Home Colunas Fora de Plano #05 | Volta às Aulas do Lado de Cá

Fora de Plano #05 | Volta às Aulas do Lado de Cá

por Luiz Santiago
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A mocinha da secretaria me liga de manhã bem cedo, no último dia das minhas férias, quando eu ainda tento prolongar minha estadia na cama – a despeito do calor infernal que nos mata nesse verão janeirístico de 2014.

_ É… oi? Bom dia! Professor Luiz?

_ Huum-hummzzzz….

_ Oi, professor Luiz, aqui é a Neidinha da secretaria do Colégio X, tudo bem? Eu só gostaria de lembrá-lo que…

E me dá a notícia. A esse ponto da conversa eu já estou sentado na cama, tentando entender direito se a Neidinha está falando em português, se é trote, se ela falou mesmo “professor Luiz”… Enquanto pergunta se eu me lembro de datas de planejamento e se eu quero saber a grade de aulas, dou um bocejo monstruoso que provavelmente assusta a coitada, porque ela termina o falatório o mais rápido que pode:

_ … e aguardamos o senhor amanhã, ok? Ótimo retorno, professor.

Todo ano é a mesma coisa. Depois de um mês de férias, voltar a trabalhar é algo bastante difícil, especialmente no ramo da educação. E com isso, não me refiro ao trabalho em si. Eu sou da classe de professores que amam o que fazem. Os problemas são outros: os papéis, a burocracia, os diários, as reuniões pedagógicas, o atendimento aos pais, a correção de provas. E com a volta às aulas, tudo isso também volta. Ai, meu Deus!

O grande dia dia chega. Na portaria do Colégio, dezenas de pais e alunos sorridentes cumprimentam colegas e funcionários da instituição. Os alunos do Ensino Infantil berram a plenos pulmões e o pessoal que organiza a entrada parece estar à beira de um ataque de nervos. Uma mãe me aborda na saída do estacionamento:

_ Sôr Luiz! Ooooiii, querido [beijinho, beijinho] como foi de férias, querido?

_ Foi b….

_ Ah, querido, eu fui ótima também, acabei de falar com a Coordenadora, queria saber se o senhor vai dar aula para os meus filhotes esse ano. O senhor vai dar, não vai, querido? [sorrisinho, sorrisinho] Ai, ai… o senhor sabe que eu não durmo há um mês com esses adolescentes em casa? Mas o senhor está com pressa, não está, querido? Estou lhe segurando, querido?

Enquanto meu cérebro espuma depois de tantos “queridos”, eu tento ser cordial. Mas não é algo muito fácil. Como tenho horror a manhãs – porque demoro muito pra tirar o meu cosplay de ameba e perceber que o dia já começou – minha tendência é falar pouco e às vezes com pouca docilidade. Mas consigo me desvencilhar da matrona e vou me reencontrar com os colegas.

***

O famigerado sinal toca. Eu checo o horário de aulas, seleciono o material das 3 primeiras e subo para o 3º andar. O ano letivo começará em alguns instantes.

E é naquele espaço entre o térreo e a sala de aula que alguma coisa acontece. Os alunos acontecem. E o meu mau humor e minha amebice matutina vão desaparecendo.

Mesmo que não seja a realidade de todos os professores e mesmo que alguns nem se importem com isso, a verdade é que a recepção das salas, a ânsia dos alunos por novidade, a vontade de conversar sobre as férias, a reclamação quando você começa a falar dos planos para o ano letivo, os cadernos novinhos se abrindo, e a frase “…fessôr, eu tava com saudade de você! / das suas aulas / das suas palhaçadas…” fazem todos aqueles papéis e burocracias desaparecerem da nossa mente. Naquele momento nós também nos tornamos um aluno, começando um novo caderno, com novos colegas de classe para compartilhar e para quem transmitir coisas; um ano novinho cheio de surpresas e decepções…

Acreditar que um ano letivo será livre de problemas, raiva e cansaço é querer mentir para si mesmo. Mas olhar tudo como um apocalipse prematuro, dizendo que só há desinteresse e descaso talvez não seja uma forma justa de enxergar a coisa. Toda profissão tem algo de ruim e a nossa é talvez a mais afetada pelo descaso alheio, aquele causado pelo governo ou pela má organização interna de alguns colégios. Mas se pudermos fazer do interior de nossas salas de aula um lugar que supera o exterior, chegaremos ao ponto X da questão. E as consequências de aí ter chegado serão percebidas ao longo dos meses. Até que dezembro aponte no horizonte e todos nós, capengando de cansaço, possamos celebrar os formandos, nos despedir de alguns e sorrir com orgulho pelo trabalho feito,  sabendo que esta é apenas uma parte do ciclo que escolhemos como ocupação, um ciclo iniciado no “volta às aulas” e nunca finalizado.

Ano que vem tem mais.

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