Home ColunasFora de Plano #109 | O Declínio dos Textos e a Era dos Vídeos Sobre Séries

Fora de Plano #109 | O Declínio dos Textos e a Era dos Vídeos Sobre Séries

Uma análise sobre a ameaça de extinção dos portais que escrevem sobre seriados.

por Arthur Barbosa
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Com a chegada da TV a cabo e, posteriormente, em virtude da instalação dos diversos serviços de streaming no Brasil, como a pioneira Netflix, criou-se a necessidade de as pessoas discutirem sobre as séries na internet. Nada melhor do que os debates ocorrerem de forma virtual por meio dos sites e dos blogs, não é mesmo?! Ainda mais quando esses ambientes de discussões calorosas são feitos por fãs e para fãs de seriados, em uma paixão avassaladora pelas histórias exibidas ao longo de diversas temporadas. Contudo, com a ampliação das redes sociais, principalmente o Instagram e o TikTok, houve também o crescimento exponencial dos conteúdos em vídeo, os quais, em sua maioria, são muito superficiais.

Eu não sei vocês, mas eu sou da época em que se guardava diversos links na Barra de Favoritos do navegador para vasculhar de forma diária os portais, as mídias que consumo. Me faltam dedos nas mãos para contabilizar o total e, em alguns deles, fui até colaborador, escrevendo notícias, reviews/críticas, especiais e listas. Era viciante – e ainda é, pelos poucos que estão no ar – acompanhar, por exemplo, as críticas semanais, os especiais, as colunas, as listas de variados temas e, claro, as notícias sobre assuntos como séries inéditas, elencos, programações, renovações/cancelamentos e por aí vai… Entretanto, de uns anos pra cá, a realidade é outra. Como os brasileiros já não são leitores assíduos, muitos preferem consumir o conteúdo de vídeos curtos e, assim, acabam preterindo as análises escritas. Infelizmente, a extinção de sites e blogs de filmes, séries e outras artes é uma triste realidade.

Apesar de prazeroso, é um trabalho hercúleo escrever sobre seriados, por exemplo, pois, além do ato de escrever, há a edição nos bastidores, como as seguintes etapas: a pesquisa sobre a série em si e sobre o elenco; a inserção das postagens já publicadas para gerar o hiperlink ao longo do texto de modo a manter o público engajado; a colocação de curiosidades, ficha técnica e tantos outros detalhes pertinentes. Longe de mim estar reclamando disso, mas essa é uma atividade marcada pelo baixo e insatisfatório retorno da maioria dos leitores. Foi-se a época em que havia muitos comentários nas publicações, com debates calorosos sobre séries de grande repercussão, juntamente à curiosidade e ao debate de teorias semanais do que estaria por vir, como na famosa Lost. Hoje, as pessoas preferem consumir os vídeos e, mesmo nas redes sociais, os debates não ocorrem com a mesma intensidade ou qualidade. Vale mais a quantidade exponencial de visualizações do que a reflexão da temática apresentada pelos influenciadores digitais.

Muitas das publicações dos portais que ainda têm fôlego para continuar os trabalhos não têm mais tantos comentários, ou seja, eles não agregam mais como no passado. Para o nosso alívio, há exceções, como o Plano Crítico, que ainda luta e persiste bravamente com as publicações e muitas interações nos comentários. Além da mencionada Lost, diversos outros seriados – dos mais antigos aos atuais – geraram discussões intensas nas publicações de grandes portais, como Game of Thrones, The Sopranos, One Tree Hill, The O.C., Sob Pressão, The Leftovers, ER – Plantão Médico, Friends, The Big Bang Theory, This is Us, The Handmaid’s Tale, Stranger Things, How To Get Away With Murder, dentre tantos outros. É pertinente dizer que existiram séries que aguçavam a curiosidade e a necessidade de cogitar teorias atrás de teorias, pois o lançamento dos episódios era semanal, e não liberado de uma só vez. Atualmente, por intermédio das plataformas de streamig, ocorre a liberação de uma temporada inteira de um determinado conteúdo, fazendo com que o telespectador o consuma, geralmente, de maneira rápida. Isso é péssimo, porque não há tempo para interpretar de forma plena as tramas, sem degustar os enredos, sem criar a expectativa sobre o “nosso casal favorito finalmente ser feliz para sempre”, por exemplo.

Este texto não é uma reclamação de um saudosista, é apenas uma constatação. O tempo muda, as pessoas mudam, a forma de consumir arte audiovisual também muda, impulsionada pelo avanço tecnológico. Ainda teremos mudanças com a famosa Inteligência Artificial (IA), um debate para outra publicação. Com essas mudanças, muitos optam por consumir um vídeo no YouTube, um reels do Instagram, um vídeo curto do TikTok (com uma dancinha de preferência)… Por qual motivo, então, eu vou “perder o meu tempo” lendo parágrafos atrás de parágrafos, sendo que é mais fácil um consumo rápido e instantâneo em vídeo? Sem contar o alcance de milhões de visualizações que trazem aos seus proprietários, algo bem mais fácil de repercutir do que um texto.

Esse modelo contemporâneo afeta drasticamente páginas de material escrito, porque acaba sendo inviável e “desnecessário” escrever críticas/reviews de episódios lançados de uma só vez, afinal “ninguém vai ler” [exceção aqui às séries de antologia]. Mesmo com textos dedicados à temporada inteira, eles não são capazes de trazer imensa profundidade ou refletir todos os detalhes dos episódios individuais. A partir do lançamento semanal, podemos assistir, reassistir, ler críticas, comentar nas publicações e criar teorias até a chegada de um outro episódio. Somado a isso, ocorre ainda o lançamento de uma quantidade assustadora de séries por ano, sendo impossível acompanhar todas elas ao mesmo tempo. Lembro com carinho da época em que eu tinha uma agenda e, nela, eu anotava de forma organizada quando começava e quando terminava as minhas séries preferidas, como Supernatural, seja durante a exibição no SBT, seja durante o lançamento dos episódios na Fall Season americana. Hoje, ficamos reféns das plataformas de streaming, visto que os canais fechados já não fazem mais tanto sucesso e a televisão aberta só exibe séries na programação da madrugada. Até poucos anos atrás, perguntávamos “se tem na Netflix” quando conversávamos sobre um seriado, afinal de contas a empresa era considerada “a gigante do streamig”. Porém, com uma concorrência cada vez mais acirrada entre as empresas, acabaram existindo diversos outros catálogos, com centenas de séries. Resultado: não há tempo suficiente para consumir tudo o que queremos, quiçá ler análises de episódios em separado.

Não quero transparecer ser um chato, um hipócrita, ou contra as empresas prestadoras desse serviço. Contudo, isso é um grande efeito colateral que está sendo deixado por elas e pela mudança de estilo de vida e de consumo dos telespectadores, agora mais imediatistas, dados a um consumo acelerado. Quando acabar a maratona de uma temporada, por exemplo, já terá um novo seriado à sua espera no catálogo. Como consequência, diversos portais fecharam as portas, até mesmo em razão de não terem investidores. A quantia que entra é voltada para a manutenção diária do site. Fica difícil, portanto, escrever para um portal da internet, já que somente o amor e o prazer em fazer isso não são suficientes (temos boletos para pagar!). É preciso ter um motivo a mais, uma razão plausível e, na minha humilde opinião, é a presença dos leitores nos comentários, na divulgação das publicações nas redes sociais, no elogio, na sugestão e também na crítica – por mais ácida que ela possa ser – sobre as nossas ideias. Se você chegou até aqui, você faz parte daquele time que gosta de ler, e não do “nutella”, que só consome vídeos curtos.

Não sendo completamente contra o consumo de vídeos em suas diferentes plataformas, deixo aqui o meu desabafo e o meu alerta sobre a raridade da procura pela leitura em uma preferência quase neurótica por vídeos atrás de vídeos. A grande maioria deles, infelizmente, mostra apenas um “diário de consumo” ou uma “reação momentânea”, e não uma análise real sobre uma determinada obra. É neste ambiente digital de blogs/sites que ocorrem as discussões acaloradas e eternas; há textos com spoilers e sem spoilers; você descobre que há outros fãs de uma determinada série aparentemente “desconhecida”; existem torcidas para a concretização de um acontecimento na trama do seriado; enfim, é um espaço democrático que acolhe fãs de produções de todos os gêneros. É um lugar propício para fazer amizades por toda a vida! Por isso, os comentários dos leitores fazem tudo valer a pena. Se você gosta de um blog ou de um site dedicado ao universo das séries, por favor, comente, interaja, mostre que existe uma pessoa do outro lado da tela acompanhando as publicações. Assim como ao Plano Crítico, desejo vida longa aos sites sobre séries que ainda estão no ar! Apesar de tudo, resistiremos! 

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