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Entenda Melhor | As Eras Cinematográficas do Western

por Luiz Santiago
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Entre 1850 e a década de 1890, uma série de eventos históricos nos Estados Unidos forneceriam o contexto, os mitos, os símbolos e os personagens para a criação — primeiro na literatura e nas revistas pulp e depois nos quadrinhos, no cinema e na televisão — daquele que a crítica francesa consideraria o “único gênero genuinamente americano“: o western.

Em termos gerais, podemos chamar esse período de Conquista ou Marcha para o Oeste, mesmo que os historiadores tenham divergências não polêmicas em relação às décadas que o constitui, já que a sua periodização depende de um objeto de análise e um contexto específico. No caso do western como gênero cinematográfico, é lícito que tomemos todos os eventos iniciados nos Estados Unidos durante a década de 1850 e avancemos até o final da década de 1890 para que tenhamos uma visão completa de tudo o que marcaria o gênero western nos anos seguintes.

Desenhando um sonho: vejam só essa sensacional litografia de Frances F. Palmer feita em 1868 para ilustrar aos americanos (possíveis colonos) da costa Leste como seria a vida “para lá do Rio Mississippi”.

Dentre os acontecimentos dessas décadas, destacaremos os que mais influenciaram direta ou indiretamente o western no cinema: a corrida do ouro na Califórnia e nas Dakotas; a Guerra Civil Americana; a construção da ferrovia transcontinental; as guerras contra os indígenas; o arrendamento de terras para criação de rebanhos; a retomada das terras arrendadas e estabelecimento das demarcações que geraram a “corrida pela terra” em Oklahoma; o extermínio dos búfalos; o extermínio da maioria das tribos indígenas americanas e o desbravamento das terras do Oeste por vaqueiros, colonos e imigrantes. Estabelecido o plano de fundo para o gênero, passemos para a sua periodização histórica.

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O PERÍODO DA MEMÓRIA FELIZ E BOA CONSCIÊNCIA

O WESTERN CLÁSSICO

Chamamos de “memória feliz” e “boa consciência” o método de abordagem dos roteiros para os westerns do final da década de 1890 (favor ler este artigo para maiores informações) e meados dos anos 1950, quando a grande mudança de abordagem começou a ser sentida. As marcas desse período são: divisão sempre polarizada entre o bem e o mal, o vilão e o mocinho, o desonesto e o valoroso, etc. Também temos uma visão familiar calorosa na maioria dos westerns desta fase, com alguma abertura para cenas cômicas. Internamente, podemos dizer que esse período sofreu uma mudança estrutural em meados dos anos 1920, quando uma nova forma de enxergar o indígena foi pouco a pouco explorada pelos cineastas.

Aqui se estabeleceram e se consolidaram os códigos do gênero, o tema da “construção da nação” e as ambiguidades da conquista do Oeste. Já próximo dos anos 1950 temos os primeiros questionamentos dos códigos anteriormente estabelecidos, o final de todas as certezas, o incremento da subjetividade nos temas dos filmes e a exploração da maldade em um número maior de personagens. Aqui, os filmes transitam entre o formato épico e o novelístico (podendo ser trágico ou lírico).
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1ª ERA: O NASCIMENTO — “DIVULGUE-SE A LENDA”

PONTO A (1895 – 1914): Os primeiros colonos e vaqueiros. Abordagem mais comum dos indígenas como vilões. Sequestro de mulheres brancas por indígenas. Roubos de trens. Perseguições. Corrida do ouro. Tramas militares (lembranças da Guerra Civil). O fim dessa primeira era termina com o início da I Guerra Mundial. Exemplos: O Grande Roubo do Trem (1903); The Story of the Kelly Gang (1906); The Red Man and the Child (1908); Bill Sharkey’s Last Game (1909); In Old California (1910); The Mended Lute (1910); The Lonedale Operator (1911); The Heart of an Indian (1912); The Massacre (1914); Amor de Índio (1914).

PONTO B (1915 – 1930): A 1ª Idade de Ouro. Essa idade, surgida após o início da I Guerra Mundial (iniciada em 1914) se subdivide em duas partes.

A primeira, de 1915 a 1923, marca o surgimento dos primeiros grandes filmes do western. Já a segunda parte, de 1924 a 1930, trouxe para o cinema as primeiras obras-primas do gênero. Exemplos: Carmen of the Klondike (1918); Wagon Tracks (1919); Os Bandeirantes (1923); O Cavalo de Ferro (1924); Alma Cabocla (1925); Agir, Ousar, Realizar (1925); A Grande Jornada (1930).

A Grande Jornada (1930)

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2ª ERA: O APOGEU — “DIVULGUE-SE O MITO”

PONTO A (1931 – 1939): A 1ª travessia do deserto. O grande foco para esse período de nove anos são as dificuldades de adaptação baseadas na exploração geográfica dos territórios. A selvageria tanto do Oeste como terra inóspita, desértica, perigosa, quanto das pessoas (indígenas, bandidos, etc.) que lá se encontrariam ou que para lá iriam é um plano de fundo de destaque. Exemplos: Cimarron (1931); Jornadas Heroicas (1936); Uma Cidade que Surge (1939); No Tempo das Diligências (1939); Jesse James (1939).

No Tempo das Diligências (1939)

PONTO B (1940 – 1945): A 2ª idade do ouro e 1ª renovação clássica. O gênero passava aqui pela sua primeira revisão interna, um aprimoramento estético e sutilmente narrativo. É importante ressaltar que esse é o período de praticamente todo o conflito da II Guerra Mundial (iniciada em 1939), portanto, podemos dizer que os eventos da guerra tiveram um peso notável nessa primeira reformulação do gênero. Exemplos: A Vingança dos Daltons (1940); O Galante Aventureiro (1940); Consciências Mortas (1943); Buffalo Bill (1944).

PONTO C (1946 – 1960): A 2ª idade do ouro (subdividida em duas partes). É durante esse ponto que temos a passagem para a temática que abordarei a seguir. Durante a década de 1950, especialmente a partir de meados dela, a ideia da “boa consciência” foi substituída por uma outra forma de enxergar a realidade do western.

No início dessa segunda idade do ouro, temos um pequeno período que vai de 1946 a 1950 que marca uma franca evolução (e essa seria realmente a palavra a ser usada) nos filmes lançados. Podemos também chamar esse período de 2ª renovação clássica. Obras como Paixão dos Fortes (1946); Duelo ao Sol (1946); Sua Única Saída (1947); Sangue e Prata (1948); Céu Amarelo (1948); Rio Vermelho (1948); Winchester ’73 (1950) e Flechas de Fogo (1950) são os maiores exemplos disso.

Já a segunda parte dessa 2ª idade do ouro (1951 – 1960) é marcada, literalmente, pelo apogeu do western, mesclando temáticas de boa e má consciência (mesmo que ainda prevalecesse a primeira) e perdendo cada vez mais fôlego de produção. São exemplos de filmes desta fase: O Diabo Feito Mulher (1952); Matar ou Morrer (1952); Os Brutos Também Amam (1953); O Preço de um Homem (1953); Homens Indomáveis (1954); Vera Cruz (1954); Johnny Guitar (1954); Homem sem Rumo (1955); 7 Homens Sem Destino (1956); Rastros de Ódio (1956); Galante e Sanguinário (1957); Duelo na Cidade Fantasma (1958); Um de Nós Morrerá (1958); Quadrilha Maldita (1959).

Rastros de Ódio (1956)

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O PERÍODO DA MEMÓRIA DOLOROSA E MÁ CONSCIÊNCIA

PÓS WESTERN CLÁSSICO

Marcado pelo declínio de público e de produção dos estúdios, o western chegou aos anos 60 com uma guinada completa em seu plano de fundo e contextos fílmicos. Nesse momento, que vai dos anos 1960 aos dias atuais, a representação lúgubre, às vezes barroca e às vezes dramática, tomou conta das produções. Os anti-heróis começam a se proliferar, os vaqueiros e pistoleiros começam a aparecer velhos, cogitando aposentadoria e muitas vezes modificados por alguma grande mudança em suas vidas (temos o lançamento de um grande número de westerns “psicológicos” e “psicanalíticos”).

Outro ponto que marca esse momento é o modo como o gênero se torna híbrido de uma variedade de gêneros, não só dando origem a dezenas de variações como também modificando sua constituição clássica. Ainda em relação às temáticas, finalizamos com a abordagem do mundo agonizante, sem fé e sem lei, e, no plano narrativo e estético, do distanciamento e inversão dos códigos da Era Clássica.
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3ª ERA: O DECLÍNIO — “DIVULGUE-SE A HISTÓRIA”

PONTO A (1961 – 1970): Crepúsculo do gênero e filmes crepusculares. Uma década de decadência de produção, mas que marcou o surgimento de obras icônicas de uma nova roupagem do gênero, uma tentativa de mostrar que ainda havia vida no western. Destaque para: Terra Bruta (1961); Pistoleiros do Entardecer (1962); O Homem que Matou o Facínora (1962); Sua Última Façanha (1962); Shenandoah (1965); Butch Cassidy (1969); Meu Ódio Será Sua Herança (1969); Quando é Preciso Ser Homem (1970); O Pequeno Grande Homem (1970).

Sete Homens E um Destino (1960)

PONTO B (1971 – 1980): Final sem glória. Uma onda de pessimismo, violência gráfica e tristezas para os protagonistas marcou essa década crepuscular, a última antes da letargia do gênero. São destaques desse período: Mais Forte que a Vingança (1972); O Risco de uma Decisão (1975); O Último Pistoleiro (1976); O Portal do Paraíso (1980).

O Portal do Paraíso (1980)

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4ª ERA: A LETARGIA — “DIVULGUE-SE UMA HISTÓRIA”

PONTO A (1981 – 1990): A 2ª travessia do deserto. Um novo desbravamento de lugares inóspitos (muitas vezes um passo para a exploração do íntimo do próprio vaqueiro ou pistoleiro protagonista) ganhou espaço nas produções desse período. Destacam-se as obras: O Cavaleiro Solitário (1985); Silverado (1985); Dança com Lobos (1990).

Dança com Lobos (1990)

PONTO B (1991 – dias atuais): Aqui, dividimos o período em 2 grandes blocos:

a) A Era dos Retornos esporádicos (1991 – 2000).

b) A Era do Cânone Ressignificado e Pluralidade de Revisionismos (2001 – atualidade).

O que mais marca essa fase (especialmente a partir do ano 2000) é o sabor do mercado cinematográfico. A produção de westerns alcançou revisões inimagináveis, com algumas tentativas de explorar o cenário e a estrutura da 2ª Era do gênero. Toda a amargura conquistada na década de 1960 permanece e é ainda mais incitada (com influência das guerras e tragédias como espelho social), dando atenção para os fantasmas pessoais do protagonista. A violência e novas formas de pensar também são encontradas nesse período, que igualmente viu proliferar um grande número de sátiras ao gênero e também sua sexualização. São destaques nesta fase: Os Imperdoáveis (1992); Tombstone – A Justiça Está Chegando (1993); Homem Morto (1995); O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford (2007); Os Indomáveis (2007); Bravura Indômita (2010); Django Livre (2012); Dívida de Honra (2014).

The Homesman (2014)

E com isso terminamos a nossa análise sobre as eras do western. O leitor pode conferir os nossos artigos sobre os subgêneros, que separamos entre parte 1 e parte 2; e também conferir o nosso artigo Conceito e Introdução ao Western.

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