O novo filme do Azulão tem gerado reações intensas, como era de se esperar. Muitos foram ao cinema aguardando um herói que espelhasse seus medos mais profundos, mas saíram frustrados porque a obra expõe fragilidades e conflitos (internos e externos) que humanizam o personagem de forma tão universal que, para alguns, parece roubar algo dele. Algo que, na verdade, ele nunca representou com exclusividade: o american way of life. Falam como se o Superman fosse neutro, vazio, alheio ao mundo. Como se fosse possível retirar dele tudo que o conecta ao seu tempo, à cultura, à história. Como se esse personagem, inventado por filhos de imigrantes judeus, não fosse, desde sempre, um ensaio sobre deslocamento, sobre ética em terra estrangeira, sobre a escolha constante entre força e responsabilidade. Ele é um bebê estrangeiro, salvo por uma família rural. Um ser deslocado, tentando se encaixar num mundo que o acolheu. Um estranho que responde à xenofobia com bondade. O que esperar de um herói com essa bagagem?
O incômodo de parte do público revela uma tentativa de esterilizar o simbolismo do personagem, que até pode ser bem utópico, mas é sempre plural. O que irrita não é o Superman em si, mas sua recusa em adotar a brutalidade como solução fácil. É sua afirmação, sem ironia, de que acolher é um ato político. E a frustração surge quando o herói lembra a alguns que banalizaram tanto o mal que a bondade lhes soa como afronta. O Superman de 2025 não está “atualizado“. Ele só voltou às origens. E toca o público não porque se alinha ao momento, mas porque vai na contramão. James Gunn entendeu que, num mundo sarcástico, violento e cínico, a ingenuidade e a hospitalidade podem ser uma forma de revolução. E por isso mesmo teve a coragem de apostar na bondade como linguagem. Tal qual fez o Superman.
Esse delírio contra um “Superwoke” imaginário não trata do filme em si, mas da perda de controle (narrativo) do que o Superman supostamente representaria: um herói que existe apenas para preservar um ideal restrito e excludente; focando nos Estados Unidos e defendendo gente branca de ser esmagada por aliens. Ao abraçar a alteridade (ou seja, assumir o arquétipo de “melhor versão” daquilo que poderíamos ser, como espécie), ele provoca um sentimento de traição nos intolerantes, como se tivesse rompido com uma narrativa ideológica que, ironicamente, é chamada de “ideologia” somente quando pertence aos outros. O Homem de Aço não foi “contaminado” por questões sociais, ele nasceu delas! Desde sua criação, é um símbolo de esperança, fé, amparo e nobreza, não para um grupo seleto, mas para todos. [E sim, podemos problematizar à vontade o seu uso como fantoche do Tio Sam em milhares de histórias em quadrinhos, afinal, ele é um personagem numa indústria cultural e, certamente, já foi submetido a centenas de comportamentos que nunca lhes couberam, assim como a Mulher-Maravilha, por exemplo].
O novo filme segue julgado por ousar mostrar um herói que não odeia e nem destrói à primeira vista. E talvez não haja prova maior de que precisamos do Superman exatamente assim, como ele foi concebido. Não um bom menino que assente para o sistema e impõe sua vontade. Mas um farol arquetípico de bondade e proteção justificada num mundo que insiste em soterrar a paz e as boas relações interpessoais. Outros personagens, com outros nomes, já cumprem muito bem o papel de força bruta e ódio. Ninguém precisa de mais um desses.