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Entenda Melhor | Creeper: Monstros Icônicos do Cinema

O legado e o impacto cultural de um monstro do cinema contemporâneo.

por Leonardo Campos
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O cinema de horror sempre soube explorar os medos mais profundos da humanidade, criando monstros que se tornam ícones culturais no imaginário coletivo. Um exemplo emblemático desse fenômeno é o Creeper, antagonista do filme Olhos Famintos, lançado em 2001, dirigido e escrito por Victor Salva. Este personagem se insere não apenas na narrativa do filme, mas também em uma longa tradição de monstros do cinema, cuja construção se baseia em medos primordiais e na estética de clássicos da Universal, segundo relatos de seu criador, um cineasta que cresceu assistindo aos filmes que marcaram a sua trajetória pessoal e profissional. Na trama, Creeper é uma criatura enigmática, que emerge da escuridão para caçar suas presas. O personagem é apresentado como uma entidade quase sobrenatural, que desperta uma sensação imediata de terror. Sua primeira aparição no filme deixa uma marca indelével na mente dos espectadores, evidenciando uma intenção clara do diretor em criar um monstro que não apenas amedronta, mas que também provoca reflexão. Lembro até hoje da sessão numa sala de cinema.

Na época, envolvido pela febre dos slashers que entravam em desgaste ao seguir exaustivamente os padrões narrativos de Pânico, me senti empolgado com a criação da competente equipe de Salva, diretor que estabeleceu um novo monstro após muitos anos da ausência de uma figura assustadora para as audiências. Antes de Jogos Mortais, que nos traz um antagonista que não é necessariamente um monstro, tal como Ghostface, marco dos anos 1990, Creeper pode ser denominado a primeira criatura aterrorizante do cinema dos anos 2000. Victor Salva, ao criar este icônico ser alado, parece ter se inspirado em uma série de referências que vão desde a literatura de horror até os filmes clássicos. O seu design, com características grotescas e aparência de lorde das trevas, remete diretamente aos filmes de monstros da Universal, como Frankenstein, Drácula e A Múmia. Tais ressonâncias não são meramente superficiais; elas refletem a maneira como os medos coletivos e os traumas individuais podem ser transformados em narrativas visualmente impactantes.

A figura do Creeper pode ser denominada como uma amalgama dos medos humanos: nosso medo do desconhecido, da escuridão, da morte e da perseguição. Esses sentimentos não são novos, pois têm raízes profundas na cultura e na psicologia humanas. Ele não é apenas um assassino em série: ao simbolizar a inevitabilidade da morte e o confronto com o que é insuportável, nos traz a dualidade que é uma das razões pelas quais o personagem ressoa tão fortemente com o público. O fato de que o Creeper desperte essas emoções primordiais pode ser atribuído à sua natureza cíclica dentro da narrativa do filme. O antagonista é uma criatura que desperta a cada 23 anos para se alimentar de humanos, um ciclo que se repete, refletindo não apenas o medo da morte, mas também o medo da repetição de ciclos traumáticos em nossas vidas. Essa ideia de ciclos nos remete a questões existenciais que têm sido abordadas ao longo da história da literatura e do cinema. Entretenimento? Sim. Mas também reflexão.

Além das referências aos clássicos da Universal, a forma como o Creeper se movimenta e a maneira como Salva fotografa suas aparições fazem eco aos estilos de direção de cineastas do horror, tais como John Carpenter e Wes Craven. A estética da escuridão, as nuances da iluminação e a trilha sonora, com seus acordes tenebrosos, colaboram com a amplificação da tensão, levando o espectador a sentir o medo de forma visceral. Esse uso da cinematografia ajudou a elevar o Creeper a um status de ícone dentro do gênero, cativando e aterrorizando audiências, tornando-se estampa de camisetas, personagem de quadrinhos, bonecos colecionáveis, dentre outros elementos da nossa cultura convergente. Outro aspecto interessante sobre o Creeper é sua capacidade de se disfarçar como um ser humano comum. Essa habilidade de camuflagem adiciona uma camada de horror psicológico à narrativa, uma vez que a verdadeira monstruosidade pode estar oculta na banalidade do cotidiano. Ele se torna um reflexo de como o mal pode se infiltrar em nossas vidas de maneiras inesperadas e, muitas vezes, invisíveis, sendo assim uma alegórica figura ficcional para tudo que tememos.

Desde o lançamento de Olhos Famintos, o Creeper se tornou um ícone entre os monstros do cinema de horror. Sua figura tem sido utilizada em diversos produtos da cultura pop, como já mencionado. O personagem serve como um lembrete de que o horror está sempre presente, mesmo que escondido sob a superfície de nossa comum existência. Em um mundo onde o terror se manifesta tanto no cinema quanto na vida real, ele serve como um catalisador para discussões mais profundas sobre nossos medos e inseguranças. Assim, não é apenas um monstro, mas um arquétipo que reflete o que tememos e o que, muitas vezes, ignoramos. Em seu antagonismo, esse monstro oferece uma experiência única no gênero horror, amalgamando influências clássicas com uma narrativa contemporânea sobre os medos humanos. Ao inspirar-se nos monstros do passado e nas ansiedades do presente, Victor Salva criou um personagem que não é fácil de esquecer. O monstro permanece na memória do público, um ícone do terror que transcende o simples ato de assustar, convidando a uma reflexão mais profunda sobre o que realmente significa ser humano em um mundo repleto de incertezas e perigos ocultos.

Por meio de uma exploração cuidadosa dos nossos medos mais primordiais, o Creeper não é apenas uma presença aterrorizante; ele se torna uma parte vital da conversa sobre horror no cinema e na cultura popular. Assim, esta criatura, que desperta uma combinação de medo e curiosidade, apresenta também ressonâncias com a figura das gárgulas góticas, utilizadas ao longo da história da arquitetura como guardiãs de catedrais e templos. Como exposto, a criatura é uma entidade mística que ressurge a cada vinte e três anos para se alimentar de jovens. Ele não é apenas um predador, mas representa a encarnação do medo primal, com seus olhos penetrantes e uma aparência que evoca uma sensação de terror e aversão. Assim como as gárgulas, que muitas vezes retratam criaturas grotescas, o Creeper utiliza o medo como um mecanismo para intimidação e controle. As gárgulas, em sua essência, eram pensadas para afastar os maus espíritos e proteger os edifícios sagrados. Por sua vez, ele é uma representação que busca alimentar-se da vulnerabilidade e inocência dos humanos, uma ameaça que vem do além. Visualmente semelhantes, mas com propostas míticas diferentes.

Além da função protetora das gárgulas, elas também possuem uma carga simbólica significativa. Muitas vezes, são vistas como observadoras silenciosas das atividades humanas, impregnadas de uma aura de impotência diante das forças do mal. O Creeper compartilha dessa posição, atuando como uma força que opera nas sombras, observando e atacando quando menos se espera. Ambas as figuras, portanto, operam na interseção entre o sagrado e o profano. O Creeper se alimenta da essência da vida, já as gárgulas preservam a espiritualidade dos lugares em que habitam. A estética do Creeper também é uma importante semelhança com as gárgulas góticas. Ambas as representações têm uma base visual profundamente enraizada no horror e na estranheza. O design do Creeper, com suas características sombrias e inquietantes, lembra a forma distorcida de muitas gárgulas, que com frequência apresentam traços exagerados ou grotescos. Essa estética serve para provocar uma resposta emocional intensa, seja o desejo de fugir, seja um fascínio sombrio, como apontado pelos realizadores no documentário de bastidores Olhos Famintos: Antes e Agora, lançado na ocasião de relançamento dos filmes em mídia física.

Outro ponto de intersecção é o simbolismo do tempo. Assim como as gárgulas, que resistem ao teste do tempo, permanecendo como testemunhas da história, o Creeper é também uma entidade temporal que retorna ciclicamente, refletindo uma relação com os ciclos de vida e morte. Essa recorrência temporal evoca a ideia de que o mal pode ser adormecido, mas nunca realmente erradicação, um conceito que é central tanto nas histórias de terror quanto nas narrativas góticas. Assim, tanto o Creeper quanto as gárgulas góticas representam uma luta entre o bem e o mal, uma temática que ressoa fortemente na literatura e na arte ao longo dos séculos. O medo, a proteção e a dualidade presentes nas gárgulas encontram eco no universo aterrorizante de Olhos Famintos. Ao final, o Creeper se torna mais do que um simples antagonista. Em suma, é uma poderosa representação de medos antigos e universais, além de um reflexo do papel ancestral das gárgulas na proteção e preservação das fronteiras entre o sagrado e o profano.

Essa interconexão revela como o terror se reinventa e persiste em nossas narrativas, independentemente do tempo ou da cultura, pois o filme explora o medo da morte através da figura do Creeper, uma criatura que se alimenta de partes do corpo humano, simbolizando o medo do que está além da vida. Dentre os demais tópicos temáticos expostos ao longo da narrativa que tem o monstro como figura antagônica central, nós nos deparamos com a relação entre os protagonistas, Trish e Darry, nevrálgica na narrativa. O filme examina a dinâmica familiar sob pressão e como o perigo pode unir ou separar as pessoas. A ambientação rural e a estrada deserta criam um ambiente isolado, destacando a vulnerabilidade dos personagens em uma situação de perigo iminente. Olhos Famintos e seu Creeper tocam em temas de folclore e lendas urbanas, com esse mostro sendo apresentado como uma figura quase mítica, que se alimenta de humanos a cada 23 anos. Ele é uma força do mal que renasce para caçar pessoas, simbolizando como o medo pode ser um ciclo sem fim e uma ameaça constante.

Os personagens enfrentam dilemas morais ao longo do filme, questionando o que estariam dispostos a fazer para sobreviver e a natureza do egoísmo em situações extremas. O Creeper não escolhe suas vítimas baseando-se em moralidade ou virtude; ele caça indiscriminadamente, refletindo a aleatoriedade e a imprevisibilidade do mal. Ademais, o uso eficaz do suspense no filme mantém o público em constante estado de expectativa, utilizando a música, a iluminação e os ângulos de câmera para aumentar a tensão. Como uma entidade que possui habilidades sobrenaturais, como a capacidade de se regenerar e de detectar o medo, o que acrescenta uma camada de terror além do simples horror humano, o antagonista estabelece tudo aquilo que esperamos vislumbrar em tramas do segmento: a luta dos protagonistas pela sobrevivência contra uma força muito mais poderosa do que eles, capaz de esfumaçar as linhas entre a luta e a entrega, reforçando a natureza brutal da sobrevivência. Transformando num monstro aterrorizante de quatro filmes, o Creeper se delineia como uma figura ficcional visualmente forte e dramaticamente inserido em duas histórias inicialmente envolventes, enviadas para o declínio absoluto nos tenebrosos Olhos Famintos 3 e Olhos Famintos: Renascimento.

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