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Fora de Plano #14 | Chega de Doutrinação Marxista: Basta de Paulo Freire

por Luiz Santiago
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É um rostinho simpático para um projeto cruel e desumano. Um teórico totalmente alinhado ao marxismo e regimes tirânicos, como o de Fidel Castro. As pessoas pedem mais educação, mas o MEC segue a ideologia do PT..

Criticar o Paulinho? Ah, isso não! Paulo Freire é uma figura sacrossanta! Haja saco… Pedagogia do Oprimido = coitadismo e doutrinação marxista fulera; não recomendo nem para o meu cachorro.

Professor de História responsável pela faixa “Basta de Paulo Freire”.
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Em meio às manifestações contra a presidente Dilma Rousseff ocorridas em várias cidades brasileiras no dia 15/03/2015, foi visto de tudo, tudo mesmo. Como não se tratou de um movimento unívoco em termos ideológicos ou de intenções e propostas para o governo e/ou transformação do país, os cartazes, opiniões e grupos variaram muito, desde pedidos pela volta dos militares, até faixas pedindo impeachment, a volta da Família Real, o voto distrital, e dezenas de outros clamores. Legítimas e dentro do processo democrático, as manifestações marcaram a insatisfação diante da nossa crítica situação política, nossa economia desregulada e os atuais escândalos de corrupção relacionados à Petrobras. Uma pena que tudo se deu da forma como se deu e foi organizada, engrossada e gritada por certos grupos e pessoas que envergonham até os que estão do lado delas.

batmanrevolts

Batsy também estava lá!

Mas dentre tantas faixas, uma chamou muito a atenção de praticamente todo mundo envolvido no meio acadêmico. A tal faixa trazia a frase que usei como título deste Fora de Plano e cuja imagem utilizo em destaque. Estava lá, em toda a sua inglória presença, o “basta de Paulo Freire”.

A pergunta imediata que qualquer pessoa faria a essa exposição é: por que Paulo Freire? Ou melhor: por que não Paulo Freire?

Numa passada rápida por qualquer site, o incauto manifestante vê piscar em seu chamativo vermelho-Mao a seguinte frase: “Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, foi inspirado em ideias marxistas”. E aí… Booooom! Sinos reboam, fogos castristas explodem na Havana-Brasil e o medo dos nossos rebentos se tornarem inquietos rubros de pensamento faz qualquer manifestante ‘bem politizado’ ficar roxo de raiva após passar pela fase verde-nojo à visão de uma pedagogia com esse mote.

Conhecer não é o ato através do qual um sujeito transformado em objeto, recebe dócil e passivamente os conteúdos que outro lhe dá ou lhe impõe. O conhecimento pelo contrário, exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante e implica em inventar e reinventar.

escola

Um dos primeiros pontos da pedagogia de Paulo Freire é entender o espaço escolar como um lugar de aprendizado-e-vida onde a experiência exterior é parte do processo educacional. Esvaziar o aluno do que ele já tem não está em pauta.

Falta serenidade e um pouco mais de conhecimento.

Paulo Feire, como educador, tem Marx (e conceitualmente Gramsci, no sentido de práxis educacional) como base de análise sobre a luta de classes (independente de sua visão política, tente pensar no termo sem fazer alusão ao Manifesto, e, se precisar de ajuda, imagine aquela pirâmide social que o seu professor de História, Geografia, Sociologia ou Filosofia desenhava na lousa) e ao materialismo histórico. Ele não propõe nenhuma ditadura do proletariado. Ele não incita os alunos a saírem com camisetinha do Che gritando Viva La Revolución! Ou que os professores devam fazer planos de tomada do poder com direito a bandeirinha vermelha, confisco da propriedade privada e extermínio a burguesia… Não se deve confundir as ideias expostas pelo teórico em Pedagogia do Oprimido (1974), Educação e Mudança (1979), Extensão ou Comunicação? (1983), Por Uma Pedagogia da Pergunta (1985), A Importância do Ato de Ler (1989), Ação Cultural Para a Liberdade (1991) e Pedagogia da Autonomia (1996) com as desventuras do coitado repórter adolescente em Tintim no País dos Sovietes.

Paulo Freire propunha a noção de que:

  1. ensinar não é transferir conhecimento (nós, professores até brincamos com a ideia joaninha do “derramar o saber“, como se o aluno não pudesse e tivesse que participar desse processo e nós fôssemos o rio eterno da sabedoria sobre o qual nenhuma relação humana com o grupo a ser ensinado é possível);
  2. o aluno não é uma caixa vazia (um dos aspectos pedagógicos famosos — não só em Paulo Freire –, esta visão pode ser confirmada por qualquer professor e por qualquer mãe ou pai durante o processo de educação);
  3. o aluno deve ser sujeito do seu processo de aprendizagem (provavelmente a maioria dos que estão lendo este texto não devem ter tido a oportunidade de dizer a um professor em sala de aula: não concordo com sua opinião. Há professores até hoje que ficam nervosinhos quando um aluno se coloca diante de uma ideia nova. A colocação pode ser educada e buscar uma discussão de ideias — proposta muito cara a Paulo Freire –, mas o professor, dono de um “saber absoluto e inquestionável”, não curte muito ouvir uma palavra de dúvida sobre o que ele diz, especialmente quando se trata de política. Freire, evidentemente, propõe quebrar com esse absolutismo do Mestre e abre espaço para a construção entre os saberes diferentes: o aluno deve se colocar e aprender com o que vai ouvir como resposta, dialogando com o professor ou procurando ele mesmo saber mais sobre o tema pelo qual se interessou. Cidadania e incentivo à pesquisa também são elementos-bases da pedagogia freiriana);
  4. professores e alunos aprendem juntos quando se constrói uma relação de confiança e respeito (mais uma vez, um conceito que pode ser comprovado não só por professores como também por qualquer pai e mãe durante o processo de educação de seus filhos);
  5. a escola pode ser um espaço de pesquisa crítica e geração de novos conhecimentos (Freire se incomodava com o engessamento de ideias ou abordagens, como se o mundo tivesse parado em um tempo e nada de novo, nenhuma pergunta, nenhum “mas e se…?” pudesse surgir para temperar a relação com o conhecimento, que é sempre mutável, fluído e dinâmico, mas que muitas vezes é enxergado como algo imóvel.
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Sabe a doutrinação? Então, Paulo Freire não tinha esse proposta, nem no campo ideológico, nem no campo da chamada “neurose dos resultados”. 

Se você chegou até aqui, seus olhos não caíram. Talvez não tenha nenhum fluído vermelho jorrando do seu nariz ou ouvidos. Você provavelmente está bem. Isso é bom.

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Uma questão de método

Paulo Freire não é o bastião comuna que ameaça a nossa sociedade dentro das salas de aula. Ele é um dos teóricos da educação que não entende o ensino dentro de um bloco de gesso sobre o qual o aluno deve guardar todas as impressões. Decorar nomes de reis, números de mortos em uma guerra, sequência de dinastias, quilometragem das fossas abissais e intrigas palacianas não são exatamente os interesses da educação que ele propõe. Essas coisas são uma possibilidade dentro da educação, não o seu meio primordial.

Mas por que o tipo de visão investigativa para além da “Revista CARAS do passado” é importante para a educação? Porque se você está interessado nas motivações que moveram o passado, é possível que vá procurar saber a mesma coisa para a estrutura do presente. Do Brasil presente. E aí, meu caro, o buraco afunda.

Esse projeto educacional, então, gera medo, porque ele não apenas ensina a regra. Ele também mostra o revés. Ele aponta caminhos para outras possíveis regras. Nesse projeto, o aluno se apropria do que lhe é ensinado (em outras palavras, ele sente tesão por aprender, porque se vê parte do processo e não um espectador passivo cujo nível de ação sobre o meio é zero).

Nesse projeto, a palavra liberdade entra em pauta (e por liberdade não estou falando de uma sala de aula com alunos montados no ventilador, bebendo Ponche Crema, coçando a barba ou ajeitando bandanas e cantando versos de Omara Portuondo). A liberdade do aprendizado; liberdade de participação, de construção conjunta — a que chamamos ensino-aprendizagem; pode parecer medonha demais para certos grupos, especialmente para aqueles que se sentem ameaçados só de ouvir falar no conceito de “liberdade” e, por tabela, apoiam a tutela educacional e Estatal com uma mão dura — não era isso que um montão [não todos, é verdade, mas um montão] de gente estava pedindo? Tutela dos militares?

Paulo Freire tem uma obra bastante extensa. E ele tem um viés erudito — no sentido de base e indicações de outras teorias — em suas análises. Um leitor pode não gostar de Pedagogia do Oprimido, por exemplo, por achar exagerado ou “marxista demais”, mas é quase certo que irá assentir para as afirmações de realidades sociais e um ou outro caminho de ensino apontados pelo autor. Ademais, não é só de um livro que se faz a bibliografia de Paulo Freire. Experimente A Importância do Ato de Ler. Ou Ação Cultural Para a Liberdade.

Ainda é preciso dizer que teorias são lidas e interpretadas. É importante ter cuidado para não tomar a parte pelo todo e atribuir a atitude de professores que, tanto de um lado quanto de outro, leram Paulo Freire com olhar viciado e saíram apregoando doutrinas ou anti-doutrinas para algo que Freire nunca disse ou propôs. Como hoje fazem com Darwin, na questão da evolução das espécies (o homem veio do macaco e outros absurdos) ou no patético darwinismo social.

etica

Valores que normalmente são atribuídos a um cenário fora do mundo escolar, na verdade, fazem parte de uma cadeia de valores que precisam ser discutidos e trabalhados pela escola sim, abrindo espaço para críticas a todas as instituições e seu funcionamento.

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Finalizando

Assim como qualquer teórico, filósofo, pensador, Paulo Freire pode e deve ser questionado, revisto, discutido e criticado. Todavia, para questionar, é preciso conhecer o que se questiona. Para criticar, é preciso ter conhecimento da coisa que se critica. Senão fica aquele discurso de “meu querido diário, eu acho que…” e então passa-se a brigar pelo sexo dos anjos, um ação tão útil e sábia quanto ler Paulo Freire para um chachim ou indicá-lo para um cachorro.

Com algumas interpretações reimaginadas para o século XXI, o projeto pedagógico de Freire ainda é um dos mais interesses e gostosos de se seguir como um dos caminhos educacionais, seja pelo diálogo entre todas as partes envolvidas no processo, seja pela liberdade de ação e aspecto crítico que suas ideias propõem.

A despeito de sua tão temida cadência marxista, em nenhum de seus livros existe doutrinação marxista, como apregoa alguns. Existe uma forma de entender a educação a partir do mundo e realidade histórica de cada grupo de alunos, dos bairros nobres à periferia; dos que possuem um amparo acadêmico familiar àqueles cujo primeiro contato com as letras é feito na escola. Paulo Freire não é o pensador de uma “pedagogia para pobres e miseráveis se revoltarem”, mas da liberdade cultural e social e da conscientização. Ele é o pensador que, mesmo admitindo a [possível] utopia de seu sonho na educação, imaginou um mundo onde as pessoas entendessem que “ser oprimido” é tanto uma inquietante realidade no campo social e de trabalho quanto no tempestuoso e delicado mundo cultural e das ideias.

Não há amanhã sem projeto, sem sonho, sem utopia, sem esperança, sem o trabalho de criação e desenvolvimento de possibilidades que viabilizem a sua concretização. O meu discurso em favor do sonho, da utopia, da liberdade, da democracia é o discurso de quem recusa a acomodação e não deixa morrer em si o gosto de ser gente, que o fatalismo deteriora.

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