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Entrevista | Caio Cobra e Enio Berwanger falam sobre o filme “Intervenção – É Proibido Morrer”

Diretor e diretor de fotografia conversaram conosco sobre o longa.

por Rodrigo Pereira
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Larissa e Douglas, protagonistas de Intervenção, olhando para o horizonte com o morro ao fundo.

O filme Intervenção – É Proibido Morrer estreou na Netflix na última semana de 2021 e obteve sucesso ao passar vários dias seguidos no Top 10 da plataforma de streaming. Com foco na vida de Larissa (Bianca Comparato), uma jovem policial idealista, e Douglas (Marcos Palmeira), um realista major da polícia, a obra acompanha o cotidiano deles, dos demais policiais e dos moradores da comunidade e como o descaso do Estado e as políticas de combate às drogas não trazem nada a não ser morte para todos os lados.

O Plano Crítico entrevistou o diretor Caio Cobra e o diretor de fotografia Enio Berwanger sobre a concepção do longa e a conversa pode ser conferida a seguir.


PLANO CRÍTICO: Caio, antes de falar especificamente de Intervenção, gostaria que comentasse um pouco sobre suas inspirações no cinema, sejam diretores, movimentos, filmes, pessoas ou o que mais tenha o feito querer trabalhar com cinema.

CAIO COBRA: O que me fez querer trabalhar com cinema é uma história até engraçada. O primeiro estalo que me acendeu esse desejo foi o filme Rocky. Eu era bem novo quando o assisti pela primeira vez e fiquei maravilhado com tudo, principalmente com a luta final. Fiquei tão empolgado que achei que havia me apaixonado por boxe. Meu pai, vendo meu fascínio, um dia me chamou para assistir uma luta de boxe real na televisão. E eu achei aquilo chato demais. Anos depois compreendi que, na verdade, eu havia me apaixonado não pelo esporte e sim pela capacidade do filme de moldar minhas emoções. Então, estava fisgado.

Sobre os profissionais que me inspiram, posso mencionar vários e ainda faltarão muitos, mas de cabeça: Martin Scorsese, Walter Murch, Robert Towne, Vittorio de Sica, Darius Khondji, Pietro Scalia), Steven Soderbergh, Quentin Tarantino, Roger Deakins, Fernando Meirelles, Billy Wilder, David Fincher, Robert Rodriguez (amo a forma despretensiosa que ele trabalha mais do que a qualidade dos filmes, apesar de realmente amar alguns deles), Anselmo Duarte, Eduardo Coutinho, Francis Ford Coppola, e acho que vou ficar por aqui senão a lista ficaria longa e chata.
Sobre movimentos, o Neorrealismo Italiano e o cinema americano dos anos 1970 me pegam demais.

PC: Vi que Intervenção foi o primeiro longa que você dirigiu dentro do gênero policial, que acaba tendo uma abordagem bastante específica. Como foi a experiência e quais os maiores desafios que encontrou?

CC: Foi uma experiência muito interessante, inclusive, porque apesar de ser o meu primeiro longa de ficção a ser lançado, ele não foi o primeiro a ser filmado. Na verdade, eu rodei o Virando a Mesa antes, que é um filme completamente diferente do Intervenção em tudo. E eles foram rodados com muito pouco tempo entre um e outro, o que me obrigou a literalmente “virar uma chave” na minha cabeça muito rapidamente. Para isso, eu caí de cabeça no mundo dos policiais que trabalham nas UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora ) no Rio de Janeiro e a experiência foi tão crua quanto incrível. Eu tive que me despir de todos os preconceitos de quem não vive aquele cotidiano, e eu tinha muitos, para adentrar uma realidade brutal que me fez querer entender melhor os homens e mulheres que trabalham ali. O que também me fez querer compreender o entorno deles, suas famílias e amigos, a comunidade em que moram e a em que trabalham. O que me levou a querer entender os moradores das comunidades e a delicada dinâmica que rege aqueles lugares e que os torna cada um um microcosmo único. 

Quanto ao maior desafio, creio que foi encontrar o equilíbrio entre entreter e informar.

PC: Gosto como o filme usa uma abordagem intimista, principalmente com Larissa, para mostrar como todos perdem com as políticas de confronto. Essa sempre foi uma ideia da obra ou surgiu durante a produção?

CC: Isso foi o que me atraiu para o projeto antes de mais nada. Eu não queria fazer, e na verdade nem tínhamos orçamento, para um filme de ação. O que me atraiu foi a guerra que se passa não nas ruas e, sim, na cabeça e nas casas de quem vai para as ruas. Para mim sempre foi um filme sobre pessoas.

PC: O filme já estava pronto há bastante tempo, mas, por conta da pandemia, só ficou disponível para o grande público no final de 2021. Acredita que isso impactou de alguma forma na mensagem da obra?

CC: Creio que não porque a mensagem, infelizmente, é atual. No entanto, tive que remover algumas cenas que tornavam o filme datado, mas nada que tivesse um impacto na narrativa.

PC: A Netflix chegou a conversar sobre uma possível série, correto? Como se deu essa situação?

CC: Não estou sabendo. Se houve uma conversa com os produtores, eu não estava envolvido.

PC: Por falar em Netflix, seu novo longa “Virando a Mesa” estreia em janeiro na plataforma. Poderia falar um pouco sobre o filme?

CC: Como disse anteriormente, Virando a Mesa é um filme completamente diferente de Intervenção. É um filme que eu queria que a violência nos divertisse ao invés de chocar, tanto que os personagens agem como se fossem de desenho animado. Eu até brincava no set que os personagens no fundo sabiam que estavam num filme. Tem um pé no exagero, como Snatch, do Guy Richie. Eu falava para os departamentos de arte, figurino e fotografia que não iria deixar a realidade atrapalhar meu filme. É leve e engraçado e com uma trilha sonora soberba. Entretenimento puro e simples.

PC: Intervenção passou vários dias no Top 10 Brasil na plataforma. Esperava esse resultado? E acredita que Virando a Mesa possa superar esse sucesso?

CC: Francamente, eu não esperava. Sabia que teria seu público, mas foi uma feliz surpresa ele ter sido tão bem aceito por tantas pessoas. Sobre Virando a Mesa, prefiro esperar para ver. Antes me surpreender do que me frustrar, então procuro não criar expectativas.

PC: Para finalizarmos, gostaria de saber sua opinião sobre o futuro da indústria cinematográfica nacional. Tendo em vista a falta de investimentos dos últimos anos, acredita em uma melhora no setor?

CC: Eu acho que a necessidade é a mãe da invenção e a falta de investimentos nos leva a ter de criar alternativas. Felizmente, o streaming está aí e já provou que conteúdo nacional é, sim, assistido e, se a conta fecha para quem coloca o dinheiro, isso nos torna atraentes. Sou um eterno otimista e vejo o setor, hoje, com um futuro maravilhoso.

PLANO CRÍTICO: Enio, vi que você trabalha exclusivamente na direção de fotografia desde 1998. Ao longo desses mais de 20 anos, quais foram os projetos que considera seus melhores? Algum deles influenciou suas decisões em Intervenção?

ENIO BERWANGER: Durante muito tempo, trabalhei quase que exclusivamente com filmes publicitários, e institucionais. Em 2008, ganhei o Prêmio ABC (Associação Brasileira de Cinematografia) de Melhor Direção de Fotografia para um filme publicitário. A partir daí, comecei a diversificar meu trabalho, fazendo curta metragens, documentários e me preparando para me dedicar ao conteúdo, longas, séries, etc. Em 2012, fiz a direção de fotografia em um documentário que me marcou muito. Contamos a história de um sobrevivente do Holocausto. Um sobrevivente da barbárie da 2ª Guerra Mundial. O documentário se chama “Sobrevivi ao Holocausto”. Está no Youtube, atualmente. Foi lançado em 2014 e em 2015, com esse documentário, ganhei novamente o Prêmio ABC, desta vez como Melhor Direção de Fotografia para Documentário Longa Metragem. Muito orgulho desse trabalho, tanto pelo assunto que ele apresenta, quanto pelo prêmio que recebi. Quanto a trabalhos que influenciaram a fotografia do Intervenção, eu diria que é uma mistura da minha experiência profissional, com filmes que admiro a cinematografia. Não tem um específico.

PC: Além de suas realizações anteriores, quais são os profissionais, diretores de fotografia ou não, que mais o inspiram dentro do cinema?

EB: Gosto demais do diretor de fotografia Vittorio Storaro. E da maneira que ele estuda os roteiros, pesquisa e chega a um resultado final. Tive o prazer de assistir uma MasterClass dele no Rio de Janeiro em 2018. Um mestre. Roger Deakins também é um mestre que inspira muito. Adapta seu estilo (que ele diz não ter) ao roteiro. Acredito no mesmo conceito dele. O roteiro é que nos vai dizer qual o estilo da cinematografia. E não ao contrário.

PC: Intervenção é seu primeiro trabalho dentro do gênero policial, correto? Como avalia a experiência?

EB: A experiência com o Intervenção foi ótima. Tivemos total apoio nas questões policiais. De profissionais das diferentes polícias do Rio de Janeiro. De como o elenco deveria agir para que não houvesse erros nas atuações. E tudo isso influenciou na cinematografia. Em como a câmera se comportaria. Visitamos algumas UPPs para entender tanto a direção de arte quanto a fotografia. Na minha opinião, conseguimos mostrar no filme este mundo com muita realidade. Não é muito diferente fazer um filme policial ou não. Claro que cenas de ação tem as suas características específicas, muita preparação, segurança e ensaio, mas nada muito diferente de outras experiências. Quando você está filmando, a busca pelo melhor resultado é igual em qualquer tipo de produção.

PC: Como foi administrar a realização e o lançamento do filme em meio a pandemia? Em algum momento achou que o filme pudesse não acontecer?

EB: O filme estava pronto desde o final de 2018. Foi uma questão de distribuição e estratégia de lançamento que acabou atrasando a estreia. Ficou para o começo de 2020, e aí veio a pandemia. Cinemas fechados. Tudo parou. A ideia sempre foi lançar nos cinemas, mas acordos entre produtora, distribuidora e a Netflix acabaram mudando o rumo do filme. Por causa da pandemia, o lançamento ocorreu diretamente na Netflix. Essa demora foi difícil, porém acabou acontecendo com muitas produções, infelizmente. Seria bom ver na tela grande. Eu tive a oportunidade de ver na tela grande e fiquei muito satisfeito. No Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro, em 2019, tivemos uma pré-estreia como convidados do festival. Mas foi só. Sabíamos que, eventualmente, o filme estrearia na Netflix.

PC: O impacto de Tropa de Elite em obras do gênero é inegável e um dos responsáveis pelos filmes, Rodrigo Pimentel, é um dos roteiristas de Intervenção. O quanto a “sombra” de Tropa de Elite influenciou seu trabalho?

EB: Tropa de Elite não teve absolutamente nenhuma influência no Intervenção. A única coisa que os une é o Rodrigo Pimentel. São filmes absolutamente diferentes. Caio Cobra, o diretor, e eu nunca pensamos em ter o Tropa como referência. Pelo contrário. Roteiro diferente, olhar diferente. Decidi propor uma câmera mais observadora e documental em vez de uma câmera agitada. Para o Tropa, a escolha do estilo da câmera foi ótima, mas não serviria para contar a nossa história no Intervenção. Portanto, em nenhum momento sentimos a sombra dos Tropa de Elite 1 e 2, filmes que gosto muito.

PC: Por falar em sombra, considero que a iluminação foi elemento bastante importante para construção de personagens e cenários na obra, marcando as personalidades e influenciando na ambientação. Poderia falar com mais detalhes sobre esse quesito?

EB: Eu tenho uma ligação muito forte com a escolha da luz e do clima da cena. A luz fala e mostra muita coisa que não é dita. Como nós definimos uma câmera mais observadora e tranquila, a luz seria o que daria o drama e a característica do momento dos personagens. A direção de arte do Rafael Targat foi incrível. Trabalhamos juntos para conseguir esse clima de calor do Rio de Janeiro. Ele colocou janelas nos lugares certos para que eu pudesse fazer esse bafo quente do verão carioca ser sentido nos interiores. Pouca luz na UPP, só o necessário para mostrar o desconforto de trabalhar dentro de um container no calor do Rio. As cenas de dentro dos containers sempre tem um certo drama, e a luz sutil ajuda a fortalecer esse sentimento. Nas cenas externas sempre tentamos usar o sol como elemento importante. Mesmo dentro das ruelas da comunidade, sempre tentamos ter um pedaço de luz do sol entrando. Quando não tínhamos, criávamos com as nossas luzes. E usamos lentes anamórficas, que ampliam de certa maneira a “largura” da cena. E isso foi proposital porque filmaríamos quase sempre em espaços pequenos, nas externas e internas. Com as anamórficas isso ficaria mais evidente, o aperto nos containers e nas vielas. E também na casa da Larissa.

PC: Soube que a Netflix cogitou uma série sobre o filme. Houve, de fato, algo nesse sentido?

EB: Foi falado na possibilidade de tentar produzir uma série. (Rodrigo) Pimentel tem muitas histórias que poderiam ser transformadas numa série, mas acabou não acontecendo. Quem sabe agora que o filme está em cartaz, o assunto volte.

PC: A obra passou diversos dias no Top 10 da Netflix Brasil. A equipe esperava uma repercussão positiva assim?

EB: Produtores, distribuidores, roteiristas, diretor e todos nós que trabalhamos no filme acreditávamos muito que seria bem aceito. E aí está a confirmação: chegou ao Top 5 no Brasil. Ainda não estreou na Netflix mundial, porém logo deverá ser liberado para fora do Brasil e aí veremos o que vai acontecer. Como todo filme, ele agrada e desagrada, ainda mais nesse momento de país que estamos vivendo. Se tratando de um filme que mostra um lado da polícia que não é normalmente mostrado, ele causa reflexão. Já ouvi grandes elogios e fortes críticas. Mas esta é a ideia desse filme. Que seja o espectador que reflita e sinta o que vivem os dois lados desse mundo das UPPs.

PC: Para finalizarmos, gostaria de saber sua opinião sobre o futuro da indústria cinematográfica nacional. Tendo em vista a falta de investimentos dos últimos anos, acredita em uma melhora no setor?

EB: Acredito, sim, na melhora do setor. Os streamings estão entrando no mercado brasileiro e produzindo muita coisa boa. Eu acabei de participar das filmagens de uma série para a Netflix. Os investimentos estão chegando e isso é excelente para o nosso mercado. Temos uma estrutura ótima aqui no Brasil. Equipamentos, equipes técnicas e muita história para contar. Difícil saber o que vai acontecer com quem não tem a chance de trabalhar para os streamings. É muito cruel o que está acontecendo. Uma indústria que emprega centenas de milhares de pessoas está travada por questões políticas. Absurdo tudo isso. Incompreensível. A ignorância não há de triunfar.


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