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Entenda Melhor | Poliziotteschi e Krimi: A Peculiar Ação Policial Europeia

por Luiz Santiago
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Poliziotteschi (plural da palavra poliziottesco) é como foram chamados os filmes do ciclo de ação policial que se tornaram muitíssimo popular na Itália entre o início da década de 1960 e o final da década de 1970, embora ainda encontremos até cerca de 1985 produções que tardiamente possam enquadrar-se nesse estilo (como sempre, as datas para esses movimentos são elásticas). Com diversos outros apelidos, como “euro crime“, “crime spaghetti” e “poliziesco” essas fitas refletiam a onda crescente de violência urbana na Itália durante toda a década de 1960, contando desde a escalada dos “crimes comuns” até as ações cada vez mais frequentes da máfia e, conforme se aproximava 1968, a luta entre facções de extrema direita (principalmente Ordine Nuovo, Avanguardia Nazionale, Ordine Nero, Frente Nacional, NAR e Terza Posizione) e de extrema esquerda (principalmente Brigadas Vermelhas, Prima Linea, Gruppo XXII Ottobre, PAC, Autonomia Operaia, Potere Operaio e Lotta Continua) que então abalaram o país.

Na História da Itália, o período que vai do final de 1968 até meados de 1988 é conhecimento como Anos de Chumbo (Anni di Piombo), onde bombardeios, intensas movimentações populares, ações terroristas, assassinatos políticos e grande medo da população + uma onda de incertezas dominaram principalmente (mas não só) o norte do país. Inseridos nesse intenso contexto social e tendo uma influência de temáticas violentas já em andamento na cinematografia do país (o giallo), os filmes de ação policial acabaram refletindo toda essa situação caótica nas telas, embora não fossem feitos exatamente como críticas sociais — havia um outro braço do cinema italiano que se dedicava a isso. O mais irônico, porém, é que mesmo diante de sua intenção escapista, muitos filmes do ciclo não só expunham, como também traziam à tona reflexões, debates e críticas àquela fervorosa conjuntura.

Poliziotteschi

Por Ordem da Cosa Nostra (1972).

Como influências, os italianos incorporaram as mudanças técnicas e narrativas que ocorreriam no cinema americano dos anos 60 (especialmente a partir do miolo da década, com os primeiros frutos daquilo que depois chamaríamos de Nova Hollywood), assim como o estilo de enredos dos filmes exploitation, além de pitadas de giallo, noir, polar e até mesmo de western spaghetti e eurospy (os “filmes de espião” da Europa). Obras que retratavam lutas de classe, sequestros, perseguição de carros, assaltos, tiroteios, atos de terrorismo, máfias, milícias, corrupção em diversas camadas sociais e vigilantismo começaram a aparecer aos montes, sendo a cada ano influenciadas por películas que tratavam de parte desses temas na América, como Bullitt (1968), Perseguidor Implacável (1971), Operação França (1971), O Poderoso Chefão (1972), Magnum 44 (1973), Serpico (1973) e Desejo de Matar (1974).

O ciclo se esgotou no final dos anos 1970 e algumas produções tardias dos anos 80 já traziam doses de comédia e elementos eróticos, como parece ser um caminho frequente para muitos ciclos cinematográficos que começam fortemente engajados em um tema, se tornam muito populares por um período, depois decaem e então incorporam em suas últimas produções ingredientes dramatúrgicos ou mesmo gêneros que nunca perderam o apelo diante do público. Comédia e erotismo são dois desses exemplos.

Poliziotteschi 2

Um outro tipo de bang bang…

O principal diretor do ciclo poliziotteschi foi Fernando Di Leo, mas os espectadores encontrarão fitas desse período dirigidas por figuras apreciadas como Damiano Damiani, Massimo Dallamano, Ruggero Deodato, Lucio Fulci, Umberto Lenzi, Carlo Lizzani, Sergio Martino, Elio Petri, Sergio Sollima e Duccio Tessari.
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Krimi: A Ação Policial na Alemanha

A tradição dos longas alemães classificados como kriminalfilm (vindos da palavra kriminalroman, ou literalmente romance criminal, o que já indica a fonte literária desse subgênero no cinema, assim como fora com o giallo, na Itália) tem um ciclo de produção um pouco mais bem definido que outros momentos cinematográficos. Considera-se algumas produções de 1958 como precursoras diretas do subgênero, que é majoritariamente aceito como iniciado em 1959, com o lançamento do filme A Máscara da Morte; e o fim do ciclo se dá em 1972, quando o público já havia perdido o interesse por esse tipo de produção e um novo momento do “cinema B” na Alemanha surgia como produção em maior escala, os filmes soft porn.

O Abade Negro (1963).

Os filmes krimi foram fortemente influenciados pela literatura policial e pela ficção gótica, com destaque para Edgar Allan Poe, Arthur Conan Doyle, Agatha Christie, James Hadley Chase, mas essencial e principalmente Edgar Wallace, o grande ícone do subgênero. Vale aqui ressaltar que a Alemanha teve uma ampla venda desses livros policiais nos anos 1940, logo depois depois da 2ª Guerra Mundial, e ao longo dos anos 1950. Esses volumes tinha uma tiragem barata e eram publicados sob o selo “rote krimi” (romances criminais vermelhos), que tinham esse nome porque capa dos livros eram de fato vermelhas (e aí está mais um paralelo com o giallo italiano, que por sua vez, teve como base os mesmos livros policiais publicados em livros de capa… amarela).

Além das já citadas influências literárias, nota-se, especialmente no começo do ciclo, marcas do Expressionismo Alemão (com forte apreço por Nosferatu, O Gabinete doDr. Caligari e M – O Vampiro de Düsseldorf), elementos do Realismo Poético Francês, elementos do Noir e uma abordagem de produção (feita inicialmente com os dinamarqueses através da Rialto Film; mas no fim do ciclo, produtores e equipes britânicas, italianas e espanholas também juntaram-se aos alemães) que flertava com a Hammer Films. O horror, portanto, era uma camada cultivada nas entrelinhas dos filmes do ciclo. Uma temática recorrente, como a do “mistério no quarto fechado“, às vezes exposta como McGuffin nas obras, foi por um tempo bastante popular também. Alguns diretores de destaque à frente dos krimi são Harald Reinl, Jürgen Roland, Alfred Vohrer e Franz Josef Gottlieb.

Cinema em Hamburgo (2018) exibindo um dos primeiros krimi: A Máscara da Morte (1959).

Antes do fim do subgênero, em 1972, a comédia e indicações mais sexuais apareciam com frequência, já sinalizando, como aponta o professor Marcus Stiglegger em seu valioso vídeo-ensaio The Case of the Krimi — minha base para a escrita desse Entenda Melhor, por sinal — o gosto do público por outro tipo de tema e abordagem. Vale ainda citar que ao longo do período dos krimi, houveram adaptações de obras de Bryan Edgar Wallace (filho de Edgar Wallace) e duas séries cinematográficas tornaram-se bastante populares: uma de filmes do Dr. Mabuse e outra do Comissário X (Commissioner X).


Os Garotos do Massacre (Violência Nua)

I ragazzi del massacro

Fernando Di Leo

1969

Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita

Indagine su un cittadino al di sopra di ogni sospetto

Elio Petri

1970

Morte Suspeita de uma Adolescente

Morte Sospetta di una Minorenne

Sergio Martino

1975

A Máscara da Morte

Der Frosch Mit Der Maske

Harald Reinl

1959

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