Home LiteraturaConto Crítica | Rashomon e No Matagal, de Rynosuke Akutagawa

Crítica | Rashomon e No Matagal, de Rynosuke Akutagawa

por Luiz Santiago
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Não há espaço para escrúpulos quando se quer remediar uma situação irremediável.

Rynosuke Akutagawa nasceu em Tóquio, em 1892. Sua trajetória na literatura foi bastante rápida, assim como sua vida. Em 1913, ao ingressar na Universidade Imperial de Tóquio, ele já estava às portas de seu primeiro sucesso, Rashomon, que seria publicado em 1915, e que garantiria o seu ingresso em um importante círculo literário japonês. A partir deste momento, Akutagawa teria uma prolífica produção, mas infelizmente essa fase só seria livre de problemas até 1921, quando a saúde física e mental do escritor começou a dar sinais de esgotamento. Ele se suicidaria seis anos depois, em julho de 1927, vítima de forte depressão.

Rashomon, um pequeno conto datado de 1915, é certamente uma das narrativas mais breves e mais profundas da bibliografia do autor. A história é ambientada em um pequeno espaço de tempo — um final de tarde com muita chuva –, onde um servo que acabara de ser despedido pelo patrão se vê angustiado por pensamentos de como seria o seu futuro dali para frente. Ele se protege da chuva nas escadarias do portal de Rashomon, na entrada de Kyoto, capital do Império Japonês no período Heian (784 – 1185), época em que o conto é adaptado.

Destacando com bastante detalhe os ambientes em volta do portal, o perigo de ser assaltado ou morto e os pensamentos íntimos do servo, o autor cria aos poucos uma atmosfera de morte e abandono que vai se tornando macabra e, por fim, alcança um patamar de metamorfose moral, quando a luta pela sobrevivência ganha espaço e o homem se vê diante de coisas que antes desprezava, mas que agora não parecem tão ruins assim.

Percebemos a passagem sutil de um momento para outro, todos com apresentações espaciais e adição de uma atmosfera própria: primeiro o portal, depois o servo, o mirante e a velha no topo do mirante. Além do ritmo bem orquestrado, percebemos que cada momento da narrativa ganha o seu espaço sem nunca deixar o protagonista de lado. A ação final e o término misterioso dá ao conto uma deliciosa visão de fantasia, o que o torna definitivamente intrigante. Não é de se espantar que a obra tenha sido adaptada diversas vezes para o cinema e para a televisão.

No Matagal (1922) é um conto da fase madura de Rynosuke Akutagawa. No Brasil, a obra também recebeu títulos como No Bosque e Dentro de um Bosque. O conto é famoso por ter servido de base para o filme Rashomon (1950), de Akira Kurosawa, que só adicionaria elementos do conto homônimo numa segunda versão do roteiro. No Matagal é um texto que não possui narrador. A história constitui-se epenas de depoimentos que diversas pessoas dão a um Inquiridor sobre um assassinato acontecido em um matagal.

Assim como em Rashomon, o autor acrescenta uma boa quantidade de detalhes do espaço em torno do evento e traz à tona as nuances da índole humana. Do lenhador ao próprio defunto, por intermédio de uma médium, temos versões diferentes sobre o ocorrido no dia do assassinato e o conto termina com uma conclusão amargurada e com um grande ponto de interrogação: o quê realmente aconteceu? Eis aí um grande triunfo literário, levar para além das poucas páginas de um conto a intrigante a dúvida sobre o destino dos personagens que tanto falaram sobre o caso, mas que não necessariamente nos convenceram…

Antes desses contos, não havia lido nada da obra de Rynosuke Akutagawa, e devo dizer que estou positivamente impressionado. A força e a simplicidade da narrativa do autor conquistam qualquer um e convidam imediatamente à reflexão. Um outro ponto a destacar é que sua prosa tem uma fortíssima característica imagética, lírica, poética, o que certamente ajudou nas várias transposições para cinema e televisão feitas de suas obras. A obra de Akutagawa é a prova de que bons enigmas são sempre coisas irresistíveis.

Kappa e o Levante Imaginário: Coletânea de Contos (Japão, 1916 – 1920)
Autor: Ryunosuke Akutagawa
Tradutor: Shintaro Hayashi
Publicação no Brasil: Editora Estação Liberdade, 2010
352 páginas 

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