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Fora de Plano #54 | Agnès Varda

por Luiz Santiago
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Preciso me preparar para dizer adeus e achar a paz necessária para isso.

Agnès Varda, Festival de Berlim, 13 de fevereiro de 2019

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Manhã de 29 de março de 2019. Um dia frio. Eu me preparo sem pressa para ir para o trabalho. Pego o celular para checar alguma nova mensagem, enquanto tomo café. Surge a notificação de um amigo: “Lu, Agnès Varda morreu“. E meu dia até então comum, feliz, deixa de ser um bom dia.

Eu conheci Agnès Varda em 2010, durante uma pesquisa sobre filmes que retratavam processos políticos de intensas transformações ao redor do mundo. Então caí em um curta-metragem chamado Saudações, Cubanos!, de 1971, filmado durante a visita da diretora a Cuba, em 1963. Foi com este filme que conheci o nome, o cinema e o estilo de Agnès Varda.

Demorou mais um ano até que eu voltasse a ter contato com a diretora, curiosamente, não em um de seus filmes, mas em um documentário onde ela é entrevistada e onde os diretores adotaram um modelo diferente de entrevista, numa homenagem estilística à imensa mulher que tinham para entrevistar. O nome do documentário é Da Água Para o Vinho (2007) e foi a partir desse momento que eu não consegui mais desgrudar da diretora.

Sempre estive à esquerda no espectro político, mas nunca numa esquerda oficial, de partido. […] Não faço política nos meus filmes, mas o espírito deles é solidário, de estar do lado das mulheres e dos trabalhadores.

Agnès Varda, Festival de Berlim, 13 de fevereiro de 2019

Para nós, cinéfilos, existe essencialmente três grandes categorias de diretores: os que nós odiamos ou simplesmente não gostamos; os que nós temos certa indiferença, acompanhado uma obra ou outra, mas sem grandes afagos; e os que nós realmente admiramos, numa categoria que subdivide-se em inúmeras camadas de demonstração de amor, atribuição de valor e respeito para com artista e sua obra. Varda é uma das artistas que compõem a camada mais alta dessa categoria para mim. E é por isso que sua morte me traz tanta tristeza.

  • Sua última conferência de imprensa. Festival de Berlim, 13 de fevereiro de 2019

A carreira cinematográfica de Agnès Varda começou em 1955, quando da estreia de seu primeiro longa-metragem, La Pointe-Courte, no Festival de Cannes. O filme não só trouxe para a Sétima Arte um gigantesco talento em forma de diretora, como também serviu de marco histórico: deu início à Nouvelle Vague Francesa. É por este motivo que alguns ensaístas, críticos e jornalistas chamam-na de mãe ou pioneira dessa vanguarda.

Ao longo dos anos, Agnès (que nasceu Arlette, na cidade de Bruxelas, Bélgica, em 30 de maio de 1928) foi criando uma obra que flertava com a fotografia, com um tipo muito particular de documentário, com causas sociais, com o feminismo, com grupos de trabalhadores. Em 1962 ela dirigiu o que viria a ser o seu filme mais conhecido, Cléo das 5 às 7, e no final do mesmo ano se casaria com o grande amor de sua vida, o cineasta Jacques Demy, com quem permaneceu por 28 anos, até a morte dele. Da longa filmografia de Varda, os grandes destaques, além dos filmes já citados, são: As Duas Faces da Felicidade (1965), As Criaturas (1966), Uma Canta, a Outra Não (1977), Os Renegados (1985), Jacquot de Nantes (1991), As Cento e uma Noites (1995), Os Catadores e Eu (2000), As Praias de Agnès (2008) e Visages, Villages (2017), este último, indicado ao Oscar de Melhor Documentário, em 2018.

Se você é curioso, você sempre tem algo a dizer. Sempre luto contra a estupidez, inclusive a minha própria.

Agnès Varda, Festival de Berlim, 13 de fevereiro de 2019

Mãe de Mathieu Demy e Rosalie Varda, ambos com carreira no cinema, Agnès nos deixa um gigantesco legado de criatividade e de pioneirismo no cinema. Amante de gatos, praias e plantas; dona de um famoso corte de cabelo e de uma filmografia de altíssima qualidade, Agnès Varda parte, aos 90 anos de idade, vítima de câncer. Em 13 de fevereiro de 2019, a cineasta fez a sua despedida oficial, lançando, no Festival de Berlim, o documentário Varda par Agnès – Causerie, onde fala de sua obra e sua vida. Um legado inestimável. Descanse em paz, Agnès Varda!

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