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Entenda Melhor | Monstros Aquáticos Icônicos do Cinema

por Leonardo Campos
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Enquanto crítico de cinema sempre atento aos processos evolutivos de determinados subgêneros do cinema, penso que os processos de análise de produtos cinematográficos não devem se ater apenas aos filmes como unidades temáticas, mas também preconizar as reflexões com direcionamento mais abrangente, isto é, estudar uma narrativa como entretenimento unitário, sem deixar de traçar paralelos com movimentos, estilos, etc. Acredito, inclusive, que esse seja o caminho para o fortalecimento da crítica enquanto gênero discursivo relevante para o estabelecimento de debates na arena pulsante da esfera pública. Com os lançamentos relativamente “recentes” de Sea Fever e Ameaça Profunda, fui colocado em questionamentos diversos sobre o potencial das narrativas que exploram o imaginário popular acerca dos animais marinhos, abrangendo também outros espaços aquáticos, como lagos e rios, também férteis para a cristalização de lendas seculares, tais como o Monstro do Lago Ness ou a Lenda do Boto. Desde os meus primeiros anos de ação no Plano Crítico, tendo me dedicado ao Horror Ecológico, em especial, aos filmes e demais produtos culturais que dialogam com o legado de Tubarão, dirigido por Steven Spielberg. Depois de refletir, percebi que são narrativas que alegorizam a nossa existência em constante tensão e suspense. Até mesmo as produções de qualidade duvidosa refletem o poder do imaginário na condução de como entendemos a nossa existência.

No caso de Ameaça Profunda, filme de ação ao estilo Alien, protagonizado por Kristen Stewart, nos deparamos com os mistérios das zonas mais abissais do oceano, um espaço que apesar de toda a nossa evolução no campo da ciência, ainda é alvo de muito mistério. Melhor que a produção em questão é Sea Fever, uma aventura de horror magnética, assustadoramente realista, principalmente por refletir, coincidentemente, os desdobramentos de uma contaminação que é alegoria pura de uma pandemia, algo que se tornou emblemático na era da covid-19, um período ainda tecido pelo contemporâneo, momento de transformação cheio de incertezas, fase que ainda estamos longe de superar em todos os aspectos que regem o nosso cotidiano. Neste filme, os humanos que decidem sair da área prevista para pescaria e atravessar o limiar de uma zona de exclusão se deparam com uma força animal misteriosa. Não tem nada a ver com uma ameaça alienígena, tampouco é uma fera adormecida, tirada de seu sono por causa de um terremoto ou coisa do tipo. O medo aqui vem junto ao fascínio em descobrir um animal marinho sequer imaginado, nos mais diversos aspectos, desde a sua estrutura incerta ao pavor que impõe por não ser uma criatura catalogada, explicada, compreendida para a garantia de uma possível salvação. Sob a direção do cineasta irlandês Neasa Hardiman, também responsável pelo roteiro, nos deparamos com uma criatura tentacular, apresentada pelo eficiente trabalho da equipe de efeitos visuais, “monstro” que é parte aterradora de uma estrutura dramática muito bem arregimentada.

Ao final da produção, cataloguei mais uma vez os filmes sobre o assunto, disponíveis em meu acervo, numa ação aliada ao levantamento das produções que já tinham ganhado uma reflexão escrita. E, para minha surpresa, percebi que ainda havia algumas narrativas que sequer tinham sido conferidas. Noutros casos, talvez pela qualidade duvidosa, ganharam espaço na lixeira da minha memória e foram esquecidas. O texto que se apresenta ao leitor, então, é resultado deste processo. Não é uma análise definitiva, pois nunca se sabe o que será encontrado pelo caminho daqui há alguns anos. Ademais, como alguém que concorda com alguns pontos traçados por Michel Foucault em sua famosa reflexão sobre a “Genealogia e a História”, parte integrante do “clássico” Microfísica do Poder, no processo de análise panorâmica de determinados fenômenos, há sempre espaço para as reminiscências, lacunas, etc. Não serei eu a pessoa a definir cabalmente a história dos animais aquáticos no cinema, mesmo que essa reflexão seja parte de um ambicioso projeto que em sua pretensão, busca compreender ao máximo as narrativas deste universo temático em constante resgate pela indústria, mais frequente na seara do baixo orçamento, mas também presente em produções de luxo, protagonizadas por elenco classe A e com investimento grandioso. Para não limitar o eixo de criaturas monstruosas desta abordagem, o texto trata de monstros que vão além dos confins dos oceanos. Aqui, as piranhas também ganharam destaque. Desconheço filmes com outros peixes que já não tenham ganhados análise. Caso você, caro leitor, conheça algum filme nesta linha, deixa o seu comentário, combinado? Vamos agora aos filmes.

Em 1979, a “Década de Ouro” dos animais assassinos no cinema, o cineasta Charles B. Griffith lançou Das Profundezas, aventura de horror que nos apresenta, ao longo de seus 85 minutos, os ataques de uma misteriosa criatura marinha nas imediações de uma região turística havaiana. Com roteiro assinado por Anne Dyer e Alfred Sweeney, acompanhamos a história dos funcionários desaparecidos de um resort luxuoso, vítimas preambulares para o terror que se pretende instalar posteriormente, tentativa fracassada, haja vista o marasmo e a ausência da criatura em cena, não por uma ousada estratégia narrativa para elevar a tensão, mas por causa do baixo orçamento desta produção que envolve um terremoto subaquático, evento geológico responsável por libertar um peixe histórico aprisionado há eras, sedento por comida. Os seres humanos, como sabemos, serão os principais elementos do seu cardápio. Os pescadores locais querem eliminar, há quem atrapalhe o andamento da pesquisa, outros não conseguem ajudar por incompetência em seu grau mais puro. Enfim, um filme tosco, realizado para captar grana em torno do legado ainda recente de Tubarão, lançado quatro anos antes e ainda bastante comentado na mídia. A direção de fotografia de Ricardo Remias serpenteia a água e emula traços do filme de Spielberg, a música de Russell O’Malley é tão excêntrica quanto a textura percussiva de um giallo e os personagens se expõem em diálogos tão absurdos que beiram ao ridículo. E para piorar, o filme não diverte.

Sabemos que alguns filmes ruins são tão divertidos que se tornam “bons”. Não foi o caso do anterior, tampouco do caso a ser apresentado agora. Quase uma década depois, o cineasta Cirio H. Santiago assumiu o comando de Demon of Paradise, produção que dispensa explicações sobre referências metalinguísticas já em seu cartaz, abertamente inspirado no clássico moderno do tubarão-branco. Também responsável pelo roteiro, escrito com base no argumento de Frederick Bailey, a produção de 97 minutos nos apresenta caçadores ilegais responsáveis por despertar um monstro marinho por causa do uso de dinamite em suas pescas numa região próxima a um resort, situado num lago do Havaí. Alguns historiadores do cinema apontam o filme como uma refilmagem do igualmente bizarro Das Profundezas, mencionado anteriormente. Aqui, um lagarto carnívoro nomeado de Akua, espalha o terror entre os turistas, antes de ser eliminado pela força-tarefa do detetive, de um herpentólogo e a dona do resort, juntos na cruzada em prol da aniquilação da criatura monstruosa. Tosco, porém divertido, o filme é um pastiche dos anos 1950 e 1980, mistura que ainda inclui um sequestro e membros da máfia. A direção de fotografia de Ricardo Remias não se prende ao filme de Spielberg, mas emula bem canhestra algumas passagens, deixando claro o ponto de vista paródico. Como dito, não diverte, de tão entediante.

Dois anos depois, George P. Cosmatos assumiu a direção de Leviathan, uma produção que não se baseia propriamente na estrutura exata de filmes com animais marinhos assassinos, mas que dialoga com muitos elementos deste tipo de narrativa. Inspirado pelo roteiro de David Webb e Jeb Stuart, a narrativa nos apresenta mineiros que descobrem uma embarcação soviética naufragada. O primeiro passo é a descoberta, seguida da procura por indícios ao trazer objetos encontrados, tendo em vista analisar e encontrar possíveis respostas para a curiosidade de todos. O resultado é uma catástrofe, espetáculo de horror e morte que emula muitos elementos de outro clássico moderno, isto é, Alien, O 8º Passageiro, um filme de monstro “por excelência”. Lançada em 1989, a produção é considerada um plágio de O Enigma do Outro Mundo, filme que tal como Abismo do Terror, do mesmo ano, reforça que “nem todos os alienígenas vem do espaço”. A equipe de pesquisadores, grupo que conta com os arquétipos do gênero, descobre que no fundo do mar, uma poderosa e monstruosa força aniquilará todos os membros da expedição. Sob a direção de Sean S. Cunningham, mais conhecido por outro clássico do terror, Sexta-Feira 13, o filme emula muitos elementos de produções sobre animais assassinos, em especial, a fotografia subaquática de Mac Ahlberg, constantemente associada aos mecanismos narrativos de Tubarão.

No ano anterior, 1988, Treat Williams foi protagonista de outro embate entre seres humanos e animais selvagens. Desta vez, além dos tubarões bizarros, mafiosos entravam em combate e nalguns momentos, se comportavam de maneira mais estranha que os animais da história. No incomum Noite dos Tubarões, dirigido por Tonino Ricci, também responsável pelo roteiro, escrito numa parceria com Tito Carpi, acompanhamos James Ziegler (Carlo Mucari), um homem que há anos planejava uma ação contra o governo, algo envolvendo hackers, dados usurpados e rebeldia revolucionária em benefício próprio. Entre chantagens e sentenças, ele vai morar com o irmão, o caçador de tubarões David (Williams), homem que adora a natureza e mora à beira-mar. Há algum tempo ele e Paco (Antonio Fargas) estão atentos aos ataques de um tubarão que aterroriza a costa e ceifa a vida de turistas desavisados. Com um tubarão onipresente, mafiosos e outras pequenas histórias envolvidas, Noite dos Tubarões parece um combo com mais de dois filmes embutidos. É um hibrido de ação que colocou os animais marinhos no meio para talvez, atrair mais espectadores, ideia fracassada, pois a aventura é um tédio tanto no quesito ação quanto na suposta associação com o suspense/terror. Uma década depois, Treat Williams iria enfrentar outro monstro oceânico, desta vez, na refilmagem tosca de Tentáculos, protagonizado ao lado de Famke Janssen.

Nesta mesma época, o realizador Stuart Gillard assumiu a minissérie O Exterminador da Ilha, tendo como guia, o roteiro de Rockne O’ Bannon, dramaturgo que teve como função, produzir essa tradução intersemiótica do romance Creature, de Peter Benchley, escritor fascinado pelas aventuras marinhas. Na trama de 240 minutos, o Dr. Simon Chase (Craig T. Nelson) e a Dra. Amanda Mayson (Kim Cattrall) precisam assegurar que a população de Shark Tooth Island sobreviva ao monstro anfíbio que mescla traços de um tubarão e de um ser humano. Bizarro, não é mesmo? Tal como A Fera do Mar, programa dividido em episódios, aqui acompanhamos um cientista militar fora de controle, envolvido com experiências voltadas aos animais marinhos, responsável pela criação deste ser abominável e perigoso. O seu foco é investigar os motivos da alta taxa de mortes das criaturas aquáticas locais, mas durante o desenvolvimento de seu trabalho, ele morre, deixando o monstro como legado de sangue e horror. Com a razoável trilha sonora de John Van Tongoren, a minissérie contou com a supervisão de Stan Wilson nos convincentes efeitos visuais, eficientes em cena, graças ao trabalho de Thomas Burstyn na direção de fotografia. Com início em 1972, a história radiografa as bases dos conflitos e, ao retornar para os anos 1990, envolvem os espectadores nas necessidades dramáticas dos personagens e suas motivações ao ocuparem os espaços de heróis desta fantasiosa história de monstro.

Outro monstro aquático relativamente contemporâneo é Piranha, telefilme dirigido por Scott P. Levy, guiado pelo roteiro de Alex Simon, uma estrutura dramática que se debruça na refilmagem de Piranha, de Joe Dante, um clássico do horror ecológico, uma das mais bem-sucedidas paródias de Tubarão. Na produção, uma piranha geneticamente modificada sai convenientemente de um tanque de pesquisas governamentais e cai num rio que passa pela área de um resort, com resultados catastróficos. Com Roger Corman na produção executiva, a aventura de horror exclui os elementos de humor do filme de 1978 e deixa apenas as mortes exageradas, mas parcas, para uma narrativa dentro deste segmento. O desdobramento da ação não é diferente dos similares: jovens incautos nadam no lugar e na hora errada, as instituições não dão credibilidade aos que apontam os riscos e no final, os realizadores deixam espaço para continuidade, pois as piranhas se multiplicam e conseguem partir para o oceano, após uma brecha, tal como o bizarro e assumidamente tosco Megapiranha, realizado em 2010, parte integrante das feras assassinas da produtora The Asylum. O telefilme, dirigido e escrito por Eric Forsberg, nos apresenta uma piranha geneticamente modificada, responsável por tocar o terror nas imediações do rio Orinoco, em pleno território venezuelano. Alguns estadunidenses que estão na região em pesquisam tomam a frente para resolver a crise estabelecida pela mutação, algo que envolve criaturas que não devoram apenas humanos e animais, mas cascos de navios, derrubam helicóptero, dentre outras bizarrices.

Alguns anos depois, em 2013, O Terror Que Vem do Lago se revela uma proposta diferenciada, ao menos no que diz respeito ao uso do CGI barato da maioria destas produções classe Z. Com presença de animatrônicos, o diretor Larry Fessenden, norteado pelo roteiro de Tony Daniel e Brian D. Smith, orquestra uma aventura sobre um grupo de jovens que se encontram numa perigosa situação ao festejar a formatura num lago que habita uma monstruosa criatura: um peixe carnívoro gigante, sedento por comida e interessado em colocar o grupo como parte de seu cardápio. Amizades são testadas, questões acerca da sobrevivência sobre pressão e egoísmo são levantadas, mas o filme não consegue, mesmo com seu mencionado diferencial técnico, ir além da bizarrice comum aos demais de seu segmento. O baixo-orçamento, a ausência de um elenco notável e os excessos do próprio argumento impedem qualquer fagulha de credibilidade ao filme, com problemas na direção e no roteiro, pois orçamentos comprometedores nem sempre geram produções ruins. Medo Profundo, por exemplo, sobre os crocodilos australianos, é um caso para ilustração. Sem excessos, sem grandes efeitos visuais e com uma história voltada ao drama humano, o filme conquistou a crítica e já garantiu sequência mais de dez anos após o seu lançamento. Alerta de Perigo, de 2007, trouxe James Van Der Beek como um cientista envolvido numa pesquisa sobre os ataques de um predador gigantesco num lago situado numa região interiorana dos Estados Unidos. Mais cuidadoso que a maioria das produções classe Z mencionadas aqui, a produção foca mais nos relacionamentos na região e por falta de maior orçamento, apresenta muito mal a criatura assassina, uma lula de água doce, confortavelmente habituada ao local, haja vista a profundidade e a temperatura do lago.

Sob a direção de Gary Yates, com roteiro de Mark Mullin, a aventura é bastante machista, com vários momentos toscos de opressão ao personagem feminino mais dominante em cena. Ninguém acredita em sua história e parece que os depoimentos masculinos desta região pesqueira são os únicos que importam. Basta uma testemunha masculina para a expedição em busca do “monstro” ganhar um desenho firme e ser executada. Eles precisam de agilidade, pois o animal tentacular também começou a se alimentar de turistas e moradores locais. Se a preocupação inicial era o misterioso sumiço dos peixes, agora a população precisa enfrentar outros monstros. Os tentáculos, por sinal, apesar de menos numerosos na ficção, quando comparado, por exemplo, aos tubarões, estiveram em Octopus 2 e Monstros Marinhos, ambos de 2001 e 2009, respectivamente, inseridos numa década frutífera para as aventuras classe Z de animais assassinos. No primeiro caso, a sequência de Octopus – Viagem ao Inferno nos apresenta um polvo gigante que mata um mergulhador e seu amigo testemunha, desacreditado, precisa arranjar uma maneira de enfrentar a criatura. Turistas começam a ser atacados, cadáveres aparecem no porto de Nova York e a desconfiança em torno de um assassino em série cai por terra, pois não demora, a criatura apresenta os seus tentáculos e promove um festival de horror, entediante pela ausência durante muito tempo em cena. Yossi Wein assume o roteiro de Michael D. Weiss e consegue fazer pouca coisa em sua direção limitada, tal como o cineasta Jack Perez, também roteirista do tosco Monstros Marinhos, do império trash The Asylum, com participações de Lorenzo Lamas e Debbie Gibson.

Na aventura, duas criaturas marinhas, um tubarão e um polvo, congelados há eras, são despertados do conforto pré-histórico para estabelecer uma onda de mortes e eventos bizarros. Cientistas e militares se unem para resolver a crise, num festival de cenas que não são mais inacreditáveis, mas apenas bizarras e pouco divertidas. É como já mencionado antes. Sabemos que a suspensão da descrença precisa ser parte integrante dos tratados de espectatorialidade em filmes assim, mas o marasmo e a falta de diversão não são opções. Se iremos conferir o material sem conseguir satisfazer nosso interesse por entretenimento, então as produções não possuem credibilidade alguma. É um dado que me faz lembrar O Monstro, de 1980, aventura sobre uma serpente assassina em águas colombianas, parte de um processo de mutação por causa da poluição de uma poderosa empresa no local. A história é a mesma dos similares, o animatrônico é tosco, mas isso seria o de menos, caso houvesse diversão. Não há, pois somos inseridos num festival de tédio que parece não alcançar o desfecho nunca. Alterações genéticas estão presentes também em outros monstros aquáticos, lançados em 2004: Mutantes Assassinos, dirigido por Paul Ziller e escrito por A. G. Lawrence. A trama, situada numa cidade do interior, foca nos estranhos acontecimentos num parque florestal com um lago que atrai banhistas e pescadores. É o turismo e a economia pesqueira em jogo, abruptamente solapados pelo despejo de produtos químicos que prejudicaram a vida subaquática e ainda transformou os peixes em criaturas monstruosamente agressivas, com alto grau de periculosidade. Jovens inconsequentes fazem a festa dos peixes, bem como a insistência de moradores que não aceitam a “quarentena” pesqueira.

Ainda no segmento dos lagos, temos o insosso Terror no Lago Ness, produção que tive o desprazer de assistir numa era de cinefilia incipiente. Era o começo da década de 2000 e meu interesse por cinema era meramente quantitativo. Assistir, assistir e assistir mais e mais. Sem preocupações estéticas ou contextuais. Se a tal criatura mitológica aparece três vezes, ainda assim no escuro, é muito. O filme dirigido e escrito por Chuck Cominsky nos apresenta uma expedição ao lago escocês, em tensão depois que um dos membros desaparece sem deixar vestígios. Os embates entre uma produtora de TV sedenta por imagens da criatura e os cientistas e moradores locais promovem a confusão na história que envolve pouco e peca por não abordar uma lenda tão poderosa, rica em nosso imaginário cultural. Em 1982, outra produção do mesmo nome já havia investido, sem sucesso, nesta história. Dirigida por Larry Buchanan, a narrativa nos apresenta um cientista escocês e um especialista estadunidense juntos, numa confusa história que envolve ovos do tal monstro do lago Ness e uma pessoa que afirma ter conseguido clicar uma foto da criatura mitológica. Importante ressaltar que nós cinéfilos, em especial, os interessados em filmes de ataque animal, carecemos de uma boa história sobre o tal monstro que ainda hoje é tema de debate. Pesquisas recentes confirmaram que o tal monstro é parte da histeria coletiva da sociedade diante das descobertas paleontológicas acerca dos fosseis de dinossauros, algo que não se tinha muitas informações comprobatórias até o século XIX. Para historiadores, são monstros que refletem os medos e ansiedades de uma sociedade despreparadas para os desenvolvimentos científicos que avançavam vertiginosamente, motivação para as acentuadas lendas fantasiosas.

Desde o ano de 565, há relatos sobre esta criatura. Uma foto supostamente “oficial” é datada de 1934. Desde então, muitas pesquisas investiram no assunto. A Universidade de Otago, situada na Nova Zelândia, acredita que uma das possibilidades seja uma espécie de enguia gigante, mas sem dar certeza. Noutro momento, eles coletaram 250 amostras de áreas diferenciadas, da superfície às profundezas, para tentar encontrar vestígios da presença de qualquer criatura exótica, mas nada foi registrado. Porcos, peixes e até mesmo humanos estiveram pelo local há alguns dias, mas nada de uma criatura nas proporções descritas pelos relatos que independente da comprovação ou não, resultou na transformação do lago num dos mais conhecidos pontos turísticos do planeta. Ao leitor, peço uma breve licença para digressões. Outra criatura tentacular que é tema de cinema, mas não necessariamente um monstro assassino é o polvo Paul, personagem do chinês Kill Octopus Paul, filme de ação dirigido por Jiang Xiao sobre um grupo de chineses que partem para a Copa do Mundo na África do Sul, tendo em vista investigar uma rede de carteis voltada ao processo de manipulação dos resultados em apostas internacionais. Para quem desconhece a história, Paul era um polvo vidente, midiaticamente conhecido por ajudar na previsão de resultados em jogos de futebol famosos quando era “consultado” em seu aquário, na Alemanha. Nascido na Inglaterra, a criatura marinha foi transportada para um centro germânico de pesquisas e ficou lá até o desfecho misterioso de sua vida. Conhecido pela astúcia e observação, os polvos foram revistos recentemente em publicações sobre as suas habilidades que vão além do básico instinto animal.

Anfíbios – Criaturas das Profundezas é quem merece menção honrosa por aqui. Apesar da criatura aparecer bastante, o filme peca logo em seu título: anfíbios vivem entre a água e a terra, não exclusivamente num território ou outro. Uma pesquisa envolvendo a busca por indícios de materiais pré-históricos é o combustível para os que estão ne empreitada, mas as coisas não vão bem quando uma criatura começa a empilhar corpos. Uma subtrama tosca com a máfia busca engrossar o caldo dramático, mas só faz atrapalhar ainda mais a confusão toda em torno desta história tosca sobre o que descobriremos ser um escorpião mutante que habita as profundezas. Alguns cartazes de divulgação nos permitem imaginar que talvez seja um crustáceo, mas a falta de limites dos realizadores leva a aventura para um patamar mais alto da bizarrice. Na abertura, o casal morto por nadar em águas improprias já deixa clara a linha referencial, mas fica apenas nisso. O filme dirigido e escrito por Brian Yuzna atrai pelo cartaz sedutor, metalinguístico, parecido com todos os outros que imitam Tubarão, mas não consegue, como esperado, ir além. Outro caso semelhante é A Plataforma, de 2010, comandado por Peter Atencio, com roteiro de Lori Chavez e Scott Martin, trama sobre a equipe de uma plataforma petrolífera que precisa sobreviver ao furioso ataque de uma criatura que habita a região e protege o espaço de explorações do tipo. Frankenfish – Criatura Assassina, O Ataque das Lampreias Assassinas e Feras do Mar seguem a mesma cartilha.

E, para fechar esta viagem, encerro com a revisão de Jurassic World– O Mundo dos Dinossauros, dirigido por Colin Trevorrow, também colaborador do roteiro produzido em parceria com Amanda Silver, Rick Jaffa e Derek Comolly. Além de fazer algumas referências ao cinema de Spielberg, em especial, Tubarão e o próprio universo de Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros, esse é o primeiro da franquia que investe numa criatura exclusivamente subaquática, isto é, o réptil de origem pré-histórica, intitulado mosassauro, “monstro” que devora tubarões como se fossem petiscos durante as exibições para o público do parque, cada vez mais sedento por criaturas exóticas e diferenciadas. É uma era de novas exigências e lidar com o dominante Tiranossauro Rex já não é do interesse do público. Eles querem mais. É pura cultura do excesso, a tal busca por respostas aos nossos medos, ansiedades, curiosidades e outras questões mencionadas na abertura desta reflexão. São criaturas, tanto estas, luxuosas deste filme de alto orçamento e elenco prestigiado, quando os demais toscos e com enredos abaixo da média. Bichos misteriosos que de acordo com os noticiários cotidianos, constantemente são descobertos, analisados, repensados e salvaguardadas as devidas proporções comparativas com as mencionadas criaturas cinematográficas apresentadas por aqui, revelam que a humanidade pode estar num alto estágio de avanço tecnológico e intelectual, mas a natureza e seus mistérios ainda fascinam e demonstra força sobrecomum quando manipuladas inadequadamente. Aos seres humanos que se acham superiores, emulo Shakespeare: há mais coisas misteriosas e inexplicadas entre as profundezas dos oceanos, mares, rios e lagos do planeta Terra do que possa imaginar o destrutivo rolo compressor do capitalismo engendrado por uma parcela da humanidade. O cinema constantemente transforma possibilidades em ficção e o novo normal da vida pós-covid 19 vem para nos mostrar que nem tudo aquilo que imaginamos ser fixidez pode ser manter intacto.

Bônus: Esfera, de Barry Levinson, inspirado no romance homônimo de Michael Crichton, também apresentou uma associação com um monstro tentacular, produção abaixo da média, mas com elenco classe A da indústria hollywoodiana. A baleia de Melville, várias vezes traduzida para o cinema e, consequentemente, para outras mídias, ganhou uma bizarra versão em 2010, tal como o clássico de Verne no igualmente estranho 30 Mil Léguas Submarinas.

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