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Fora de Plano #07 | Réquiem

por Luiz Santiago
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A luta é contra o quê? Ou contra quem?

O ano de 2014, para o Brasil, foi antecipado com promessas macabras e gritos de manifestações que iriam incomodar os altos escalões do governo: #NãoVaiTerCopa #PoderPopular #BlackBlocBR. O mês de janeiro e a primeira quinzena de fevereiro mostraram que os cães que latiam também sabiam morder e, independente se avançaram para cima do homem mau ou do homem bom (as interpretações são muitas), o fato é que seus dentes afiados e impulso de ataque fizeram com que barreiras midiáticas, vozes clamantes no deserto e caos ideológico tomassem os meios de comunicação. Querendo ou não, os cães errantes tocaram o terror no grande canil.

No último dia 10 de fevereiro, o cinegrafista da Band, Santiago Andrade, morreu de morte cerebral. Ele foi atingido por um rojão durante um protesto contra o aumento das passagens de ônibus no Rio de Janeiro. O primeiro culpado foi a polícia. Depois do vídeo divulgado pela TV russa, percebeu-se que o artefato havia vindo dos manifestantes. Por mais triste que seja, era tudo o que uma parcela antiprotesto esperava. Alguém foi morto numa manifestação e o culpado não foi a polícia? Louvado seja o deus Marte.

Santiago Andrade foi a 11ª vítima fatal em manifestações. Os atropelamentos, morte por asfixia, inalação de gás lacrimogênio e assassinato (ainda corre a polêmica sobre a morte da ativista Gleise Nana) também compõem a lista.

E o pior? Nenhum lado quer entregar seus culpados ou assumir que há algo de podre em seu meio. Os indivíduos violentos das manifestações clamam por um país melhor atirando coisas nos outros (não vou entrar no mérito de “acidente ou dolo” no caso de Santiago). A polícia consegue abafar casos mais graves de sua atuação e outros crimes contra manifestantes. Se já havia isso num certo ponto das manifestações em meados de 2013, as atuais parecem atrair essa força como um ímã. E atraem isso num momento crítico das nossas movimentações populares: o vazio de metas e a falta de foco. Até os venezuelanos conseguiram sair à nossa frente, este ano, na luta objetiva e engajada contra Maduro.

Para onde segue e para quem grita a atual voz das ruas no Brasil?

O problema maior é uma tendência generalizadora vinda de parte da mídia e dos próprios defensores em ambos os lados. Parece que todo mundo tem que ser 100% culpado. A culpa parece nunca poder ser dividida…

Nem todo policial age como criminoso e nem todo manifestante age como criminoso. Todavia, só um bode expiatório paga o pato da vez. Enquanto isso, as outras culpas e as outras vítimas são esquecidas. O ar de “novidade” espanta a população menos antenada, que passa a fazer juízo de valor com base nos poucos dados de que dispõem. Opiniões sem informação se cristalizam e são sussurradas nas rodas de bares, becos, colégios, transporte público, facebook, twitter…

O que aconteceu com Santiago Andrade e com as outras 10 vítimas fatais em manifestações é um absurdo sem fim e motivo de nosso repúdio para com Black Blocs e seus afiliados ou para com os policiais que se deixam ir pelo mesmo caminho. Nesse rastro, políticos e partidos se alimentam das migalhas dos escândalos e se escondem na sombra daquilo que dizem não ter controle sobre.

Os grupos que sequestraram os protestos (dentro e fora deles) conseguiram fazer um tremendo desserviço ao país. O mesmo tipo de sequestro foi realizado por um modelo de mídia mais “calem a boca e fiquem quietos“. E de sequestro em sequestro, nunca chegamos a nenhuma solução, apenas pedidos de retorno de leis em vigor entre 64 e 85. E os impunes se multiplicam por todos os lados.

Vivemos um tempo de pesar atrás de pesar. Poucos sabem o que pensar e contra quem ou o quê lutar. Criminosos oficiais e civis fazem a festa, geram vítimas e contam com uma tendência jornalística ativa e massiva a seu favor, a ordem de punir apenas um culpado por vez – quando isso acontece. É de se lamentar profundamente. Lamentar os mortos inocentes; lamentar o status dos que realmente querem um país melhor e hoje receiam agir pública e pacificamente; e lamentar os rumos que a nossa democracia está tomando.

Ainda é cedo ou já conseguimos decifrar o rufar dos tambores?

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EDITORIAL DA BANDEIRANTES

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EDITORIAL DA GLOBO

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