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Entenda Melhor | Rubricas, Roteiro de Cinema e Estrutura Dramática

A importância das rubricas para a composição do texto dramático no cinema.

por Leonardo Campos
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Um roteiro cinematográfico traz uma série de componentes em sua estrutura: trama, escaleta, personagens, diálogos e, dentre tantos outros elementos importantes, as rubricas. Instruções fornecidas pelo autor aos seus leitores, além dos produtores e demais participantes da equipe técnica, pessoas que dependem deste material para a realização das demais tarefas durante o processo de realização artística, as rubricas são fundamentais para a construção de uma narrativa cinematográfica. O seu uso no cinema vem da estrutura dramática teatral. No teatro grego antigo, elas indicavam a entrada e a saída dos personagens, mas ao passo que a sociedade se desenvolveu, os modos de fazer arte concomitantemente se modificaram, acompanhando e espelhando as tendências, representando-as.

Na dissertação Rubrica como literatura da cena: Semiologia da didascália em Querô (Uma reportagem maldita), de Plínio Marcos e El Coordinador, de Benjamin Galemiri, defendida em 2007, pelo pesquisador José Maria Lopes Júnior, somos informados que as rubricas apareceram em maior proporção nos textos dramáticos do século XIX, entretanto, já estavam presentes em produções que nos remetem a dois séculos anteriores. Com o advento da impressão dos textos, fortaleceu-se o culto de leitura dos textos dramáticos. A tarefa das rubricas é reforçar as interpretações acerca do texto dramático. Como sabemos, no geral, a finalidade do roteiro audiovisual é guiar a realização do filme, série ou videoclipe, semelhante ao que ocorre com o texto teatral, transformado em espetáculo para encenação.

Ao trabalharem como guias que auxiliam os diretores e atores a colocarem os textos em prática, as rubricas aparecem imbricadas entre os diálogos e o jogo cênico, tendo como missão dar precisão aos efeitos buscados pelo autor ao tentar expressar as suas ideias criativas. Grandes empreendedoras do discurso que sustenta a trama, as rubricas também podem apresentar as características psicológicas dos personagens. Para o especialista Guilhermo Schimidhuber, as rubricas podem ser descritivas, psicológicas e de opinião. O seu estudo está inserido na seara teatral, mas pode se encaixar perfeitamente nas reflexões cinematográficas. Em linhas gerais, o que devemos saber é que as rubricas descritivas descrevem o espaço e a movimentação dos personagens. As psicológicas descrevem as emoções dos personagens. E no caso das rubricas de opinião, ao passo que o dramaturgo descreve o seu ponto de vista acerca das situações, este acaba por colocar-se diante das reflexões propostas pelo texto a ser encenado.

Vejamos um caso famoso do teatro, mas que pode ser um bom paralelo com os usos das rubricas no cinema. O trecho em questão é a cena de abertura da peça A Falecida, de Nelson Rodrigues, um dos melhores dramaturgos da história do teatro e da literatura brasileira. A capacidade do autor em criar rubricas para os seus textos demonstra a potência das suas produções, textos carregados de significados para diversos campos do saber, tais como a antropologia, a psicanálise e os estudos de teoria do drama e da literatura, dentre outros.

O dramaturgo não apenas utiliza as rubricas como parte do jogo cênico, mas as cria em um ritual literário que as torna intensas durante a leitura, assim, entregando ao realizador (leitor) fortes incrementos para a dinâmica da encenação. Em O Beijo no Asfalto, por exemplo, outra peça famosa, ao invés de utilizar simples marcações comuns do tipo “escurece”, ou expressões triviais, tais como “as cortinas se fecham”, o autor carrega o texto de simbologia ao empregar vocábulos como “trevas”, elevando exponencialmente a carga dramática do que se pretende expor em cena. Há algumas décadas, os roteiros de peças teatrais e, mais recentemente, as produções de cinema tem ganhado bastante espaço no mercado editorial, sendo publicados e consumidos como “literatura”. Tal questão faz parte de uma abrangente e complexa polêmica, constantemente na pauta dos debates entre cineastas, diretores teatrais e estudiosos da literatura.

O nosso papel, ao menos neste momento, é pensa-lo como subsídio para a realização audiovisual, entretanto, um produto que também pode ser lido por pessoas de fora do eixo da indústria ou das faculdades de cinema. Ler um roteiro hoje é uma prática muito comum e semelhante ao consumo de um romance ou conto. Ao passo que voltamos para o eixo audiovisual, em especial o cinema, surge uma questão importante: se as rubricas não serão ditas no diálogo, qual a sua importância para a realização do roteiro? A resposta, caro leitor, é simples e bastante elucidativa: apesar da necessidade dos atores ideais para a encenação dos personagens, as rubricas são muito mais que muletas para a atuação destes profissionais. Elas podem transformar a realização cinematográfica, ao passo que fortalecem a dinâmica entre diretor e atores, auxilia no trabalho de design de produção (direção de arte, cenografia, figurino), da direção de fotografia, além de tornar a leitura dos produtores, profissionais responsáveis por dar o aval para a realização cinematográfica dentro da dinâmica industrial, pois quanto mais polido e sofisticado for o seu texto, maiores são as suas chances de transformá-lo em filme.

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