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Entenda Melhor | Metalinguagem e Sátira: Especiais de Natal dos Simpsons

Uma jornada por 10 episódios natalinos em Springfield, lar dos Simpsons.

por Leonardo Campos
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Depois de tantas temporadas e décadas de presença na mídia, creio que Os Simpsons dispensam grandes apresentações. A divertida família amarela estadunidense que crítica os costumes e transformam o cotidiano da fictícia Springfield foi criada por Matt Groening, num desenvolvimento que contou com a parceria de James L. Brooks para o estabelecimento do sucesso do programa, animação com extenso legado e impacto cultural não apenas nas sociedades ocidentais, mas até mesmo para o território oriental. Homer, Margie, Bart, Lisa e Maggie iniciaram as suas jornadas como personagens ainda nas esquetes prévias, apresentadas no The Tracey Ullman Show, em 1987. Devido ao sucesso conquistado, Os Simpsons se tornaram uma série televisiva própria, exibida durante o horário nobre, ganhando fama por sua ousadia temática e também complexidade que tirava das animações a ideia de direcionamento exclusivo para o público infantil. Educação, meio ambiente, religião, corrupção, consumismo e tantos outros temas fazem parte dos episódios desta icônica série conhecida também por seus especiais anuais de Halloween e Natal. E, é sobre as narrativas natalinas que nós iremos nos deter por aqui, numa seleção de 10 episódios sobre os personagens envoltos em peripécias durante os festejos conhecidos por envolver neve, Papai Noel e suas renas, presentes e críticas ao consumismo, situações inesperadas e burlescas durante a ceia, dentre outros acontecimentos que movem um grupo grande de personagens quase sempre, indo além dos representantes da família e abarcando o painel extenso de coadjuvantes da série.

Estejam preparados. Vamos nessa?

Logo em seu episódio inicial, O Prêmio de Natal, abertura da primeira temporada, a família Simpson está envolta na dinâmica natalina. Há neve, frio, enfeites habituais do período, com Marge e Homer indo juntamente com a pequena Maggie para uma apresentação teatral que demonstra ao seu público as várias facetas do feriado em questão. Atrasados, os patriarcas chegam ao local e assistem fascinados aos filhos se apresentando. Corta para a casa da família, contemplamos Bart e Lisa pedindo os seus presentes natalinos. Ela quer um pônei e ele fazer uma tatuagem, dois presentes nada objetivos e de difícil assimilação por Marge. Homer teme a visita das cunhadas gêmeas, Paty e Selma, além do bônus de Natal ínfimo que o impede de comprar os presentes para colocar na árvore decorada da sala de estar. Ele já não está animado com a sua vibe, pois a iluminação externa da casa ficou bem abaixo do esperado, então, para não decepcionar, resolve fazer um curso para ser um Papai Noel do shopping da cidade. No evento, tem que passar por diversos obstáculos, tais como ser paciente, compreender os desejos da criançada e ainda assumir com postura firme o lugar do bom velhinho. Tudo isso em prol da verba para dar conta do consumismo natalino. O problema é que as coisas não saem como o esperado e depois dos descontos (numa crítica ao sistema de opressão do trabalhador), ele fica com apenas 13 dólares. Resolve fazer uma aposta e é neste momento que o Ajudante de Papai Noel, cão de estimação da família até as temporadas atuais, chega para fazer parte do grupo. Ao entrar em casa com o animal, ele sequer imaginava que a magia natalina fosse se estabelecer entre os filhos e a esposa. Tudo termina em confraternização e alegria para os personagens.

Um dos mais críticos e divertidos momentos natalinos em Os Simpsons é Marge Não Se Orgulhe, episódio 11 da 7ª temporada do programa. O foco aqui é o baderneiro Bart Simpson, garoto entediado que afoito por um novo jogo violento desejado por todas as crianças do país, resolve atender aos seus anseios e rouba uma cópia do produto na loja de departamento da cidade, sendo repreendido pelo inspetor do local. Exibido no programa infantil do Krusty, assistido por Bart e Lisa na abertura do episódio, o jogo mencionado é a febre da garotada. Quem tem, se exibe. Quem não tem, sente inveja. A sua mãe, firme na postura educacional, jura que não vai presentear o filho com um conteúdo tão violento e bizarro. Assim, depois de ser repreendido no furto e ser liberado pelo segurança, Bart sai com a missão de nunca mais voltar ao local. O problema é que a matriarca está interessada em fazer a fotografia natalina anual da família, e, o único local para isso é a tal loja. Ele até tenta se disfarçar, mas os pais não deixam. Resultado: Bart é repreendido lá, humilhado pelo funcionário e tem a sua ação criminosa exibida em diversos televisores, para o assombro de todo mundo. Marge, preocupado por talvez ter mimado demais o garoto, começa a se comportar friamente, deixando Bart angustiado. Para recuperar a sua moral e fazer parte da magia natalina da família, o garoto precisa se desdobrar e receber o devido perdão, algo alcançado apenas próximo ao final, num desfecho com final feliz tipicamente natalino. Aliviado, tudo volta ao normal em sua casa, acolhido e aquecido pela bondade de sua mãe que atravessou apenas um rápido momento de decepção.

Os valores natalinos de transformação diante das adversidades ganham contornos interessantes no décimo episódio da 9ª temporada da série Os Simpsons. No desenvolvimento da trama, Marge organiza os presentes na base da árvore de Natal, já decorada e muito brilhante. Intitulado O Milagre de Natal, aqui temos, mais uma vez, as peripécias de Bart colocando tudo a perder. Depois que a matriarca decide que os mimos serão abertos apenas no dia seguinte, o jovem não consegue segurar a sua ansiedade e mexe nos pacotes um pouco antes do amanhecer. O que ele não esperava era um acidente que incendeia a árvore e destrói todos os presentes. Para não ser punido pela família, o garoto esconde tudo embaixo de uma camada de neve do quintal. Quando todos se reúnem após o barulho do incidente, Bart conta a sua mentira mais sórdida: a família Simpson foi roubada em pleno Natal. Assim, assustados, os personagens começam a circular pela vizinhança, para conferir se as confraternizações estão ruins como a deles. O que acontece é o contrário: todos esbanjam felicidade, do asilo de idosos aos demais locais da cidade visitados. Assim, quando se tornam foco da mídia, Homer, sua esposa e filhos começam a receber as graças natalinas dos habitantes de Springfield. Uma reportagem é exibida na mídia e o que seria um natal tristonho se revela a pura magia natalina. Carregado pela culpa, Bart resolve contar a verdade, algo que culmina numa avalanche de revolta pela cidade, num desfecho em que todos arrancam tudo que podem da casa dos personagens, agora mergulhados no ideal natalino sobre terem, de fato, apenas um ao outro agora. Episódio dinâmico e divertido, este exemplar de Natal dos Simpsons ainda tece críticas ao consumismo no período, com as lojas de presente lotadas e demandas consideradas “superficiais” em um mundo com “outras” urgências.

No episódio Um Grande Malandro, nono da 11ª temporada, a alegria da criançada é estabelecida com o fechamento da escola primária de Springfield. Sabemos que a instituição passa por problemas e a máfia, juntamente com a chegada do Natal e dos interesses comerciais, cede espaço para a administração de uma empresa de brinquedos com motivos escusos. Aqui, a crítica é certeira ao tom inescrupuloso da indústria com o acesso aos dados para concepção de pesquisas de mercado. Por detrás dos quadros e com escutas, alguns investidores concebem o novo brinquedo que será a febre de todas as crianças do país: Funzo, nome de um robô que por sinal, foi escolhido por Lisa quando questionada sobre o nome e o tipo de brinquedo ideal para deixa-la feliz. O conflito e a enxurrada de diálogos críticos e humorados começam quando este brinquedo demonstra posicionamento perverso, uma espécie de assassino que reage de maneira muito arbitrária, inclusive com os demais brinquedos que são os seus concorrentes. Agora, Homer entra para ajudar, numa jornada de destruição destes males que assolam a cidade em plena época natalina. Como é comum nos episódios do programa, temos citações diversas ao nosso imaginário cultural ocidental, aqui, numa abordagem do conto clássico de Charles Dickens e um debate sobre acessibilidade na escola, após Bart se machucar e, por estar temporariamente com mobilidade reduzida, não ter como acessar tranquilamente o espaço repleto de escadas, sem rampas. Não é o melhor episódio natalino da produção, mas é bastante divertido.

Na 13ª temporada, no episódio 06, intitulado Lisa de Pouca Fé, o Natal é utilizado como recurso para reverter a garota ao cristianismo, numa divertida jornada de crítica ao capitalismo e sua presença até mesmo em instâncias religiosas. Tudo começa depois que Bart e Homer testam um foguete no quintal da casa da família e o projeto insano se transforma numa iniciativa científica que sai toda errada. Com o acerto em cheio na igreja da cidade, todos ficam apavorados com a possibilidade de não ter um local para cultos. É quando surge o Sr. Burns, com a proposta de transformar o lugar, mas com a condição de tornar tudo rentável. Assim, depois de assumir o controle, o milionário investe no marketing e em produtos diversos, de refrigerantes aos assentos mais confortáveis, bem como ofertas variadas que fazem do espaço uma espécie de shopping religioso, com telões, máquinas de lanche, dentre outros elementos não esperados em uma igreja. Revoltada no primeiro culto após a reforma, Lisa se rebela e decide partir para o budismo, indo a um templo onde encontra com Richard Gere. Nesta crítica ao campo religioso, temos a família Simpson fazendo o que pode para reverter a situação e resgatar Lisa. Para isso, começam a utilizar atrativos natalinos para ganhar a garota, como o pônei que a menina pediu como presente de Natal. Entre idas e vindas e muito humor ácido, típico do programa, os familiares conseguem convencer a garotinha, terminando tudo de maneira feliz, como se espera das confraternizações tradicionais do período.

Em O Conto de Natal dos Simpsons, episódio 09 da 17ª temporada da série, grande momento da produção, tanto em seu desenvolvimento estético quanto pela audácia do roteiro, somos apresentados aos personagens na igreja da cidade, perplexos com a impossibilidade do reverendo em apresentar o sermão da noite. Ned Flanders resolve interceder, mas depois de cortar o dedo levemente e sangrar, desmaia e abre espaço para que Homer faça a explanação do encontro. Pensamos ser uma jornada de absurdos, mas na verdade, com toda a ironia típica dos Simpsons, o patriarca da família vai para a história do cristianismo e narra, explicando como o feriado natalino se estabeleceu ao longo de sua trajetória ocidental. Lisa interpreta um anjo mensageiro, Bart é uma versão pop de Jesus, Sr. Burns encarna Herodes, Homer é José e Marge é Maria. Depois, temos a história do vovô Simpson, um homem que conta as suas peripécias durante a Segunda Guerra Mundial, uma experiência que envolveu a queda numa ilha e permanência por anos, além do contato com o Papai Noel. Segundo o relato do idoso, quando Papai Noel foi alvo de um ataque na época, ele o ajudou a se reerguer para continuar no percurso de entrega dos presentes para crianças de todo o mundo. Com reflexões e críticas sobre o consumismo e a perda de determinados valores natalinos na contemporaneidade, o episódio ainda flerta com Moe, solitário, tentando se matar, mas sem sucesso, personagem que representa o sentimento de solidão a abandono comum ao período natalino. Com referência ao clássico O Quebra-Nozes, este satisfatório episódio de Natal dos Simpsons é bastante divertido e interessante, um dos melhores do segmento.

Durante os vinte minutos de Um Natal Pra Lá de Especial, episódio 08 da 25ª Temporada, sabemos que faltam apenas duas semanas para o Natal. Na abertura, contemplamos Krusty, o Palhaço, a comentar que daquele momento em diante, a emissora pensou em diminuir o impacto da violência em sua programação, em especial, a esquete da dupla Comichão e Coçadinha, o gato e o rato que vivem constantemente se digladiando. Com muito sangue na neve, acompanhamos os personagens num embate divertido, excessivamente paródico, na habitual crítica que os Simpsons fazem ao esquema de exposição da violência na televisão. Bart e Lisa assistem a tudo pela TV e estão bastante desanimados com o cotidiano considerado sem muita graça. O noticiário começa a informar que, naquele Natal, não haverá neve em Springfield, algo que faz Margie não se preparar para os festejos com as roupas e propostas habituais. Por uma ironia climática, a cidade começa a nevar próximo no período natalino e, por ser um fenômeno do conturbado clima do país, a cidade se torna um espaço abarrotado de turistas de todos os cantos possíveis da nação. Começa então a Lei da Oferta e da Demanda, com os produtos ficando cada vez mais caros e impossíveis de serem adquiridos para a ceia. Ruas engarrafadas, hotéis lotados, um caos estabelecido na cidade. Tudo muda quando Margie recebe uma oferta para recepcionar os visitantes em sua casa, transformando-a num temporário lar, mas a caridade e as intenções da matriarca não são coisas devidamente respeitadas por todos, culminando numa divertida reflexão sobre altruísmo, companheirismo e respeito ao próximo. É um dos melhores episódios natalinos dos Simpsons, tanto no texto quanto nas referências culturais constantes.

No episódio 10 da 30ª Temporada, intitulado Esta é a 30ª Temporada, Bart e Lisa acordam animados e cantarolando clássicos natalinos, com as suas respectivas listas de presentes em mãos, a rodear os pais, interessados em conseguir convencer os adultos a adquirirem a tão sonhada nova Smart TV. Cada uma das crianças tem o seu interesse com o eletrodoméstico, sendo Lisa para coisas mais intelectuais e Bart voltado aos seus projetos birrentos. Preocupada em trazer a alegria para o Natal, Margie decide investir no presente. É quando começa a sua saga de estresse, pois para conseguir o que foi solicitado, eles terão de penar na fila da Black Friday, um lugar que de acordo com a publicidade assistida por Homer, é tão mortal quanto Uma Noite de Crime, mas com promoções no lugar das mortes. Divertido e crítico como todos os demais, acompanhamos a matriarca apavorada com as manchetes e campanhas sobre a promoção envolvendo a TV, em esquetes que demonstram um Papai Noel digladiando com um homem violentamente para conseguir o aparelho. Ao se sentir frustrada depois da ingratidão dos filhos quando o eletrodoméstico não é adquirido, Margie se fecha em copas, sendo levada à força para a Califórnia, tendo em vista passar as férias com os familiares num resort que é um horror de estrutura. No fim, terminam inesperadamente no Bar do Moe, numa confraternização natalina que envolve outros moradores da região. É um final feliz, depois da enxurrada de ironia crítica em relação ao consumismo neste período que, na contemporaneidade, perdeu bastante o seu sentido “original” de celebração.

Na 21ª temporada, no episódio 08, intitulado A Luta Antes do Natal, temos na abertura os desafios de Marge na tentativa de decorar a árvore natalina da casa, ação repreendida por Lisa, irritada com o pinheiro que, segundo o seu relato ambientalista militante, foi assassinado para compor um ritual que acaba devastando a natureza. Bart, em sua ingratidão, é também destaque no episódio e tem uma experiência bastante peculiar com uma viagem ao estilo O Expresso Polar, uma saga ao Polo Norte que muda a sua visão em relação a muitas coisas sobre o Natal. Dividido em três partes, temos ainda uma referência ao filme Bastardos Inglórios, de Tarantino, com Marge colocando as suas armas em punhos para destroçar Hitler e sua horda. Não sendo completamente sobre o período natalino, o desfecho se volta para o período natalino em Springfield, com Marge sendo visitada por Martha Stewart, uma referência televisiva que é um pouco agressiva em sua observação sobre como a dona de casa deve arrumar as coisas para a confraternização natalina. Também com menções ao clássico conto de Charles Dickens, o desfecho assegura momentos felizes, num episódio divertido, mas um pouco dispersivo em seu texto. Há uma participação especial no final, com Kate Perry, cantora que realiza um número musical com os personagens.

Na 23ª temporada, no episódio 09, intitulado Fim de Ano do Futuro Passado, Marge vai ter mais uma situação embaraçosa no Natal, com as dificuldades habituais ao tentar fazer o registro fotográfico para o cartão natalino. Com referências ao clássico A Felicidade Não Se Compra, o filme que “inventou” o Natal tal como o conto de Charles Dickens o fez no campo da literatura, temos uma viagem no tempo, com os personagens em suas possíveis existências na vida adulta. Homer e Marge continuam a sua vida como casados, agora sem os filhos dentro de casa. Maggie, o eterno bebê da família, é uma cantora famosa e grávida, sem saber quem dos três candidatos é o pai de seu filho. Ela tenta a todo custo falar neste episódio, mas é constantemente interrompida. Lisa, casada com Millhouse, continua intelectualizada, mas preocupada com a criação de sua única filha, uma menina relativamente rebelde que vive o tempo todo conectada, num futuro bastante peculiar, com reflexões interessantes sobre avanços tecnológicos no campo da cibercultura. Bart, infeliz com sua vida de divorciado, é um fracassado que não tem o respeito e admiração dos dois filhos. Todos estes personagens, juntos, seguem para Springfield, tendo em vista a confraternização natalina que colocará em xeque as suas ansiedades e fará o espírito do Natal ser reacendido para a icônica família. Um dos melhores episódios de toda a série.

Em linhas gerais, todos os episódios da série Os Simpsons investem em críticas humoradas em relação aos festejos natalinos, com releituras de clássicos e abordagens nada tradicionais para o período. Aqui, foram selecionados apenas 10 episódios, por questões editoriais, mas há outras imersões desta família polêmica neste universo. Ademais, Feliz Natal!

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