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Entenda Melhor | Candace Bushnell e o Universo de Sex and The City

O universo literário que sempre foi melhor no cinema e na televisão.

por Leonardo Campos
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O primeiro acesso ao conteúdo literário de Sex and The City veio bem depois de conhecer as seis temporadas produzidas pela HBO e protagonizadas por Sarah Jessica Parker. Presente de aniversário de uma amiga, o conteúdo também chegou após o irregular, mas divertido e saudoso primeiro filme do universo cinematográfico de Carrie Bradshaw, bem como das duas temporadas de Selva de Batom. O que isso define? Simples: o mundo de moda, consumo, imagem e relacionamentos amorosos e sentimentais já era algo que conhecia profundamente, haja vista as maratonas do material não apenas em meu diletantismo solitário, mas também nas apresentações realizadas para os amigos, pessoas que não escapavam de um episódio ou qualquer trecho da série quando estavam na posição de visitantes em minha casa. Diante do exposto, o leitor pode perceber o engajamento da pessoa na dedicação ao livro de Candace Bushnell, uma grande decepção quando lido parcialmente, retomado quase dez anos depois para a constatação da qualidade questionável de seu material encapsulado no que a crítica definiu como Chick Lit, junção da gíria americana para mulheres estadunidenses jovens e a abreviação de literatura, termos melhor explicitado no desfecho desta reflexão. Vamos, agora, compreender melhor os motivos que me levaram ao contato insalubre com a obra da escritora em questão.

Explico. Longe de mim condenar as diferenças entre texto literário e texto audiovisual. São esquemas diferentes e no campo da Tradução Intersemiótica, um caminho acadêmico para as reflexões entre literatura e outras artes, não focamos na falsa ideia de fidelidade, mas no processo de escolhas entre um material ponto de partida e sua adaptação. Por isso, não considero Sex and The City um livro decepcionante por ser bem diferente da série que serviu de embasamento, mas pelo caos na estrutura textual da autora. Entendo que na proposta, Candace Bushnell flertou com o cinismo das relações na chamada Era da Não Inocência, com personagens que refletiam as suas próprias experiências, mixadas com as histórias de suas amigas e demais pessoas em bares e baladas nas madrugadas novaiorquinas, testemunhos que compõem o fragmentário conteúdo do livro que é um ajuste de suas crônicas publicadas semanalmente para o The New Tork Observer. Personagens antipáticos, comportamentos mimados e sexo sem uma dose sequer de atmosfera propícia, além do estabelecimento gratuito de passagens com drogas e álcool. Assim é o conteúdo da publicação que, graças aos deuses, tornou-se uma aclamada série que soube pincelar alguns pontos da escrita desta figura da cena literária estadunidense que, com quase toda certeza, não seria tão conhecida se o seu material não tivesse sido transformado num programa televisivo devidamente concebido.

Com o sucesso de Sex and The City, Candace Bushnell se estabeleceu na literatura com outros romances, alguns mais interessantes, outros cópias mimeografadas do legado referente ao universo que lhe trouxe o glamour da fama. Publicado em 2000, seu segundo passo na literatura foi Quatro Louras, veiculado no Brasil pela Editora Record. A história? Muito óbvia: quatro mulheres novaiorquinas, na casa dos trinta e poucos anos, insatisfeitas com a vida que levam, compartilham cotidianamente os seus dissabores. Janey é uma das mais predominantes, uma modelo já na fase madura, a colher poucos frutos numa carreira que lhe é negada a continuidade, por causa da idade. Ela venera o mundo dos ricos e famosos e seu maior passatempo é tentar o alpinismo social em férias nos Hamptons. Cecilia é outra, uma mulher obcecada pela juventude e vive em neurose com a sua vida sentimental, mesmo depois de fisgar um solteiro cobiçado da cidade, homem que lhe proporciona uma vida de luxo e muitos prazeres mundanos. A escritora da vez é Mink, figura ficcional que busca uma carreira mais sólida em Londres, território que também lhe serve de espaço para tentar arrumar um marido. Por fim, temos Winnie, colunista de uma revista que atravessa uma fase amarga na vida, vide o seu casamento infeliz. Juntas, estas mulheres protagonizam aventuras ao longo das 350 páginas deste livro sobre amor, dinheiro e fama, narrativa diletante, mas expressivamente vazia e superficial, genérico de Sex and The City.

Sem me convencer com o livro, decidi dar uma nova chance para Candace Bushnell com Loura de Luxo, de 2003, publicação que não posso definir como ruim, mas não demonstra a capacidade da escritora em ampliar as discussões empreendidas em seu ponto de partida com Carrie Bradshaw. Tudo parece igual, e agora, inferior literariamente. No conteúdo, temos agora a continuidade da história de Janey, do romance anterior, a modelo que batalha cotidianamente por um espaço numa cultura que não valoriza mulheres mais maduras. Em suas 320 páginas, excessivas para uma narrativa pífia, encontramos a personagem a reacender a sua carreira com um belo contrato com a Victoria’s Secret. A oportunidade, no entanto, não parece suficiente, pois mais sábia, Janey atende aos seus anseios e ambições e não perde a chance de fazer novas amizades nas praias dos Hamptons, local onde conhece a esposa de um magnata da mídia, homem que pode ser o caminho para a entrada de outras pessoas poderosas em sua vida então badalada. Entre escândalos, separações e polêmicas, Janey é tratada por alguns como uma semiprostituta, definição que ela não se importa nem um pouco, principalmente depois que segue para Los Angeles para dar fôlego a um aprovado projeto cinematográfico há anos almejado. Cheio de personagens vazios, Loura de Luxo é uma crítica ao vazio das elites estadunidenses, sátira que talvez precisasse de uma escritora melhor para funcionar dentro de sua proposta.

Como sou um leitor esperançoso, acreditei que em Selva de Batom, de 2005, Candace Bushnell tivesse alcançado um nível melhor não apenas em sua escrita, mas na concepção de seus personagens e na organização de suas histórias. E não é que a história é bem melhor que os conteúdos anteriores? Volumoso com suas 487 páginas, o romance retrata a jornada de três mulheres brancas e empoderadas no furacão que é a cidade de Nova Iorque. Ao debochar das críticas sofridas cotidianamente por mulheres que precisam lidar com o profissional e o pessoal, numa cobrança que não é a mesma para os homens, a escritora cria uma narrativa mais envolvente e madura, mas ainda assim repleta dos mesmos vícios de seus livros anteriores, dentre eles, a extensão desnecessária de uma história que poderia ser contada tranquilamente com a metade das páginas de sua versão final. Ainda assim, o conteúdo é melhor que qualquer outra coisa que Candace Bushnell escreveu até então. No livro, acompanhamos a jornada de Wendy, a presidente da Parador Pictures, uma produtora de filmes que exerce pressão constante em sua rotina diária, função que estabelece uma crise no casamento com Shane, marido que cria os seus três filhos e precisa lidar com a rotina constantemente ocupada da esposa.

Para piorar, além da inversão de valores tradicionais, com a mulher levando o sustento praticamente sozinha para casa, a personagem precisa enfrentar um rival nos negócios, homem que ameaça a todo tempo o seu posto na produtora. Nico, editora-chefe de uma imponente revista que circula na grande cena novaiorquina, também enfrenta as suas crises, pois se apaixona por um jovem fotógrafo, Kirby, presença que a coloca em questionamento os seus valores, perspectivas e desejos. Competente em suas funções na Bonfire, revista que aborda cultura pop, política e moda como três dos principais conteúdos, a personagem exerce o trabalho com firmeza e lida com os problemas nos momentos de parceria com as suas amigas, Wendy, já mencionada, e a designer de moda Victory Ford, uma das mais românticas e idealistas do grupo, também devidamente posicionada socialmente, com negócios nos Estados Unidos e na Ásia, uma espécie de mixagem do lado empoderado de Samantha Jones e das tolices e utopias amorosas de Charlotte York, duas das protagonistas de Sex and The City (me refiro ao programa televisivo). Transformado numa série em duas temporadas, Selva de Batom envolve, mas confirma a capacidade da escritora em trabalhar exclusivamente com o único universo temático.

Após os romances retratados anteriormente, Candace Bushnell investiu o seu tempo em Quinta Avenida Nº 1, também publicado no Brasil pela Record, narrativa que sofre de todos os problemas das obras medianas já veiculadas para os seus leitores até então. Ela continua em sua odisseia sobre a obsessão cultural novaiorquina por obtenção de dinheiro, fama e poder, mesmo que tudo isso custe muito para o bem-estar destes desejosos pelos elementos que compõem o conforto mundano. Personagens sem escrúpulos, desespero por manutenção de uma imagem fabricada e afetividades pueris na jornada de múltiplos relacionamentos esvaziados de qualquer respeito. Assim é a jornada de um roteirista que amarga um casamento fracassado, bem como a esposa de um gerente e outras figuras ficcionais sem qualquer traço de simpatia. Sem nada de novo que a torne atrativa, a narrativa fica bem abaixo da perspectiva mais juvenil dos romances Os Diários de Carrie e O Verão e a Cidade, prelúdios de Sex and The City que investem na jornada de Carrie Bradshaw antes de descobrir o sexo e a cidade. No primeiro, a icônica personagem ainda atravessa as dificuldades do último ano no colegial, bem como as suas aspirações de escritora, negadas por seu pai que deseja uma vida acadêmica para a moça. No segundo, Carrie já conhece Samantha Jones, estabelece uma amizade com Miranda Hobbes e vive as suas primeiras aventuras novaiorquinas, antes de Mr. Big.

Para quem pensou que Candace Bushnell não é uma mulher persistente, a escritora demonstrou garra para escrever mais dois livros, Killing Mônica e Ainda Há Sexo na Cidade? Ambos de 2015 e 2019, respectivamente, os romances se voltam ao que já sabemos, isto é, os relacionamentos amorosos e profissionais de mulheres acossadas por um mundo machista, tóxico e injusto com as decisões femininas contemporâneas. No primeiro caso, temos a história de Pandy Wallis, apelidada de PJ, uma jovem mulher escritora, de carreira renomada, com romances transformados em filmes de sucesso. Ela digladia com uma atriz, interprete da maioria das obras adaptadas de suas publicações, figura que anteriormente era uma de suas melhores amigas, mas agora, se tornou uma personagem algoz cheia de más intenções. Neste caldeirão de repetições, acompanhamos a devoção de Henry, sofredor que amarga o “não” constante de Pandy. Ao estilo Carrie Bradshaw, a personagem que parece alter ego de Bushnell atravessa por uma prosa cheia de hipérboles, também fragmentada, com uma reviravolta que busca chocar para compensar a falta de qualidade literária do material, mas cai numa armadilha semelhante aos filmes ruins que investem em plot twist e se esquecem de contar bem a sua narrativa durante todo o processo. Não lido, haja vista a sua indisponibilidade em português e a minha falta de coragem para enfrentar o texto em inglês, mais desafiador até para quem compreende a língua, a publicação de 2019 flerta com Sex and The City para a escritora dialogar com as suas experiências como uma divorciada após os 50 anos. Com debates sobre namoro contemporâneo e relacionamentos na Era Tinder, o livro explora a cena novaiorquina antes da pandemia que ainda nos acompanha.

Será que a autora vai se dedicar e se aventurar por uma escrita do amor pós-covid? Basta esperar, afinal, Candace Bushnell ainda não saiu da mídia, ao contrário, esteve envolvida numa polêmica recente sobre censura de um vídeo no Instagram, além de ter elaborado comentários sobre And Just Like That, o novo capítulo de Sex and The City. Com funções acumuladas como escritora, jornalista e produtora de televisão, Bushnell começou a sua jornada numa coluna no já mencionado The New York Observer, entre 1994 e 1996, crônicas transformadas em livro, depois série, filmes e tudo mais que já sabemos. De Connecticut, a escritora vem de uma família bem situada socialmente, frequentadora da Rice University e da New York University, na vida acadêmica, além de ser uma das transeuntes em locais badalados da cidade, como o icônico Studio 54. Começou tentando vender uma história infantil nunca publicada e hoje caminha por uma via que busquei explorar, limitadamente, ao longo deste artigo. Ela é uma representante do que a crítica literária definiu como Chick Lit, termo utilizado mais comumente até os anos 2000 para definir a ficção voltada ao público feminino atual, com histórias sobre feminilidade, amizades, relacionamentos, busca por amor numa era de perda de determinados valores tradicionais e experiências no ambiente de trabalho. São obras com personagens femininas heterossexuais, situadas em grandes metrópoles, tomadas por relações de consumo e busca por prestígio social.

 

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