Home Colunas Fora de Plano #73 | Daft Punk: O Fim da revolução dos robôs

Fora de Plano #73 | Daft Punk: O Fim da revolução dos robôs

por Handerson Ornelas
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Se o punk lá na década de 70 foi cunhado com base na clássica ideia do “faça você mesmo”, definitivamente não há nada que represente tão bem o movimento quanto o Daft Punk. A carreira da dupla francesa foi, durante seus 28 anos, sinônimo de autenticidade, questionando ao máximo o jeito de fazer e divulgar música. Diante do gigantesco legado deixado por Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem-Christo, é impossível para qualquer amante de música pop não ficar arrasado com a notícia dessa segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021: depois de anos sem qualquer sinal na mídia, os robôs informam, através de um vídeo, o encerramento do duo.

As contribuições para a indústria musical são inúmeras. Chega a ser curioso imaginar um cenário da música atual sem Daft Punk. A começar por todo apelo estético, algo que influenciou uma série de artistas a reinventarem suas imagens, apresentando uma atitude que virou referência inigualável. E o anonimato também é parte importante disso, um fator que serviu pra amplificar a aura mística por trás da dupla, provavelmente o ápice do quão cool uma celebridade poderia ser. Dentro desse mesmo universo estético, o Daft Punk elevou o meio audiovisual a outros patamares através de videoclipes e filmes que configuram entre os mais emblemáticos que a indústria da música já viu. Isso sem falar em suas apresentações ao vivo (quem não gostaria de ter visto o famoso show do Coachella?), que moldaram uma indústria inteira de shows e definiu a explosão da EDM nos anos 2000 e 2010.

Mas vamos falar agora de música em si, sons, vibrações. Em apenas quatro álbuns de estúdio (e mais uma trilha sonora), o duo francês moldou uma geração musical inteira. Desde seu disco de estreia em 1997, Homework, o duo fez direitinho a lição de casa (perdoe meu trocadilho infame) e ajudou na difusão do house pelos anos 90 através do extraordinário hit Around The World. Já em 2001, lançaram um verdadeiro clássico: Discovery é uma daquelas obras divisoras de água para o mercado da música pop. A música eletrônica foi elevada a um novo status no mainstream, sendo assimilada por completo pelo pop na medida que funcionalizou o autotune – ferramenta tão polêmica naquela época – ao utilizar de forma criativa e visionária a famosa “voz robótica”. Nomes como Kanye West, Bon Iver, Lady Gaga ou Drake não seriam nada sem esse disco.

É interessante notar que até os dois álbuns mais “divisivos” apresentaram um impacto notório na música dos anos seguintes. Humans After All veio em 2003 para influenciar uma geração inteira de bandas de rock que passaram a inserir forte apelo eletrônico em suas músicas, o LCD Soundsystem sendo o maior exemplo disso. 10 anos depois, Random Access Memories chega como um anúncio bombástico de retorno. E me lembro ainda da surpresa de muitos pela abordagem retrô, melancólica e orgânica do álbum, se afastando do house que popularizou tanto a dupla. RAM foi o maior sucesso comercial do Daft Punk, chegando a levar 5 prêmios Grammy em 2014, inclusive de álbum do ano. Trata-se de um dos discos definitivos da última década: a EDM – bastante em alta naquela época – perdeu força e precisou se reformular nos anos seguintes, enquanto dentro do pop iniciou-se um apelo exponencial por sonoridades mais orgânicas das décadas de 70 e 80.

Eu jamais esquecerei a expectativa absurda que criei para Random Access Memories. Naquela sexta-feira que o álbum foi lançado, lembro de acordar pulando da cama indo direto ouvir, quase como se minha vida dependesse daquilo. A experiência que tive ao ouvir pela primeira vez aquele álbum é uma das memórias musicais mais inesquecíveis da minha vida. E sim, é muito triste saber que isso nunca mais se repetirá. A revolução dos robôs chegou ao fim, mas foi um reinado soberano. É difícil imaginar outros artistas que demonstraram tamanho controle e domínio sobre suas carreiras, influenciando absurdamente com uma discografia tão curta. Não poderiam ser humanos mesmo. Por fim, ficam registradas as últimas palavras de Touch, a belíssima canção do Random Access Memories que embala o vídeo de despedida da dupla.

Toque, doce toque

Você me deu muito para sentir

Doce toque
Você quase me convenceu que sou real

Eu preciso de algo mais

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