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Fora de Plano #114 | O Ano de 2025 na Música

O que houve de melhor na música nacional e internacional!

por Handerson Ornelas
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“Só existe dance music em tempos de guerra.”

100 Horses – Geese

Fim de ano é momento de retrospectiva – e esse texto é definitivamente uma tentativa de emular uma para o mundo da música. Exceto que haja texto, disposição e pretensão para encapsular todos os feitos da mídia musical em um ano, seja lançamentos de singles/álbuns, artistas revelações, falecimento de ícones, videoclipes e novas tendências da indústria. Então, essa retrospectiva possui um recorte claro: destacar os álbuns que mais chamaram a minha atenção neste 2025 repleto de grandes lançamentos.

Para os nerds musicais que garimpam bem as mídias especializadas e portais a procura pelas melhores descobertas musicais, todo ano tem o potencial de ser um excelente ano para a música. Mas esse ano talvez tenha surpreendido pelo número e consistência de lançamentos de qualidade, o que naturalmente também leva a algumas pérolas serem esquecidas na fila do pão em algumas listas de fim de ano.

E para garimpeiros ecléticos, tal como esse que vos escreve, que tentam dividir atenção entre diversos gêneros, é possível notar que todo ano algum gênero tende a se destacar mais. Em 2024, por exemplo, tivemos um dos melhores anos da história recente do pop. Uma coleção de lançamentos espetaculares de divas pops dominou as discussões do que houve de mais relevante no mercado musical no ano passado. Já no caso deste ano de 2025, o zeitgeist musical parece profundamente inclinado para o hip-hop, como poderão observar em minhas análises a seguir. Dividirei meus destaques em partes, orientado principalmente por nichos musicais.
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Um ano admirável para o hip-hop internacional

Logo na abertura de 2025 tivemos Ballonerism, um belo e intimista álbum póstumo de Mac Miller que facilmente configura como um dos melhores de sua carreira. Do lado britânico do rap, Little Simz seguiu se provando provável candidata a mente mais genial do rap da atualidade. Em Lotus, a rapper não tem medo de abrir suas feridas mais profundas e construir uma obra extremamente densa, tanto emocionalmente quando liricamente. Do lado do hip-hop com aquela cadência de beats jazzísticos, o highlight é o ótimo Alfredo 2, manutenção da parceria que deu muito certo entre Freddie Gibbs e The Alchemist, com a entrega de beats e flow cirúrgicos da dupla. Mas na categoria produção e expectativa dentro do gênero é difícil bater o exaltado retorno do Clipse. Let God Sort Em Out marca o primeiro trabalho do duo formado pelos irmãos Pusha T e Malice em mais de 15 anos. Para além de versos afiadíssimos e rimas intrincadas, a elogiada produção de Phareell Williams é recheada dos instrumentais mais inusitados do ano.

Para fechar minhas preferências do rap internacional, vale abrir um capítulo para ressaltar como o gênero inclusive olhou para as pistas de dança. Maior exemplo é aquele que coloco como meu favorito de 2025, o fantástico Don’t Tap The Glass – do sempre genial Tyler, The Creator. Trata-se de um convite para qualquer ouvinte desapegar das telas do telefone e abraçar o mais puro e sincero movimento corporal. Forte influência de R&B, groove no talo, versos ágeis e despretensiosos e aquele selo de qualidade que só a mente inventiva de Tyler sabe produzir. Na mesma frequência temos também o divertidíssimo Hyperyouth da dupla Joey Valence e Brae, sequência do que foi meu disco preferido de 2024. Ainda na mesma toada anárquica e punk de seu antecessor, o novo trabalho adiciona uma variável dançante na equação e soa como a trilha de festa perfeita para uma celebração à juventude.

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Viva a real música popular brasileira e todo seu regionalismo!

Agora, vale citar o impressionante ano da música brasileira. Um ponto importante é observar como a efetiva música popular brasileira foi destaque. E quando uso esse termo eu me refiro a música verdadeiramente popular brasileira, não aquele clichê de violãozinho cult, fala mansa e lírica rebuscada que convencionou-se chamar de MPB. Aproveito para mencionar aqui o que são minhas seis obras favoritas desse ano de 2025 e que sintetizam perfeitamente a pluralidade da música nacional desses tempos. Para começar, Gaby Amarantos gerou uma revolução nortista que conquistou o mundo, com direito a review de Antony Fantano do Needle Drop cheio de elogios. Rock Doido, o quarto disco da cantora paraense é uma ode à cultura paraense com a imponência e personalidade de um clássico. Diante do contexto da COP30 em Belém, que reforçou o orgulho paraense neste ano, foi uma obra que ganhou ainda mais força. Olhando mais ao nordeste, o Baianasystem provou mais uma vez a razão de ser a maior banda da atualidade no Brasil, retornando com seu orgulho latino e veia baiana pulsante no maravilhoso O Mundo Dá Voltas – uma celebração do impacto transformador dos tambores da música latina.

Melodia&Barulho, do fluminense Maui, representa o poder alquimístico de nossa música, mesclando gêneros como pagode, eletrônico e R&B em uma única sonoridade completamente autêntica. Um Mar Para Cada Um, da sempre consistente Luedji Luna, é uma belíssima obra de jazz e soul com aquela aura tipicamente brasileira. Na categoria ‘obra mais divertida do ano’, Música Popular Carioca, do famoso produtor Papatinho, é um forte candidato a vencedor. Um trabalho que celebra o melhor do passado e presente do funk carioca, com um primor criativo absurdo na produção.

Do lado musical mais filosófico, tivemos a volta do poeta Leandro Roque, AKA Emicida. Emicida Racional Volume 2: Mesmas Cores e Mesmos Valores representa o brilhantismo da fase atual do rap brasileiro em uma obra que, dentro de um gênero tão verborrágico, ensina a importância do silêncio e de nossas origens. Por fim, ainda aproveito para uma menção honrosa ao homem do ano – aquele que une todas as tribos: João Gomes, que, ao lado de Mestrinho e Jota.pê, conquistou o Brasil com o álbum Dominguinhos, uma linda homenagem ao gigante que dá nome ao disco.
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O rock brasileiro ainda resiste

Para os leitores mais rockeiros e que reclamariam comigo da falta de guitarras nas indicações nacionais, vou deixar meus dois pratos preferidos do rock brasileiro em 2025. Todo ano algum disco magnífico surge no meu radar aos 46 do segundo tempo e assume posição elevada no meu ranking pessoal do ano. Dessa vez é o caso do extraordinário A Cor Mais Próxima do Cinza, estreia dos paulistanos do Naimaculada, uma revelação que merecia maior destaque nas listas de fim de ano. A palavra que melhor define o grupo é autenticidade, fazendo um som de identidade própria e que demonstra um catálogo bastante diverso de influências. Tem um pouco do post punk de Joy Division, um pouco de psicodelia Pink Floydiana, uma pitada de jazz e uma interpretação ao estilo Cazuza. É uma experiência à qual só ouvindo se faz jus.

Já minha outra indicação de rock nacional foi o esplêndido Nenhuma Estrela, do sempre consistente Terno Rei. O grupo, mais uma vez, prova que são heróis do rock independente no Brasil e continuam uma maturidade exponencial que chega a ser impressionante. A receita da banda continua seguindo aquele prato saboroso de indie rock bem contemplativo, com direito a participação de um último adeus de Lô Borges no álbum.

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Um hip-hop nacional de representatividade, tanto regional quanto de gênero

Tal como citado na cena internacional, vale ressaltar como na cena brasileira o hip-hop teve um dos momentos mais impressionantes dos últimos anos. Por um lado tivemos dois gigantes lançando trabalhos de destaque dentro de suas discografias já invejáveis. Diamantes, Lágrimas e Rostos Para Esquecer mostra um dos lados mais inventivos de BK, fazendo colagens sensacionais de samples, participações ilustres e uma das melhores produções do ano. Já o mineirinho Djonga entregou seu trabalho de praxe – o que já significa por si só uma lírica e um flow absolutamente impecáveis. Quanto Mais Eu Como, Mais Fome Eu Sinto é outro enorme acerto dele e que faz qualquer um refletir o quão difícil é encontrar um rapper tão prolífico e consistente quanto o Djonga atualmente.

Mais uma vez a cena mostrou que, quem ainda se prende a ouvir rap apenas do eixo sudestino está perdendo alguns dos trabalhos mais criativos da cena musical. Basta olhar para dois grandes exemplos da cena nordestina nesse ano, nos trabalhos de Baco Exu do Blues e Don L. Hasos, o mais recente trabalho de Baco, é um excelente retorno à forma depois de alguns lançamentos abaixo da média. Um ótimo álbum que mergulha fundo nas referências do artista soteropolitano e examina sua ancestralidade, seus anseios e fragilidades. Já Don L, com seu Caro Vapor Volume 2, oferece uma linda poesia moderna que encapsula muito bem a volatilidade das relações nos tempos atuais em meio a beats dinâmicos e um brilhante ecossistema musical criado pelo autor.

No entanto, entre tantos feitos interessantes do rap nacional em 2025, o melhor de tudo é notar o quanto as mulheres dominaram a cena. Esse já é um momento histórico de representatividade no cenário do hip-hop brasileiro. Vale citar três que roubaram totalmente o holofote: Stefanie, Ebony e AJuliaCosta. Cada uma representa uma abordagem totalmente distinta de rap, o que só ressalta a complexidade dessas artistas. Stefanie – que estreou com seu Bunmi – faz uma rima robusta, um flow cirúrgico e um conteúdo forte de conscientização social, algo que lembra muito o estilo da Rapsody lá fora. Ebony em seu ótimo KM2 entrega um rap cheio de deboches e esbanjando sensualidade em versos ácidos e mega afiados. Finalizando a trinca, diria que AJuliaCosta talvez seja minha favorita, bradando a todos os cantos a palavra de seu maravilhoso Novo Testamento. A rapper paulista assume uma identidade muito autêntica por trás de versos ousados, gritando mantras feministas com a mesma ferocidade que Djonga reverberou a máxima antirracista “fogo nos racistas”. Uma artista que claramente não tem medo de provocar e que veio para ficar.

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Uma nova geração do indie se consolida

Do universo indie internacional, tivemos algumas das maiores surpresas do ano – tanto para o bem quanto para o mal. Vamos tirar o elefante da sala e comentar logo o lado negativo. Tivemos dois retornos de gigantes que deixaram bastante a desejar: Pink Elephant do Arcade Fire e Deadbeat do Tame Impala. Ambos os trabalhos parecem minúsculos diante da imponência da carreira dessas bandas. Se o disco do Tame Impala pelo menos gerou certa discussão e curiosidade, o do Arcade Fire foi esquecido na semana seguinte a seu lançamento.

Agora, vamos às surpresas positivas, que é o que importa para esse texto. O Car Seat Headrest fez um belo retorno a forma no excelente The Scholars, uma obra que retoma os requintes de disco conceitual do seu emblemático Twin Fantasy, mas agora inserindo algumas características de ópera rock. Na esfera mais “post punk” meu destaque fica para o Cutthroat dos britânicos do Shame, que esbanja energia e efervescência, com direito a música em português sobre Lampião e Maria Bonita (?). Enquanto o trabalho do Shame ficou injustamente meio apagado nas discussões, quem assumiu o holofote de banda do ano provavelmente foi o Turnstile com seu Never Enough. É revigorante ver um grupo saber trabalhar tão bem a sonoridade do hardcore com o pop sem perder sua veia criativa e provocadora. E, mais importante de tudo: ainda sendo reconhecido por isso.

Minha lista de destaques indie ainda conta com mais três achados. Primeiro, o instigante Getting Killed do Geese, um queridinho das listas de melhores do ano e liderado por Cameron Winters, a grande mente “revelação” do indie nesse ano. O Black Country New Road surpreendeu a todos com seu retorno e completa reformulação após a saída do vocalista anterior. Agora com três mulheres dividindo os vocais, o maravilhoso Forever Howlong é uma virada de chave para a carreira do grupo. As letras continuam repletas de inspiração e os arranjos seguem a riqueza harmônica pulsante que é marca da banda. Por fim, vale aplaudir o ótimo trabalho solo do Tunde Adebimpe, o líder do TV On The Radio. Seu álbum intitulado Thee Black Boltz é um daqueles que passaram fora do radar de muitos veículos, mas que faz o dever de casa brilhantemente, misturando aquele típico rock com eletrônico que, embora já meio batido dentro da indústria, mostra frescor diante da autenticidade das composições do artista.

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Um ano de surpresas no universo pop

No universo da música pop, a expectativa era alta após 2024, que se sacramentou como um dos melhores anos recentes do gênero. E, para 2025, a constatação que fica é que tanto o presente quanto o futuro da música pop é latino. De um lado, o grande álbum “conceito” do ano, o excelente Lux da Rosalía. Essa década carecia de uma diva pop que capturasse o experimentalismo sonoro da Björk nos anos 90, e esse espaço parece ser dominado pela Rosalia. A espanhola misturou em um mesmo liquidificador o moderno, o erudito e o sacro, colocou para bater junto de influências latinas e 13 idiomas diferentes. Do outro lado latino, temos simplesmente o artista mais ouvido do mundo. Bad Bunny, com seu Debí Tirar Más Fotos, consolidou a riqueza cultural porto-riquenha em uma linda celebração da vida e da importância de valorizar suas raízes. Ambos são verdadeiras epopeias sonoras que merecem ser aplaudidas.

O restante dos destaques do pop eu diria que estão entre azarões e estrelas em ascensão. Enquanto Sabrina Carpenter e Taylor Swift entregaram obras satisfatórias, mas bem esquecíveis, Miley Cyrus lançou o que é, de longe, o melhor álbum de sua carreira. Fazendo jus ao nome, Something Beautiful é um art pop de arranjos luxuosos, produção recheada de camadas e performances vocais excelentes. Entre as artistas em ascensão, destaco duas: a americana Sudan Archives e a britânica PinkPantheress, ambas mulheres negras utilizando a música eletrônica extremamente bem. Sudan Archives, embora tenha recebido elogios de seu disco anterior, me conquistou de verdade somente em sua obra recente, The BPM. A artista mistura R&B e eletrônico em uma abordagem futurística instigante, firmando um lugar muito autêntico dentro do R&B atual. Quanto a PinkPantheress, este ano ganhou seu primeiro holofote no mainstream com a deliciosa mixtape Fancy That. A britânica sabe fazer um drum n’ bass criativo e absolutamente divertido, se consolidando como uma das artistas mais promissoras dentro do pop.

O lado eletrônico da força

Do lado eletrônico e experimental da força, darei destaque a dois belos achados que fiz esse ano. Primeiro, Tranquilizer, o novo disco do projeto Oneohtrix Point Never, alcunha artística de Daniel Lopatin. O compositor é um mago das texturas eletrônicas, e o que ele entrega nessa obra é nada menos que sublime. Uma colagem de samples, ruídos e cascatas de synths que permitem uma experiência imersiva e atmosférica. O segundo é o ótimo Music Can Hear Us, do DJ Koze, que conversa muito com Tranquilizer nas colagens e na experimentação, mas visando uma experiência menos de ambientação e mais orientado às pistas de dança, com direito a participação de nomes como Damon Albarn.

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À primeira vista, 2025 parece ter muitos paralelos com o ano de 2016. Ambos os anos ficarão reconhecidos tanto pela quantidade de lançamentos emblemáticos para a história recente, que permearão as discussões dos aficionados por música, quanto pela proporção surpreendente de perda de gênios, principalmente da música brasileira. Só para citar alguns, para além das fronteiras tivemos Ozzy, Brian Wilson, Sly Stone; do lado de cá tivemos Hermeto Pascoal, Lô Borges, Arlindo Cruz, Jards Macalé, entre outros.

O equilíbrio da vida tende a ser assim, o que é retirado devido ao avanço do tempo, também é adicionado exatamente graças a ele. Assim, a engrenagem cultural continua a rodar com o surgimento de novos artistas. O que não vale é se render ao discurso burro do clássico “não se faz mais música como antes”. Esse artigo, por si só, é um exercício para combater esse tipo de raciocínio, buscando funcionar também como uma curadoria. Desfrute ao máximo da pluralidade e democracia de acesso à mídia musical que os tempos modernos hoje podem proporcionar – garanto que a experiência será gratificante.

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