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Entenda Melhor | Direção de Fotografia

por Leonardo Campos
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Todas as etapas de uma realização cinematográfica são importantes. A tarefa do profissional responsável pela direção de fotografia é uma delas. Em paralelo com o diretor e a pessoa que assina o design de produção, o fotógrafo precisa alinhar as necessidades do roteiro para captar as imagens de acordo com os interesses artísticos da produção em questão. Ao esboçar o projeto, geralmente depois da leitura do roteiro, o diretor de fotografia precisa ter noção em detalhes dos enquadramentos e das regras iluminação mais básicas, pois é de fundamental importância saber a função de cada elemento da gramática do cinema, para que o seu projeto de concepção visual consiga se adequar aos ideais artísticos da produção em que estiver envolvido.

Alguns diretores de fotografia, juntamente com o diretor geral, podem aderir aos manuais. Outros podem subverter as suas regras e criar algo memorável e inovador. Não há problema em não seguir os ditames, afinal, subversão é um conceito que dialoga bem com a ideia de “arte”. O que se aconselha é o profundo conhecimento das regras para que haja justificativas e objetivos plausíveis que expliquem o ato de desconstrução de algo.

Um exemplo é a regra de Hitchcock, presente em diversos compêndios de criação cinematográfica. Conforme resgata Mercado (2011, p.32), o cineasta afirmou em algumas ocasiões que “o tamanho de um objeto no quadro deve estar diretamente relacionado à sua importância na história naquele momento”. É uma regra que funciona bem e como é largamente utilizada, tornou-se parte do vocabulário dos diretores de fotografia. Não utilizá-la é uma opção, entretanto, é importante conhece-la, principalmente se você for parte de um esquema industrial de produção.

Trechos de 300: o contra-plongeé que empodera, a iluminação que disfarça a nudez e a sobreposição de personagens.

Ao criar as suas imagens, o diretor de fotografia precisa saber que o close-up é um enquadramento que permite ao público ver nuances que não estariam tão detalhadas em quadros maiores; que o plano geral inclui inteiramente os personagens no quadro, junto com boa parte do cenário que os circunda, tendo em vista a ambientação narrativa; entender que o plano médio nos mostra um ou mais personagens da cintura para cima e a área que os circula, o que nos permite observar a sua linguagem corporal; observar que o plano subjetivo tem a capacidade de deixar o público vivenciar a ação como se fosse vista diretamente por meio dos olhos de um personagem; que o plano de canto (oblíquo) compõe a cena com a câmera inclinada lateralmente para que o horizonte não esteja nivelado e as linhas verticais atravessem o quadro diagonalmente; dentre outros.

Ao passo que cria os enquadramentos, o diretor de fotografia também precisa compreender como as imagens do seu quadro ganharão movimento. Deter conhecimento sobre steadicam e dolly são os requisitos mais básicos, afinal, são estabilizadores de imagens largamente utilizados em produções audiovisuais diversas. Enquanto o uso de dolly permite efetuar movimentos suaves de deslocamentos laterais para frente ou para trás, o uso de steadicam, equipamento criado por Garret Brown na década de 1970, permite acoplar uma máquina ao corpo de um operador de câmera e assim, promover o deslocamento pelo ambiente, tendo em vista filmar uma sequência sem cortes ou tremedeira[1]. O uso de tilt também é muito comum, isto é, o movimento com a câmera verticalmente, de cima para baixo ou vice-versa, geralmente em velocidade lenta, recurso que nos revela alguém ou algo importante na cena.

Em Gladiador, o ponto de vista que demonstra respeito, o plano próximo que denota intimidade e o contra-plongeé que simboliza triunfo, mesmo que momentâneo, do personagem.

O diretor de fotografia é o profissional que sabe o momento ideal de incluir um zoom in (para se aproximar) ou zoom out (para se distanciar) numa cena, bem como diferenciar o plano geral (estático) de uma panorâmica (imagem dinâmica e descritiva), bem como a definição de um plano fixo (a câmera permanece estática, mesmo havendo movimento interno da imagem ou cena), plano horizontal (personagem visto de frente), horizontal lateral (personagem visto de lado) e horizontal traseiro (personagem visto de trás). O travelling, movimento da câmera sob uma superfície, aproximando-se, afastando-se ou contornando um objeto ou personagem, com movimentos horizontais, verticais ou combinados, também é parte do vocabulário cotidiano do diretor de fotografia e da sua equipe de produção.

Sam Mendes, ao trazer Conrad Hall para ser o seu diretor de fotografia, em 1999, concebeu Beleza Americana como um filme construído com base em severas críticas ao american way of life, mas ao contrário do que geralmente se faz com esse tipo de material, repleto, por exemplo, de ângulos oblíquos, sombras e planos que reforçassem a ideia de desconforto e agonia, ao contrário, a narrativa foi erguida com ressonâncias do classicismo: iluminação equilibrada, linhas verticais e horizontais milimetricamente calculadas e deslocamentos sem movimentos bruscos. A proposta era apostar na ironia: fotografias “idealizadas” de personagens que possuem vidas “idealizadas”, com muita ironia na forma e no conteúdo.

Ao adentrar o terreno da direção de fotografia, torna-se necessário conhecer algumas regras e conceitos básicos para construção dos esboços da narrativa que se pretende contar: as proporções de tela, a profundidade de campo, os enquadramentos, ângulos e movimentos mais básicos são os primeiros caminhos que devem ser trilhados. No que diz respeito às proporções de uma tela, todo projeto deve levar em consideração as dimensões do quadro, para que a produção visual não seja comprometida na exibição[2]. As relações entre altura e largura do quadro são conhecidas pelas seguintes descrições: 2,39:1 (anamórfica ou escopo); 1,85:1 (padrão estadunidense de tela de cinema); 1,66:1 (padrão europeu de tela de cinema); 1,78:1 (padrão HDTV, também conhecido por 16×9); e 1,33:1 (formatos de filme 16mm ou 35mm, material comum até a década de 1950 e durante a era da TV analógica). Ter conhecimento básico sobre tais proporções é algo que colabora com a manutenção das estratégias visuais de um projeto.

Direção de fotografia em Instinto Selvagem: (1) planos gerais ao estilo Hitchcock. (2) A apresentação da personagem é iluminada com espelhos no fundo para refletir mais luz. (3) As cenas internas bem orquestradas em um carro. (4) O ponto de vista devidamente calculado. (5-6) A iluminação que designa perigo. (7) A câmera segue os personagens. (8-9) Mais referências ao estilo Hitchcock: o segundo plano e a escadaria que remete ao clássico Um Corpo Que Cai.

No caso da profundidade de campo, tal como observa Mercado (2012, p.37), “temos uma ferramentas mais expressivas e poderosas utilizadas para composição de uma cena”. Ao passo que o cinema avançou tecnologicamente, os realizadores buscaram alternativas para superação da óbvia projeção bidimensional proporcionada pela sétima arte. Com interesse em produzir enquadramentos dinâmicos, a técnica da sobreposição de objetos ajudou a criar profundidade, o que aumentou a capacidade de ampliação das emoções narrativas. Compreender, entretanto, a sobreposição de objetos, requer alguma base na concepção dos eixos de uma imagem, eixo x, y e z, que podem ser visualizados no anexo.

A técnica dos enquadramentos não surgiu com o cinema, mas já podia ser contemplado muito antes, com a pintura. O que vai ocorrer com o cinema é a movimentação dos detalhes internos que compõem as imagens. Profundidade de campo, ângulos oblíquos, eixos e tantos outros termos fazem parte deste universo de captação de instantes que fornecem informações para a construção de uma narrativa. Conforme descreve Martin (2011, p.35), “o enquadramento pode deixar certos elementos fora da ação e nos mostrar apenas um detalhe significativo”, além de complementar que “os planos definem o conteúdo dramático”. Como observa o autor, o papel da câmera é ser uma espécie de agente ativo de criação da realidade fílmica. Emancipada depois de ser um quadro fixo com aspectos visuais teatrais durante bastante tempo, a câmera mudou, ampliou o seu formato e se adaptou para as necessidades industriais e artísticas na seara da produção audiovisual.

Os casos de boa direção de fotografia[3] são numerosos, haja vista a quantidade de filmes que as indústrias culturais ao redor do planeta produzem cotidianamente. Alguns casos, no entanto, são mais emblemáticos que outros. Ao dirigir a concepção fotográfica do épico sobre os espartanos 300, Larry Fong buscou iluminar o filme da mesma maneira que o ponto de partida da produção, isto é, a HQ de Frank Miller. Com constante uso do ângulo contra-plongeé para referenciar personagens em posição de “glória”, o filme ainda faz uso bastante peculiar da iluminação em uma cena de nudez, tendo em vista sugerir mais que escancarar.

Direção de fotografia em A Última Ceia: (1-2) pai e filho, em momentos distintos, enquadrados da mesma maneira. (3) A amplitude de um hospital frio e vazio. (4) A iluminação divide os personagens na tela. (5) O protagonista não olha para a câmera até começar a evoluir. (6) Enquadramento cria suspense ao não mostrar o que a personagem carrega nas mãos.

Outro épico com notável direção de fotografia é Gladiador, grandiosa produção com concepção fotográfica assinada por John Mathieson. Tal como a saga dos espartanos, os momentos de redenção e glória são enquadrados por meio de frequentes imagens em contra-plongeé. Nos momentos mais intimistas, a fotografia dá indícios de relacionamentos que estão no plano da sugestão, sem uma abordagem explícita do roteiro, além de trabalhar bem o contra-plano, o close e a iluminação em prol das questões simbólicas no desenvolvimento do texto dramático.

Roberto Schaefer, diretor de fotografia do drama A Última Ceia, realizou cautelosamente os registros visuais de uma amarga história sobre perdas, danos, mágoas, arrependimento e perdão. Halle Berry interpreta a esposa de um detento que em poucos dias vai ser executado com a pena de morte. Ela é sempre enquadrada no canto da tela, tal como o personagem de Billy Bob Thornton, um dos responsáveis pela execução, numa história paralela que mais adiante, arranjará uma maneira eficiente de fazer o cruzamento de ambos os trajetos dramáticos. Com uso equilibrado de steadicam, o filme avança com bastante expressão em seus enquadramentos, recurso que sai do trivial para preencher a moldura da tela de simbolismos.

Nos anos 1990, Sharon Stone, sob a direção de Paul Verhoeven, interpretou a perigosa Catherine Trammel, em Instinto Selvagem, personagem que marcou a sua carreira. A direção segura de Verhoeven, a trilha sonora de Jerry Goldsmith, juntamente com os desempenhos dramáticos de Stone e Michael Douglas são alguns dos pontos nevrálgicos do suspense, mas o resultado não seria o mesmo sem a eficiente direção de fotografia de Jan De Bont. A iluminação que pisca e cria alguns simbolismos para indicar que “algo está errado”, juntamente com a montagem que evita cortes excessivos, graças aos trechos de longa duração, captados por uma câmera que flutua pelos cenários, nos mostra os detalhes que tornaram Instinto Selvagem uma referência no bom desenvolvimento da fotografia de um filme.

No cinema brasileiro há alguns estudos sobre Lavoura Arcaica, produção baseada no romance de Raduan Nassar, com direção de fotografia de Walter Carvalho. Dirigido e montado por Luiz Fernando de Carvalho, o filme não segue uma ordem cronológica padronizada e narra a trajetória de André, um jovem que vai de encontro aos ditames tradicionais de sua família, impostos por seu pai, uma figura que simboliza de maneira totalizante, o patriarcalismo opressivo.

Artigos e trabalhos de conclusão de curso de graduação se detiveram ao trabalho de análise fílmica, com foco na direção de fotografia da produção, bastante peculiar em nossa cinematografia. O próprio Walter Carvalho lançou um livro sobre a fotografia para o filme, premiada em festivais estrangeiros. Segundo o seu ponto de vista, para o bom exercício da direção de fotografia, cabe ao interessado investir no estudo de pinturas, manifestações artísticas que ajudam bastante no processo de enquadramento, iluminação, movimento e profundidade de campo.

Em Lavoura Arcaica, Walter Carvalho referenciou Rembrandt, Munch, Millet, Cézanne, Van Gogh, dentre outros. Conforme Campos (2019), “Walter traz o clima tenso e a escuridão de Rembrandt, a melancolia, o desequilíbrio e o medo em Munch e as cenas de infância de Degas”. Para compor a narrativa há duas linhas fotográficas: a do pai e a do filho.

Responsável pela fotografia de Madame Satã (saturada e peculiarmente colorida) e Central do Brasil (monocromática), o profissional indica “Leonardo Da Vinci, o impressionismo de Monet, Hopper, Degas e as fotografias de Cartier-Bresson, Rodchenko e Sebastião Salgado” como fonte de estudo e inspiração. Dominar a técnica é o básico, mas o que interessa é o que o fotografo lê, o quanto entende de cinema, pintura, dos outros fotógrafos, em suma, a sua bagagem de referências culturais.

[1] Era feito com carrinhos anteriormente, mas com o estabelecimento do equipamento na indústria, as cenas internas, como por exemplo, em elevadores, conseguiram ser mais bem dirigidas e concebidas.

[2] Muitos filmes que foram lançados em DVD no formato FULLSCREEN distorceram as imagens ou cortaram pedaços significativos dos enquadramentos. Premonição 2, lançado em DVD no Brasil no Brasil pela PLAYARTE, é um desses casos.

[3] Como as pessoas dão muito valor ao que estabelece a premiação do Oscar, cabe ressaltar uma curiosidade: desde a primeira edição há o prêmio para Melhor Direção de Fotografia. Em 1940 os envolvidos dividiram o setor em duas categorias: Preto e Branco e em Cores. Em 1967 a categoria se estabeleceu nos moldes que se mantem até os dias atuais.

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