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Fora de Plano #46 | Yellow Negroes and Other Imaginary Creatures

por Luiz Santiago
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Yellow Negroes and Other Imaginary Creatures (2018) plano crítico

Foi um colega de trabalho, que divide comigo a cadeira de História (eu, em História Geral, ele, em História do Brasil) que me indicou a leitura de Yellow Negroes and Other Imaginary Creatures, de Yvan Alagbé. A obra teve publicação original pela editora francesa Frémok (FRMK), em 2012, e ganhou uma badalada edição americana no primeiro semestre de 2018, pela New York Review Comics. Esta foi a edição pela qual conheci a obra. Inicialmente, minha intenção era escrever uma crítica para o quadrinho, como de praxe. Mas ao terminar a leitura, concluí que não conseguiria realmente avaliar Yellow Negroes sem “viajar muito”, sem ser enigmático demais ou mais questionador do que avaliador. E este é o tipo de publicação sobre a qual não dá para escrever uma Anti-crítica. Mas eu queria falar um pouco sobre esse quadrinho. Daí a presente crônica.

Nesta caprichada edição estão reunidas obras de Alagbé realizadas entre 1994 e 2011, exceto o capítulo Postscriptum, que é do início de 2018. No volume, um pincel impiedoso traça rostos, corpos e lugares da França, do Canadá, dos Estados Unidos — e do mundo, quando passamos a interpretar o conteúdo, onde muitos desses acontecimentos podem ser aplicados. Através de poesia, narrativa documental (no estilo fatia da vida) e diálogos “clássicos”, o autor nos mostra pessoas solitárias, pessoas com tesão, pessoas racistas, imigrantes ilegais, indivíduos com sonhos massacrados ou colocados em situações onde a ação desesperada acaba sendo a única escolha possível. E, claramente, isso se torna uma péssima escolha.

Durante a leitura, minha mente buscava uma afirmação, uma colocação, uma história cujo centro se ramificasse claramente para uma crítica, para um discurso engajado, para algo um pouco mais explícito, uma declaração sobre qualquer um dos assuntos humanos — e de caráter social — que temos aqui. Mas este não é um quadrinho comum. E claro, eu não encontrei essas coisas de forma aberta. O que encontrei aqui foram pinceladas artísticas e frases, poemas, cartas, de pessoas ou narradores que veem a vida acontecer e apenas colocam isso para que os outros também vejam esses acontecimentos. A exceção está no Postscriptum, mas os capítulos Love, Yellow Negroes, Dyaa, The Suitcase, Postcard From Montreuil e Sand Niggers trazem as reflexão não-óbvias que me impediram de escrever a crítica.

plano critico Yellow Negroes and Other Imaginary Creatures parte 1

Ao fazer uma exposição de sofrimentos universais de maneira nada convencional (em arte e texto), Yvan Alagbé captura o leitor também de uma maneira não convencional. Eu terminei a leitura com aquela sensação de ter gostado do que li, mas não necessariamente capturado tudo o que lá estava. Não porque seja uma obra difícil. Nem o capítulo poético pode ser classificado como “difícil de entender“, este não é o caso aqui. Mas a sensação de que existe muito mais coisa sendo narrada e muito mais significados no roteiro me deixou uma impressão estranha. Há, de maneira leve, uma ligação temática entre as histórias do volume e as condições humanas, histórias e íntimas (às vezes, até fantásticas) se misturam. A fusão do mito com a realidade, do sonho com o cotidiano e das preocupações imediatas de todas as pessoas aqui representadas são, em parte, também nossas. E é aí que eu começo a concluir esse pequeno desabafo com a relação de representatividade aqui em voga.

Eu já escrevi um Plano Polêmico sobre o assunto, chamado Negros nos Quadrinhos e Essa Tal de Representatividade. Todavia, quando falo de representatividade aqui, aponto a minha relação, como leitor e pessoa, com essa obra em específico, e que talvez esse mutirão de dúvidas e incertezas em relação ao que ela traz (note que não estou trabalhando na esfera da qualidade técnica, que já apontei antes. Estou agora na esfera dos fatores pessoais, também indissociável do processo de maturação de uma obra) venha por estar pessoalmente fora do tipo central de indivíduo aqui representado: o homem negro. A vivência de algumas coisas (olhares, palavras, comparações, como temos na história Yellow Negroes) certamente encontrará de maneira muito mais forte aqueles que já passaram por essas coisas e talvez esse caminho de identificação crie um elo forte com a obra e vá permitir um maior aproveitamento de todo o resto.

plano critico Yellow Negroes and Other Imaginary Creatures parte 2

Para terminar, quero deixar claro que não achei Yellow Negroes and Other Imaginary Creatures uma obra-prima nem uma das “visões definitivas” sobre temas raciais, sociais, políticos, psicológicos e até antropológicos que o autor aqui representa, com personagens negros, homens e mulheres, nos holofotes. As muitas reflexões sobre lidar com os significados e digerir o quadrinho que exponho aqui vieram apenas como levantamento de uma bola para a discussão, no lugar de uma crítica que poderia escrever a respeito — uma crítica que, confesso, não estava nada preparado para escrever quando terminei a leitura. Na verdade, nem sabia por onde começar. Diferente da crônica. E isso me faz encerrar essas observações sobre o vazio pós-leitura com uma reflexão a respeito de como alguns quadrinhos simplesmente nos fazem pensar demais sobre o seu conteúdo e, às vezes, não nos deixa chegar em lugar algum. Já tiveram essa experiência?

Yellow Negroes and Other Imaginary Creatures (Nègres Jaunes et Autres Créatures Imaginaires)
Editora original: Frémok (FRMK), França, 2012
Editora americana: New York Review Comics, 2018
Roteiro: Yvan Alagbé
Arte: Yvan Alagbé
Capa: Yvan Alagbé
Tradução para o inglês: Donald Nicholson-Smith
120 páginas

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