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Entenda Melhor | Halloween, Cultura da Convergência e a Novelização de Filmes

Um panorama pelas transposições da franquia Halloween, do cinema para a literatura.

por Leonardo Campos
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Ao longo da história da humanidade, a dinâmica entre produtos e consumidores no bojo da cultura está constantemente em processo de transformação. As histórias da literatura, transmitidas por meio do suporte oral, foram transcritas para o suporte impresso, desde os rudimentares papeis da Antiguidade ao surgimento da imprensa, situação que deu vazão aos livros em quantidades cada vez maiores, numa ampliação de fronteiras para disseminação da cultura. No desfecho do século XIX, o surgimento do cinema intensificou a era da reprodutibilidade técnica, levando para as artes audiovisuais a tradução de tramas antes contempladas apenas nas páginas dos livros de literatura e, algumas vezes, adaptadas para os palcos dos teatros. Logo mais, tivemos a televisão, a internet, os streamings e, no meio destes múltiplos suportes para exibição e consumo de produções do mundo do entretenimento, a indústria cultural buscou também fazer um curioso contorno no painel de produtos dentro de um universo, transformando filmes em livros, dando ao público maior possibilidade de pertencimento e compreensão de universos específicos, como aconteceu com a franquia Halloween.

Convergência das mídias, nas palavras de Henry Jenkins, responsável por cunhar este termo no campo da teoria, é reconhecer fenômenos distintos, mas interligados no bojo do consumo, isto é, o uso complementar de mídias diferentes, a produção participativa e a inteligência coletiva, num processo que reúne estratégias propiciadoras da participação e estimulação da imaginação e criatividade das pessoas, permitindo que estes indivíduos tenham a sensação de que fazem parte do universo que admiram. A convergência, para Jenkins, é a palavra que define as mudanças tecnológicas, industriais, culturais e sociais no modo como as mídias circulam em nossa cultura. Veja o caso das pessoas que assistiram Halloween Kills: O Terror Continua, em sua estreia no streaming, simultânea ao lançamento no cinema, tendo a possibilidade de compartilhar as suas impressões ao mesmo tempo, nas redes sociais, com outras pessoas que também estavam interessadas em opinar sobre o filme. Isso é convergir, multiplica as telas e suas possibilidades discursivas. É o acionamento da cultura participativa, da inteligência coletiva, num processo que também envolve a transmídia, isto é, o compartilhamento dos conteúdos em mídias diferentes, expandindo temáticas e multiplicando possibilidades narrativas, como acontece com o processo de novelização de filmes, isto é, tomar uma produção cinematográfica e minuciar os seus trechos em páginas para o leitor afoito por detalhes não pormenorizados na tela.

Em 1978, Richard Curtis foi convocado para levar Halloween: A Noite do Terror, baseado no roteiro de John Carpenter e Debra Hill, para o campo da literatura. Nas incursões dos filmes da franquia para o suporte literário, a proposta é sempre levada para a expansão de detalhes apresentados cinematograficamente. No primeiro, por exemplo, temos a inserção da história do Dia das Bruxas, uma passagem pela mitologia irlandesa, com uma trama sobre amor não correspondido e tragédia. Michael Myers, em sua infância circunspecta, é contemplado a brincar com outras crianças, demonstrado também numa interação com a sua avó, além da narração de uma voz que parece induzir o garoto ao crime que demarcaria para sempre a vida de todos em Haddonfield. Numa curiosa sessão de julgamento, Michael Myers depõe, algo totalmente diferente do tom misterioso adotado pelo filme. Temos alguns ataques no sanatório, uma festa de Halloween que termina em morte, a sua fuga em detalhes e uma explicação para a habilidade do antagonista na condução de veículos, algo considerado um furo do roteiro do filme. Aqui, Myers teria assumido o controle um carro durante suas ações de sociabilidade da instituição em que esteve internado, num livro que foi estruturado sem o texto dramático para composição, tendo Richard Curtis se baseado no filme para preencher lacunas que deixasse o livro robusto, publicação que delineou o lado sobrenatural do maníaco e a relação com Dr. Loomis.

40 anos depois, John Passarella foi convidado para adaptar Halloween (2018) para a literatura, tendo como missão preencher o livro com insights e motivações para os personagens que ficaram de fora da versão final do filme dirigido por David Gordon Green, retorno de Jamie Lee Curtis para a franquia, produção que desconsiderou todas as continuações após o slasher de 1978. Na publicação, temos observações detalhadas do Dr. Sartain sobre Michael Myers, bem como um desfecho mais incendiário na casa de Laurie Strode. Com roteiro em mãos e tarefa de transformar 110 páginas em 350 para o livro, John Passarella, já experiente ao traduzir as séries Grimm e Supernatural para o formato em questão, expandiu personagens, delineou mais os cenários em suas descrições, destacou a ambiguidade do final com a suposta passagem da tocha de Laurie Strode para a neta Alysson, além das mortes, mais viscerais e detalhadas, haja vista a necessidade do autor em dar conta da tarefa num meio mais complexo, sem os recursos da visualidade cinematográfica. Sem a associação fraternal entre Michael e Laurie, o antagonista fica ainda mais assustador. Temos também um flashback com Dr. Sartain ajudando Michael Myers a fugir do ônibus de transferência e a consciência do narrador sobre o fato do assassino não estar necessariamente atrás de Strode, mas imbuído de sua necessidade de matar.

Como Hollywood é fanática por perguntas acompanhadas de respostas em detalhes, o livro em questão parece sanar o desejo daqueles que querem todas as lacunas preenchidas. O escritor contou, inclusive, que achou o final da versão cinematográfica melhor que a versão anterior que ia para as telas, com um desfecho morno envolvendo a filha de Laurie Strode com um arco e as personagens digladiando com Michael Myers no gramado que fica em frente à casa que é incendiada no epílogo. Para Halloween Kills: O Terror Continua, os editores envolvidos na Novelização chamaram Tim Waggoner para transformar o roteiro da continuação em romance, numa expansão dos personagens e motivações diante do efeito manada estabelecido em Haddonfield ainda na mesma noite dos ataques de Michael Myers. Frases sucintas e com diálogos emocionalmente carregados de tensão embalam a tradução literária que derruba diversas peças do tabuleiro presentes desde 1978, propondo ainda um curioso monologo interior para o antagonista, figura que na tela não profere uma palavra sequer, silencioso e mortal em sua passagem sanguinolenta por uma cidade tomada pelos horrores da violência após quarenta anos dos primeiros crimes de Myers. Eficiente, a Novelização também ganhou versão em audiobook, igualmente detalhista ao tratar minuciosamente cada passagem eletrizante do filme.

Antes destas versões, a franquia tinha sido novelizada em Halloween 2, de Denis Etchison, pseudônimo de Jack Martin, também responsável por transformar em romance o misterioso Halloween 3, trama conhecida por não trazer Michael Myers de volta e tentar transformar a franquia em antologia. Para a parte 2, publicada em novembro de 1981, o escritor tinha muito material para produção, haja vista o roteiro entregue com antecedência e as diversas marcações adotadas durante as mudanças para a versão que chegou aos cinemas. Aqui, temos Laurie Strode sedada no hospital, com retrocesso no tempo de algumas cenas, expansão da presença da produtora do noticiário, personagem que no filme, tem uma breve participação, além de uma série de confusões mentais da protagonista em meio ao caos de uma noite que ainda tem como revelação, o seu parentesco com Michael Myers. Para a tradução de semiose do terceiro filme, o autor investiu no cruzamento das situações presentes no roteiro e suas mudanças adotadas na versão final demonstrada no cinema, tendo também expansão de personagens e conflitos, bem como mudança do foco narrativo para o ponto de vista do Dr. Challis. Ademais, para criar uma relação maior com a franquia em suas ideias originais, isto é, os assassinatos em Haddonfield, Dennis Etchison investiu em referências ao slasher Halloween: A Noite do Terror e também passagens de A Bruma Assassina, tendo em vista empregar algo de John Carpenter na escrita.

Ainda neste universo de transposição do cinema para a literatura, temos Halloween 4, de Nicholas Grabousky, publicação que retorna para os assassinatos de Michael Myers em Haddonfield, uma cidade interiorana marcada para sempre pelos crimes brutais no antagonista mascarado. Tal como as demais publicações do universo, temos aqui a expansão de diálogos, personagens e passagens, tendo como foco preencher o que no filme precisou ser mais dinâmico para atender ao tempo de exibição. Nesta jornada em busca de minúcias, o autor amplia a cena do posto de gasolina, com memórias do Dr. Loomis em profusão diante do encontro literalmente explosivo com Michael Myers, além da descritiva passagem em que o mascarado aniquila o cachorro Sunday, parte integrante da nova família de sua sobrinha. Brady rememora cenas de Halloween 2: O Pesadelo Continua, Rachel tem suas lembranças com Laurie Strode, sua antiga babá, mais destacadas, o reverendo que dá carona ao Dr. Loomis possui uma cena mais longa, numa publicação que também traz a protagonista do primeiro filme de volta, desta vez, num sonho de sua filha, interpretada no cinema por Danielle Harris. Halloween Ends, último episódio da nova trilogia dentro da franquia, também está em processo de novelização e certamente comprovará o interesse constante do público pela convergência midiática, um fenômeno de expansão das possibilidades de consumo dos espectadores e leitores em nosso esquema cultural de múltiplas mídias e diversas opções de contemplação no campo do entretenimento.

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