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Crítica | Viva e Deixe Morrer, de Ian Fleming

por Plano Crítico
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Aviso: O texto abaixo contém spoilers para quem não leu o livro ou viu Com 007 Viva e Deixe Morrer.

Live and Let Die (lançado originalmente no Brasil como Os Outros Que Se Danem e, depois, como Viva e Deixe Morrer), foi publicado originalmente em 1954.

Ian Fleming brinda os leitores com uma história instigante. Depois de se recuperar da tortura sofrida em Cassino Royale, tendo inclusive se submetido a uma pequena plástica na mão para retirar o M invertido, símbolo do SMERSH (M, seu chefe no MI6, não via com bons olhos um agente 00 levando na pele uma marca como esta), Bond é convocado para investigar aquele que era considerado o maior e, talvez, o primeiro grande gângster negro do mundo, Mr. Big.

Fleming gasta o início do capítulo 3 do livro para descrever a figura notória, interessante e perigosa do haitiano Buonaparte Ignace Gallia, o verdadeiro nome de Mr. Big. Devido à sua desmesurada altura e corpulência era chamado, na infância, de Big Boy ou apenas Big. Quando se estabelecera no submundo do crime, este apelido evolui para The Big Man ou Mr. Big. Seu único vicio eram as mulheres; tinha uma inteligência acima do normal, era mestre no culto vodu (que dele se utilizava para amedrontar os mais crédulos). Servira na Segunda Guerra e, devido à sua fluência na língua francesa, fora admitido pelo Serviço Secreto Americano em Marselha passando muitas informações importantes para a agência americana. Finda a guerra, fora condecorado pelos exércitos americano e francês. Desapareceu por cinco anos, retornando para o Harlem onde retomou seus negócios com cabarés, prostituição e outros negócios escusos. Contudo, seu financiamento inicial se deve à sua ligação com a SMERSH, sendo ele o braço estendido da temida organização russa em solo americano. Alimentou sabiamente o boato de que era um zumbi ou o cadáver animado do Barão Samedi, o temido príncipe das trevas dentro da crença vodu.

Fleming costura com bastante inteligência as tramas da espionagem em plena guerra fria com a lenda do tesouro do pirata Morgan. Mr. Big descobrira a localização deste tesouro e dele se utiliza para financiar os negócios da SMERSH. As valiosíssimas moedas de ouro eram transportadas em aquários com peixes ornamentais sob a fachada legal de uma de suas várias empresas, até a América (idéia utilizada em Licença Para Matar). Quando a suspeita é levantada, boa parte do tesouro já estava em solo americano. A história é cheia de suspense com momentos de pura adrenalina, tais como:

  • Bond e Leiter vão até o bairro Harlem onde Fleming narra a existência de uma grande rede de comunicações à serviço de Mr. Big. De sua central ele sabia de praticamente tudo o que acontecia em toda Nova Iorque. Os dois agentes são capturados, Bond tem seu dedo menor quebrado (o que os produtores da série cinematográfica não tiveram coragem de fazer no filme; no livro ele passa toda a investigação com o dedo engessado tendo somente na travessia em mar aberto até a ilha onde Mr. Big estava escondido, retirado o gesso). Ele é levado para ser morto, mas consegue escapar travando uma feroz luta com um dos fortes capangas de Mr. Big. Ele se encontra com Leiter, conseguem desbaratar a central de comunicações de Mr. Big e os dois fogem pelo Harlem em uma tensa perseguição de carro.
  • Após a fuga do Harlem, Solitaire entra em contato com Bond e eles fogem de Nova Iorque por trem, mas Mr. Big tinha homens empregados em todos os setores da economia americana. Os dois sofrem um atentado no trem, mas conseguem escapar.
  • Na cidade onde se esconderam ainda em solo americano, Leiter é capturado e mutilado (a cena é mostrada no filme Licença para Matar). Solitaire é capturada e levada para a ilha do tesouro onde Mr. Big escondia o butim de Morgan.
  • No Caribe, Bond se prepara fisicamente para fazer a travessia a nado até o local onde Mr. Big se preparava para transportar a última carga de moedas. Fleming narra com detalhes toda a dificuldade tanto do preparo físico de Bond, que incluía sua abstinência à bebida alcoólica e uma alimentação menos “gordurosa” (nos livros é nítido o gosto de Bond por boa comida e sempre que está em algum local onde o menu não lhe agrada ele demonstra seu descontentamento; aqui Fleming humaniza o personagem mostrando suas manias, fraquezas e gostos pessoais) bem como a travessia à nado durante a noite para não ser descoberto.
  • Quando chega ao iate de Mr. Big, Bond instala um dispositivo explosivo com timer em contagem regressiva no casco da embarcação, mas é descoberto e quase devorado por barracudas, tubarões e outros peixes, pois Mr. Big derrama grande quantidade de carne e sangue nas águas que os atiça. Ele é capturado, tenta uma fuga e tem uma luta com Mr. Big apenas para ganhar tempo, pois a bomba não fora descoberta e a contagem interrompida.
  • Quando Mr. Big estava para zarpar ele amarra Bond à uma corda e esta ao iate. Quando este sai em disparada, arrasta Bond pelas águas, pois o iate iria passar por uma barreira de corais e Bond seria, desta forma, bastante ferido, sendo, então, presa fácil para as barracudas. Sua morte seria lenta e dolorosa (esta cena foi utilizada no filme Somente para Seus Olhos). Contudo, antes de chegar à barreira de corais, a bomba explode destruindo o iate e levando todos à morte. Bond se solta das cordas bastante ferido, se agarra aos destroços do iate e se surpreende em ver diante de si a figura distorcida e ensangüentada de Mr. Big a fitá-lo com ódio somente para depois afundar no mar.
  • A história acaba com Bond em uma casa de praia em companhia de Solitaire.

Em comparação com o filme, nota-se a descaracterização da rica figura de Mr. Big. Aliás, Mr. Big, no filme, é apenas um disfarce do Dr. Kananga e a figura do barão Samedi não é nem sombra do que é retratado no livro. Cenas como a perseguição no Harlem, a destruição do centro de comunicações e os momentos finais no Caribe, com a dramática morte de Mr. Big, poderiam ter marcado o filme e a série 007. E a interpretação de Roger Moore como Bond nem de longe mostra a força e o sofrimento do personagem, o que nos faz perguntar por que os produtores resolveram seguir este caminho.

Viva e Deixe Morrer (Live and Let Die, Inglaterra, 1954)
Autor: Ian Fleming
Editora (no Brasil): L&PM Editora

Por Ivan Júnior, cinéfilo, leitor e escritor do romance policial de 2011 intitulado “Agente 74 Pede Socorro”

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