Home ColunasEntenda Melhor Entenda Melhor | Músicine ou Cinemúsica? – O Casamento Perfeito Entre Artes Imperfeitas

Entenda Melhor | Músicine ou Cinemúsica? – O Casamento Perfeito Entre Artes Imperfeitas

por Karam
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Sabe-se que a música vem acompanhando o cinema desde os seus primórdios. Agora já podemos afirmar que se trata de um bem-sucedido romance. No entanto, durante décadas e décadas a música era apenas uma ferramenta que, unida às várias outras aplicáveis a um filme, se adequava à obra tornando-a, digamos assim, completa. Porém, com o avanço do pensamento teórico sobre as possibilidades da sétima arte, o acompanhamento musical acabou tornando-se um auxiliador da narrativa e até mesmo do desenvolvimento dos personagens, em muitos casos. Ao mesmo tempo, percebeu-se que a música, associada a imagens, tinha a capacidade de conferir um impacto sem igual no espectador, criando atmosferas e sentimentos e assim, fazendo da experiência de se assistir a um filme, algo inesquecível. É extremamente condizente com a realidade, então, afirmar que a música contribuiu para que o cinema alcançasse o estatuto de arte.

Comentei do “avanço do pensamento teórico” e de sua contribuição para que música e cinema alcançassem a glória juntos. No entanto, a junção poderosa dos dois e a descoberta de suas capacidades quando ligados um ao outro, obviamente, não se devem apenas ao “pensamento”. Como Glauber Rocha mesmo dizia, é necessário que se tenha uma ideia na cabeça, sim. Mas também precisamos de uma câmera. Sem ela, não há cinema. Sem ela, não há avanço. E os diretores cinematográficos são aqueles que devem ser citados nesse momento. A inventividade estética e narrativa trazida por muitos, possui o mesmo valor que aquela relacionada à utilização da trilha sonora. Digo isso, pois creio que no cinema todos esses fragmentos de arte se unem para criar uma homogeneidade peculiar para o filme em questão. Não é prazeroso quando a projeção acaba; levantamos-nos da poltrona e sentimos – daí a importância da intuição – que o filme que acabamos de assistir tem um quê de mágico, de diferente, de único?

Assim, que diretores vêm à sua mente quando o assunto é trilha sonora? Martin Scorsese gosta muito de utilizar a bombástica música dos Rolling Stones em seus filmes. Woody Allen prefere uma trilha jazzística. Fellini costumava chamar o grande compositor Nino Rota para criar peças musicais que se adequassem ao seu cinema. Tim Burton mantém uma parceria firme com Danny Elfman, que complementa sonoramente o esplendor gótico dos filmes do diretor. E Quentin Tarantino gosta de brincar com a possibilidade do uso da música no cinema, inserindo-a às vezes de forma diegética, outras com o objetivo de referenciar algo da cultura Pop em meio a um cenário tenso e catastrófico. Perceba como o cineasta inclui a música Cat People, do astro da década de 70 David Bowie no filme Bastardos Inglórios, que se passa durante a 2ª Guerra Mundial, ou seja, na década de 40. É um atestado da liberdade que um diretor cinematográfico consegue atingir no auge de sua confiança como artista.

No entanto, é claro que o campo da música no cinema não pode ser resumido apenas da forma superficial com que apresentei acima diretores e suas particularidades. Há muito mais do que isso a ser explorado. Há uma vasta gama de sentimentos, por exemplo, por trás de uma bela música. Já uma bela música associada a belas imagens pode criar algo transcendental, “maior que a vida”, como se costuma falar. É isso que acontece na cena final de …E o vento Levou. Max Steiner, em sua composição de uma melodia quase que visceral; Victor Fleming, com sua monumental utilização da câmera; a interpretação intensa de Vivien Leigh como Scarlett O’Hara e a bela fotografia que assume tons extremamente melancólicos no último plano, tudo ao mesmo tempo, como numa fusão, cria esse momento histórico do cinema. E dá pra perceber que não foi um mero acaso. Os envolvidos sabiam muito bem o que queriam fazer e se empenharam para que seus objetivos fossem alcançados. O resultado está impresso e eternizado na tela.

Tomemos como exemplo a abertura de O Rei Leão. O compositor Hans Zimmer empenhou-se em trazer para a trilha do filme elementos puramente africanos. Nada mais justo, afinal a história se passa na África. Dessa forma, o grito que ecoa logo nos primeiros segundos já nos introduz ao que está por vir. A sequência de imagens que mostram os animais convivendo harmoniosamente no reino associadas à música Circle of Life, composta por Elton John e Tim Rice (com arranjo de Zimmer) de cara já estabelecem o clima de euforia para o espectador. Dessa forma, no momento em que aquela ordem sofrer um desequilíbrio devido às intervenções do leão renegado Scar, haverá um incômodo e, consequentemente, uma sensação de tristeza pairando sobre o indivíduo que está de frente para a tela. Agora, ele já não está mais assistindo. Agora, ele está vivendo aquilo.

Existem exemplos onde a associação de música e imagens é mais simplista, não dependentes da suntuosidade como nos dois casos referenciados acima. Edukators, um filme alemão contemporâneo, é desse tipo. Há em certo momento uma sequência de cenas ternas envolvendo o trio de amigos que vive um dilema e um senhor que eles sequestraram. São acompanhadas pela doce voz de Jeff Buckley, que entoa Hallelujah, composição de Leonard Cohen. Buckley, por si próprio, tem como característica marcante de sua voz a capacidade de torná-la um instrumento imbuído de sentimentos. Culpa, redenção, solidão, esperança. Nada mais adequado para representar a dificuldade que é o momento de fazer escolhas para os jovens. A voz de Buckley, nesse caso, é como um abrigo para os personagens. E, ao mesmo tempo, acaba servindo da mesma forma para nós, espectadores de Edukators.

E quanto às demais possibilidades do uso da música no cinema? Quer criar tensão? Veja Psicose, de Alfred Hitchcock. Sim, a cena do chuveiro. Bernard Hermann, o brilhante compositor criou um tema eterno e ao mesmo tempo simples, até demais, para aquele momento aterrador. Outra opção seria Tubarão e a trilha frenética de John Williams, que antecipa as investidas do animal. E a relação música/personagem? M – O Vampiro de Dusseldorf, clássico de Fritz Lang. O personagem do título assovia constantemente uma mesma melodia. É isso que faz com que nós o reconheçamos. E no final do filme, é isso que o revela. É o gancho que faz com que possamos, enfim, conhecer o indivíduo e toda a sua complexidade.

Música e cinema. Duas formas de arte. Duas expressões da criatividade humana. Juntas, elas se tornam super-humanas e atingem aqueles que as criaram, revolucionaram e acompanharam o seu desenvolvimento em cheio no coração. É a arte sendo criada e retornando para ser apreciada em forma de ouro puro. Trata-se do único casamento que é uma unanimidade: todos nós sabemos que jamais irá acabar, e seguimos insistindo nele – com dedicação e urgência – mesmo assim. Porque vale a pena.

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