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Fora de Plano #74 | Geração Big Brother, Pânico 4 e a Busca Patológica Pela Fama

por Leonardo Campos
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 “O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário”. Essa é uma frase famosa, atribuída ao “gênio” Einstein, constantemente utilizada em debates sobre busca incessante pela fama. Chamada de Geração Big Brother, haja vista a era de pessoas que desejam alcançar poder, fama e se tornarem celebridades para gozar de determinados privilégios de nossas respectivas existências, esse momento da vida contemporânea nos remete ao quarto filme da franquia Pânico, uma obra-prima do entretenimento, forte candidato a clássico moderno, ponto alto do slasher contemporâneo, narrativa que mescla diversão e conteúdo em doses equilibradas. Ao retomar o filme para revisar e escrever esse texto reflexivo, relembrei do que certa vez, o famoso artista pop Andy Warhol refletiu. Em suas “profecias”, ele disse que haveria um dia em que todas as pessoas teriam os seus 15 minutos de fama. Ou então, os desejaria em algum momento. A reflexão profética é uma realidade, ao menos desejado, na contemporaneidade, mas essa busca desenfreada pela projeção na cultura da mídia para alcançar sucesso não é coisa da atualidade. Em minha navegação com bússola, isto é, as palavras-chave adequadas para o encontro de reflexões que dialoguem com o tema, tive acesso ao elucidativo artigo de Nelson Traquina, intitulado “O estudo do Jornalismo no século XX”, texto onde o especialista reforça o meu ponto de vista e alega que esta busca desenfreada por fama não é algo tão atual.

Ele aponta que essa prática de deslumbramento pelo mundo das celebridades nos remete também ao século XV, especificamente no ano da morte de Shakespeare, por volta de 1616, época em que 30% dos 25 livros noticiosos tratavam do modo de vida das rainhas, bem como notícias sensacionalistas e assassinatos misteriosos e polêmicos. Considerei a informação bastante curiosa, pois muita gente acredita que a busca pela fama é algo especificamente do mundo atual. Como já mencionado, sabemos que isso se tornou mais intenso com a “certa” democratização da internet, da televisão, bem como o advento das redes sociais. Assim, ser uma celebridade, aparentemente, é fazer parte de um esquema de vendas, não apenas de pequenas e grandes marcas, mas também da imagem de uma pessoa. Além da vontade de ser parte da teia glamorosa tecida cotidianamente pelos jornais e redes sociais, os adeptos ao posto de famosos tornam-se um perigo para si mesmos quando a obsessão pela fama se torna uma questão patológica, algo ilustrados em Pânico 4. Se até Aquiles*, herói do poema homérico Ilíada, já sabia que morreria nos confrontos de Troia, alvejado em seu calcanhar, por qual motivos pessoas menores como Jill Roberts, prima de Sidney Prescott, não iria desejar a fama para ascensão de seus desejos patológicos pessoais?

“Eu Já Contei Tantas Mentiras Que Comecei a Acreditar Nelas”: Fama e Psicopatia

Em A Busca pela Fama, artigo da jornalista Paloma Bueno, publicado no Correio Paulista, a especialista afirma que a fama em alguns casos deixou de ser consequência, mas um objetivo. Plataformas como BBB e outros genéricos são veículos que promovem o desejo de fama alimentado por estes indivíduos, muitas vezes baseados em aspectos superficiais. A busca pela fama às vezes se torna patológica. Na ficção, filmes e séries já trataram muito bem a temática, tais como o musical Hairspray – Em Busca Pela Fama e a série Star, ambos sobre jovens em busca de sucesso no bojo da indústria cultural. No entanto, nenhum deles é tão impactante quanto Pânico 4, orquestrado por Wes Craven e escrito por Kevin Williamson, filme que encerra a franquia com uma interessante discussão sobre a obsessão pela fama e pelos tais “minutos de sucesso” na sociedade do espetáculo, conceito de Guy Debord desenvolvido em meados do século XX, ainda relevante hoje, na atual era das redes sociais.

Na produção, a protagonista Sidney (Neve Campbell) já foi vítima nos três filmes anteriores. Dez anos depois da sua história de vida ter se tornado um fenômeno midiático contra a sua vontade, ela decidiu escrever para espantar os fantasmas do passado. Com o livro, vem a turnê de lançamento. O problema é que na parada em sua cidade natal, a semente do mal que habita o seu passado retornou para ceifar não apenas a sua vida, mas eliminar as pessoas que gravitam em torno da sua existência. É a sina de Sidney. Depois de muitas cenas metalinguísticas, o filme alcança o seu auge com a revelação dos responsáveis pelos crimes. Jill (Emma Roberts) é parte do projeto de matança. Tocada pela tocha da inveja por conta do sucesso da prima, decide esboçar o seu próprio plano de celebridade.

Ela pretende matar Sidney, para surgir como heroína de uma cena criminal que deixou imenso rastro de sangue. Ela, como sobrevivente, iria se transformar numa celebridade instantânea. Ao revelar a sua identidade, Jill deixa claro que atualmente, basta acontecer algo ruim na vida de alguém para que esta pessoa se torne famosa, reforçando ainda que a internet é um dos lugares onde as pessoas se tornam famosas atualmente. Para a jovem, não é preciso ter amigos, mas fãs. Ela reitera que hoje ninguém lê e tudo que precisamos se encontra na internet. A reflexão é de 2011, mas ainda cabível na atualidade. O que Jill faz para simular o lugar de vítima beira ao absurdo, talvez ao nonsense, mas na verdade é uma alegoria da falta de limites das pessoas quando o assunto é saciar o desejo por fama e sucesso.

Mas, Afinal, Vale a Pena Ser Uma Pessoa famosa?

Os psicólogos estadunidenses Daniel Kahne e Amos Tversky desenvolveram alguns estudos sobre raciocínio humano que desaguam no campo da heurística, isto é, ciência que tem por objetivo a descoberta de fatos. Para os especialistas, há uma tendência em muitos seres humanos para o que eles chamam de “heurística da representatividade”, isto é, a celebridade deve possuir traços que permitam rotulá-la e integrá-la num conjunto. Seremos populares quanto mais se recordarem de nós. Para isso, alguns recorrem para atitudes como chamar à atenção, revelando a vida íntima, expondo histórias de sexo, morte, sedução, tendo em vista despertar a curiosidade pública. Há alguns anos, um programa televisivo fez uma reportagem de grande repercussão, intitulada “Síndrome da Fama”. Nos depoimentos, algumas pessoas disseram que fariam de tudo para estar ao lado de seus ídolos, mas, em contrapartida, tais ídolos deixavam claros em seus depoimentos que fariam de tido para ter sossego e uma vida comum. Complexo, concorda? Alguns estudos nos mostram que determinadas pessoas colocam as suas vidas em risco, através de comportamentos autodestrutivos e perigosos, tendo em vista acompanhar a popularidade de seus ícones midiáticos. No Instagram, por exemplo, é algo cotidiano.

É atraente ser famoso? Sim. Na abertura, explanei uma série de privilégios que podem justificar essa busca. O problema é que a fama vem como uma série de variantes: a liberdade tolhida para dizer o que pensa, ou então, o preço que se paga pela que é dito, principalmente diante das redes sociais e das formas de comunicação contemporâneas, a famosa cultura do cancelamento. Bastou um deslize para os prints e compartilhamentos destruírem a carreira de determinadas celebridades instantâneas ou manchar a trajetória de pessoas já consagradas. Para alguns famosos, a fama beira ao insuportável, principalmente quando o assédio se torna excessivo. Além da falta de privacidade, você pode sofrer represálias ou ser alfinetado em momentos difíceis da sua vida, tais como luto ou fracasso pela perda de algum ente famoso. Ter inteligência emocional e não transformar tudo em apenas deslumbramento é um dos caminhos para se manter famoso por longa data. Um dos caminhos é o equilíbrio diante de tantas emoções e egos possivelmente inflados.

Para estas pessoas, cabe o devido exercício da inteligência emocional, pois muitas não conseguem se firmar na mídia por muito tempo, como é o caso da maioria dos ex-participantes de programas como o Big Brother Brasil e A Fazenda. Aos que posam nus em revistas ou fazem constantes barracos em eventos, o sucesso ainda perdura por um tempo maior, mas na maioria dos casos, o ostracismo é o caminho mais certo. No final das contas, para que serve a celebridade? Alguns especialistas acreditam que “o famoso” seja a tela na qual as pessoas comuns projetam coisas que lhe faltam. Para que elas servem? Estes mesmos profissionais apontam que elas agenciam uma diferenciação num mundo que se deseja construído por iguais. A grande falácia deste processo é o fato de que muita gente acredita que o sucesso está atrelado ao reconhecimento público. A popularidade, em muitos casos, pouco tem a ver com a contribuição de muitos “desconhecidos” para o progresso da humanidade. O que dizer de cientistas, professores, jornalistas, médicos e domésticas que fazem grandes coisas pelo desenvolvimento social sem sequer serem notados durante a trajetória de suas vidas? A nossa sociedade está doente e carece de propostas de intervenção urgentes, pois uma revolução reflexiva precisa, mais do que nunca, ser “televisionada” e compartilhada. Personagem representativa deste processo, Jill é uma das personalidades doentias da ficção,  trabalhada cuidadosamente pelo roteiro de Pânico 4, um retorno triunfal para uma das melhores franquias do cinema contemporâneo.

No tópico seguinte, uma análise geral do filme, decupado.

Pânico 4: Metalinguagem na Era das Redes Sociais e Aplicativos

Caso um filme fosse exclusivamente dependente das bilheterias para a comprovação de sua qualidade e relevância, Pânico 4 teria sido mais um caso inexpressivo na atual cultura do entretenimento. Com os resultados financeiros abaixo do estouro financeiro de seus antecessores, a produção é mais uma abordagem sofisticada da metalinguagem, revisitada ao longo do espiral de insanidade estabelecido pelos dois assassinos que atacam no retorno da final girl Sidney Prescott, durante a sua turnê de seu livro, para Woodsboro. Em sua turnê da publicação escrita para expurgar os seus traumas internos, a protagonista reencontra os personagens de David Arquette e Courtney Cox, para mais uma incursão de medo, violência e outros desafios de sobrevivência. Com uma abertura metalinguística tripla, Pânico 4 reflete a violência na era das redes sociais e do amplo alcance da imagem no mundo virtual. É uma sociedade confusa em seus valores, a clamar por heróis que muitas vezes, não passam de figuras mais frágeis que seus adoradores.

Nesta incursão, novas histórias são resgatadas, os diálogos referenciais tornam-se ainda mais humorados e sagazes, numa narrativa empolgante, divertida e bastante reflexiva. Em seu desfecho, nos perguntamos: qual o preço da fama? O quão amplo pode ser um ferimento promovido por um trauma que insiste em retornar para se fazer presente e memorável? O incessante desejo pela fama pode ser patológico? São algumas questões que podem ser levantadas ao longo da sessão de entretenimento deste quarto momento da franquia dirigida por Wes Craven. O quinto filme, programado para 2022, trará os personagens principais de volta, com mais algumas doses de metalinguagem e provável imersão numa cultura que tem como combustível, as redes sociais, agora mais potencializadas que em 2011. Agora, chegou o nosso momento de análise pormenorizada do filme. Acompanhe alguns quadros e veja alguns dos principais momentos de Pânico 4.  Vamos nessa?

Em sua abertura, Pânico 4 traz discussões sobre os limites da indústria em seu processo de reciclagem de narrativas já desgastadas no circuito de produção e consumo. Enquanto assistem ao filme dentro do filme, as personagens debatem acerca do desenvolvimento do terror na contemporaneidade. Uma delas (abaixo) diz que as refilmagens de meninas asiáticas e zumbis já chegaram ao excesso e a outra, irritada, a esfaqueia durante a discussão. Esta é uma cena de Facada 7, ironia dos realizadores para sagas como Jogos Mortais e afins, exauridas e bizarras depois que passaram dos seus três episódios iniciais. Sobre as personagens anteriores, morenas, temos uma discussão sobre o novo contexto das redes sociais e dos psicopatas. Discute-se sobre o Assassino do Facebook e logo mais, saberemos que elas são personagens de Facada 6, assistidas pela dupla de Facada 7, também personagens assistidas por outras duas jovens do contexto de Pânico 4, mais desenvolvido no próximo tópico. Destaque: num breve trecho, um dos diálogos critica a metalinguagem pós-moderna e num tom sarcástico e autorreferencial, diz isso funcionou em 1996, mas que agora não mais.

As primeiras vítimas de Pânico 4 discutem os absurdos da franquia Facada. Uma delas critica o nível de inteligência dos filmes e aponta que falta lógica e bom-senso dos desenvolvedores. A outra, num tom humorado, diz que a amiga está pensando demais, tendo como resposta uma rápida devolutiva: “eu estou pensando demais ou estes realizadores estão pensando de menos?”. Ao explicar que esse é o motivo para não assistir estes filmes de terror, ela continua o dialogo com sua amiga que delineia os caminhos da saga Facada, inicialmente inspirada na vida de Sidney Prescott, desgastada mais adiante com os rumos da história que até teve uma viagem no tempo em seu quinto filme. Ao trazer referências importantes da metalinguagem na cultura pop recente, o diálogo reflete como os filmes da saga de Ghostface são alimentados pelo arcabouço de referências ao gênero terror, em especial, o slasher, para se manter na ativa, acionando antigos cinéfilos interessados no tema e também as novas gerações.

Depois da clássica cena de abertura com as mortes que estabelecerão o tom de Pânico 4, Sidney Prescott chega em Woodsboro e encontra a cidade toda ornamentada por jovens que adoram relembrar o “massacre” do passado. É um daqueles típicos eventos estadunidenses que fazem ode ao que é justamente para ser esquecido, haja vista o grau de violência física e psicológica em torno dos acontecimentos. Logo adiante, temos o trio de garotas que centralizam a linha narrativa da produção entre os primeiros momentos e o arco final. Elas dialogam sobre a chegada de Sidney, prima de Jill (Emma Roberts), candidata a final girl que pregará uma peça em todos bem próximo ao final. Na conversa, uma delas diz que a franquia de Sidney é tão trágica que deveria ser Premonição, a famosa saga sobre a morte a perseguir sobreviventes indevidos.

Numa breve conversa com uma de suas policiais, Dewey reforça que a tragédia de uma geração é a piada de outra, numa referência aos adornos espalhados pela cidade. Logo depois disso, é chamado para uma emergência, indo em direção ao local do assassinato da abertura, catalisador dos horrores de Pânico 4. Abaixo, Gale encontra Sidney no lançamento do livro. Fica aparente o seu desconforto com o desenvolvimento da amiga que superou alguns traumas e conseguiu seguir adiante, diferente da repórter que se tornou apenas a esposa do xerife. Esse é o movimento que faz Gale despertar para a nova empreitada de investigação em torno de Ghostface, num momento de alimentação de sua antiga paixão: a mídia.

Durante o lançamento do livro de Sidney, Dewey chega para informar que algo ali está conectado com a cena de crime da abertura. É quando eles descobrem que alguém deixou um recado de sangue para a protagonista na mala de seu carro alugado para o período na cidade. Gale, ciente da situação na qual todos estão inseridos, desperta para retornar ao seu posto de apaixonada pela cobertura midiática dos fatos. Na clássica cena no interior de uma sala de aula, os estudantes discutem literatura, filosofia e são surpreendidos com a notícia da morte das colegas de instituição, início de um alvoroço semelhante ao que ocorre no espaço externo, tomado por veículos de imprensa e jornalistas interessados no esperado furo de reportagem.

Gale Weathers domina várias passagens onde luta pelo estabelecimento dos seus ideais enquanto personagem que sempre esteve no protagonismo para a resolução do mistério envolvendo as mortes nos três filmes antecessores. Na primeira cena, ela discute com o seu marido, o xerife que a quer de fora da investigação, algo complexo para alguém com faro jornalístico. No segundo quadro, temos o encontro de Gale com a assistente de Sidney, editora puxa-saco que leva a maior bronca da repórter fora de ação que se diz ainda reconhecer durona depois de dar “um fora” na jovem com pouco bom-senso.

Depois dos primeiros sustos, Sidney rememora o seu passado ao chegar no quarto de Jill e a encontrar num momento semelhante ao seu com o namorado assassino em Pânico. O desenvolvimento da cena, por sinal, é muito parecido, sendo este outro dos tantos momentos autorreferenciais em Pânico 4. No quadro seguinte, Sidney entra e Ghostface dialogam pela primeira vez no filme. É um momento de tensão, ocorrido após a morte de uma das amigas de Jill, brutalmente assassinada em seu quarto enquanto conversava ao telefone. O antagonista é claro e objetivo: o seu interesse não é exatamente a final girl, mas as novas possibilidades de matança. Sidney ainda entra num embate com o “monstro”, mas a figura consegue fugir e guardar a sua ira para a eletrizante batalha do desfecho.

Depois do assassinato testemunhado pela janela da casa de Jil, Sidney segue para casa arrasada, sentida por não ter conseguido poupar a vida da jovem, relembrando-se dos fatídicos acontecimentos e perdas entre Pânico e Pânico 3. A sua assistente, com postura semelhante ao que era Gale nos dois primeiros filmes da franquia, diz que já agendou a sua visita aos programas televisivos que desejam entrevista-las. E para completar, alega que já fechou com a editora para o lançamento de mais livros e que Sidney pode dar o preço que quiser. Decepcionada, a protagonista questiona se ela leu e entendeu a sua trajetória no livro e numa resposta bastante irônica, a assistente interpretada por Alisson Brie informa que ainda não, pois está à espera do filme sobre o conteúdo. Demitida, ela é eliminada mais adiante, num estacionamento.

Interessada em retomar a sua saga de repórter investigativa, Gale Weathers descobre que precisa se associar aos mais jovens da região para conseguir acessar determinadas informações. Com isso, precisa atender ao pedido de um deles: levar Sidney Prescott, considerada uma celebridade, para o clube de cinema da escola. Lá, a cena nos oferta algo além dos debates nos ótimos diálogos metalinguísticos. Temos também a direção de arte caprichosa nos quadros com posters de clássicos, tais como Quadrilha de Sádicos e imagens de Jamie Lee Curtis, a adorada final girl Laurie Strodie, de Halloween – A Noite do Terror. Mais adiante, a maratona dos sete filmes da franquia Facada ocorre numa região afastada da cidade. Gale descobre e vai ao local, sendo surpreendida e quase aniquilada por Ghostface, assassino que agora não apenas mata, mas também registra os seus crimes, como uma espécie de troféu.

No momento da chegada de Gale Weathers, os jovens estão assistindo Facada, o primeiro filme da franquia. É o mesmo trecho de abertura exibido em Pânico 2, quando o casal interpretado por Omar Epps e Jada Pinket-Smith estão no cinema e morrem nas mãos cruéis de Ghostface. O momento é uma referência ao clássico Psicose, de Alfred Hitchcock, famoso por sua peculiar cena de assassinato no chuveiro. No quadro seguinte, Kirbie dialoga com os organizadores da maratona, jovens cinéfilos que talvez sejam os assinantes dos crimes até então.

Após o ataque, Gale Weathers, até então firme nas três produções antecessoras da franquia, sai de cena para se recuperar do ataque de Ghostface. Ela retorna apenas no humorado e intenso desfecho, repleto de metalinguagem, tal como todo o filme. Antes de sua saída, no entanto, a personagem expõe para o marido xerife, as novas condições de produção do antagonista, isto é, matar e registrar isso com suas câmeras, tendo em vista postar na internet. No quadro seguinte, o grupo de personagens mais jovens se encontram na casa de Kirbie para assistir filmes de terror, algo que aconteceria na festa cancelada pela polícia após o ataque sofrido por Gale. A entrada na casa define o terceiro e supostamente último ato de Pânico 4.

Após ser instigada por Ghostface ao telefone, Sidney segue para a casa onde o ato de revelação dos assassinos se estabelecerá. A sequência tem os seus momentos de reflexão, mas o foco é a eletrizante perseguição entre os ainda sobreviventes e o assassino impiedoso que registra os seus crimes para criar conteúdo de violência explícita na internet. No quadro seguinte, as dúvidas em torno do conceito de confiança são estabelecidas entre os personagens. Sidney questiona se Kirbie confia no jovem que se diz inocente, mas está ensanguentado do lado de fora e pede socorro. Neste momento, referências ao primeiro filme são apresentadas: primeiro, a paranoia acerca dos prováveis culpados e inocentes, seguida de uma suposta vítima posicionada como o namorado de Casey Becker, a personagem de Drew Barrymore, aterrorizada na icônica abertura do clássico moderno, em 1996. O feixe de referências fica cada vez mais intenso nesta sequência de acontecimentos que nos levam ao sufocante desfecho, por sinal, surpreendente.

No primeiro quadro, a cena que faz referência ao primeiro assassinato de Pânico, isto é, o namorado da personagem de Drew Barrymore. Questionada sobre filmes de terror para garantir a sua sobrevivência, Kirbie precisa responder ao antagonista na linha telefônica e salvar não apenas a sua pele, mas a do amigo do lado de fora, acossado por Ghostface. Na cena, temos a citação aos tantos casos de clássicos refilmados, numa rápida referência ao movimento de releituras que tomou o sistema na época. Pânico 4, de certa maneira, pode também ser considerada como uma sequência que emula muitos traços dos antecessores, em especial, do primeiro filme, reconfigurados com novo elenco, mas com estrutura dramática e estética bastante parecida. Logo adiante, Kirbie descobrirá que abrir a porta foi um erro que lhe custa a vida.

O epílogo ocorre no hospital, pois como já podíamos prever, matar Sidney seria uma postura ingrata dos realizadores. Assim, no desfecho do ato na casa de Kirbie, descobrimos que Jill, a prima da final girl, é uma das idealizadoras do projeto de matança que não poupou sequer a própria mãe. Doentio, o discurso da jovem versa sobre leitura, mídia, busca desenfreada pela fama e violência numa sociedade mediada por imagens e padrões exaustivos o tempo inteira. Inicialmente, o interesse era manter a dupla com um dos jovens do clube cinéfilo, mas a sua ambição é maior que o próprio projeto então a alternativa é aniquilar o acompanhante e fazer-se de vítima ao lado da prima que ela acreditava estar morta, mas que na verdade sobreviveu ao seu ímpeto de fúria. Renovador em sua proposta, Pânico 4 é um dos pontos altos de uma franquia que só desandou rapidamente no desenvolvimento de seu terceiro filme. Ademais, é uma ótima reflexão sobre violência na sociedade estadunidense, embutida numa narrativa que também funciona como ótimo produto de entretenimento.

*O artigo é parte integrante do livro Palavra de Crítico: O Cinema de Wes Craven, publicado pela Vedas Edições.

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