foi nesse momento que Gordon Carroll assistiu, em Cannes, a um pequeníssimo filme de época chamado Os Duelistas, dirigido por um britânico egresso de comerciais para televisão chamado Ridley Scott. O diretor havia levantado o dinheiro com recursos próprios e, para a surpresa de todos, conseguiu ser indicado para a Palma de Ouro, o prêmio máximo do festival. Não ganhou, mas levou o prêmio de Melhor Primeira Obra, uma espécie de prêmio de consolação. Mas Cannes é Cannes e com a atenção dada a seu filme, Scott sairia definitivamente do mundo dos comerciais para abraçar Hollywood.

Carroll ficou encantado com o que viu e depois de fazer seu lobby na Fox, mandou um convite para Ridley Scott. O diretor principiante, por sua vez, estava pensando em embarcar na produção de um roteiro de Tristão & Isolda, mais um filme de época. Vendo a oportunidade, Scott voou para Hollywood, ouviu a proposta e a aceitou prontamente.

Retornando à Londres, Scott fez os story boards do filme todo e levou tudo de volta para a Fox. Diz a lenda que sua apresentação foi tão sensacional que o orçamento, antes de 4,2 milhões de dólares, pulou para incríveis 8,4 milhões, tudo porque o diretor debruçou-se sobre o material e criou imagens incríveis para o filme que faria. Era a certeza absoluta que Alien não seria um filme B.

Mas Scott precisava, ainda, ultrapassar um importante obstáculo que ele criou para si próprio: queria algo visualmente impactante, diferente de tudo que havia sido feito antes.

E é nesse momento que Dan O’Bannon entra novamente na jogada. Sabendo do que Scott queria, ele teve a oportunidade de apresentá-lo a  Chris Foss, H.R. Giger e Moebius. Apesar de brilhantes, os visuais criados por Chris Foss e Moebius transitavam mais para o “normal” e a Fox não teve problema em aceitá-los. A questão foi quando os controversos desenhos de Giger, com fortes conotações sexuais, entraram na jogada. Os executivos tiveram um ataque e não queriam de maneira alguma utilizá-los. Acontece que, apesar de novato no ambiente de Hollywood, Scott era teimoso e jogou a única cartada que tinha: ou Giger entrava ou ele saía. A Fox não teve muita opção e acabou cedendo.

E Scott foi brilhante ao separar as tarefas dos três desenhistas. Chris Foss, que desenhava ficção científica galgada na realidade, ficou com os desenhos de tudo que fosse da Terra, ou seja, a própria Nostromo (interior e exterior). Giger, por razões mais do que óbvias, trabalharia com tudo que fosse alienígena (tanto o próprio Alien como, também, a nave onde os ovos são encontrados). Moebius, por sua vez, teve apenas seus desenhos dos trajes espaciais aproveitados pelo diretor.

Sr. Ripley, Sra. Ripley e Sigourney Weaver 

A escalação do elenco correu sem maiores percalços. A ideia era trazer atores menos conhecidos, sem star power, para manter o filme dentro do orçamento e não chamar mais atenção para os atores do que para a criatura.

A única questão era a definição do sexo dos personagens. Inicialmente, unicamente composto de personagens masculinos para que o filme fizesse uso do conceito de “estivadores” espaciais, O’Bannon e Shusett haviam feito anotações no próprio roteiro que qualquer um dos personagens poderia ser convertido em mulher já que eles todos eram genéricos e muito parecidos entre si. Assim, e de forma a apelar para um grupo demográfico maior, os produtores, então, decidiram arriscar e começaram a fazer testes com atrizes para alguns papéis. Sigourney Weaver vinha do teatro e nunca havia feito um filme antes. Sua escalação se deu quase que imediatamente, quando Ridley Scott viu sua estatura e postura. Surgiria, assim, uma das primeiras grandes heroínas de filmes de ação.

O interessante é que, exatamente por ser oriunda do teatro, Weaver estava acostumada com textos prontos que seguia rigorosamente. Como, durante as filmagens, muitos atores, especialmente Yaphet Kotto (que fez o mecânico Parker), usavam do improviso, isso deixou Ripley meio que como um “peixe fora d’água”.  Ela foi literalmente colocada “na geladeira” por seus pares na vida real e isso talvez tenha até refletido na relação dos seis outros atores com ela no filme.

Como se pode ver, Alien – O Oitavo Passageiro foi o resultado mágico da combinação de perseverança de um roteirista, intromissões de outros, o achado de um diretor sem nenhuma relevância, a aposta de um estúdio, os desenhos de virtuoses da área e a escolha perfeita do elenco. Situações como essa não se repetem muito na história cinematográfica mas, quando todas as estrelas se alinham, o resultado é sempre fantástico.

Resta saber se Ridley Scott conseguirá respeitar o que ele próprio ajudou a construir em Prometheus.

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