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Mundo Crítico #1 | Senegal

por Luiz Santiago
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  • Para entender pormenorizadamente como funciona a coluna Mundo Crítico, favor ler este artigo.

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República do Senegal

République du Sénégal

A capital do Senegal, e também a sua cidade mais populosa, é Dacar. Sua língua oficial é o francês, mas esta é uma denominação oficial polêmica, já que não se trata de uma língua falada plenamente no país inteiro. Em Dacar, por exemplo, a língua franca é o wolof, e esta sim, encontra milhares de falantes em todo o país, que ainda possui outras línguas africanas como pulaar, serer e cangin, além do crioulo de Casamansa, cuja base é o português. O país faz fronteira com Mauritânia, Mali, Guiné, Guiné-Bissau e Gâmbia, sendo banhado pelo Oceano Atlântico a oeste. Sua religião predominante é o islamismo, com uma pequena parcela de católicos e ainda menos de seguidores de crenças animistas ou tradicionais. O país possui uma notável tolerância religiosa.

O processo descolonizador da atual República do Senegal começou a ganhar força por pressões internas e externas ainda no início dos anos 1950, resultando no primeiro passo para a liberdade em 1958, com a elevação de seu status político a República Autônoma. Em 4 de abril de 1959, a nação juntou suas fronteiras com o então chamado Sudão Francês (atual Mali) e formou uma nação chamada Federação do Mali, que se tornou independente em 20 junho de 1960 (importante dizer que em abril, o território que era do Senegal tinha conquistado sua independência da França, sendo esta conquista de junho a marca independente para o território do atual Mali e, claro, para a Federação), dissolvendo-se em 20 de agosto do mesmo ano.

Mapa e Brasão de Armas.

Como na maioria dos países africanos, a produção cinematográfica em Senegal começou de verdade a partir da independência, mas pelo menos até o início dos anos 2020 (quando escrevo essas linhas), o país não desenvolveu uma linha de produção notável em números, e muitas obras que temos no país são, na verdade, co-produções principalente com França e Bélgica. Há um certo consenso histórico ao se estabelecer o período de notável produção do cinema senegalês entre 1960 e 1980, sendo os chamados Anos de Ouro, a década do meio. Por volta de 1984, a produção cinematográfica no país conheceu um notável declínio, jamais voltando aos números dos Anos de Ouro, um problema basicamente centrado na dificuldade de financiamento local (o que explica as muitas co-produções). Ainda assim, algumas obras senegalesas conseguiram sair do papel nos últimos anos, tendo como um dos principais caminhos de exibição e divulgação os festivais, tanto africanos, quanto europeus.
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5 Diretores

Aqui eu escolhi cinco diretores marcantes do cinema senegalês, cujas obras são capazes de dar uma visão ampla e múltipla de estilos ao leitor que, pela primeira vez, está entrando em contato com os cineastas deste país. Assim como falarei a respeito dos filmes, mais adiante, esse tipo de seleção/curadoria é sempre muito pessoal e atravessa a minha visão como crítico e também como espectador, dos realizadores que julgo importantes para um conhecimento inicial do público. Claro que existem outros, mas como a proposta aqui é apontar cinco, estas são as minhas escolhas. As breves biografias abaixo são o resultado do cruzamento de algumas fontes, mas principalmente das informações cedidas pelo African Film Festval – New York, do qual traduzi boa parte das biografias a partir da Safi Faye.

Ousmane Sembène

1923 – 2007

Um dos mais famosos diretores africanos, o marxista Ousmane Sembène também foi produtor e escritor, sendo frequentemente chamado de “pai do cinema africano“. Pertencente à etnia Lebu, o artista teve um início de vida ligado à religião Sererê (também grafada como sérère ou serer), mas dela se afastou ainda na adolescência. Expulso da escola francesa onde estudava e após um curto período de trabalho com o pai, mudou-se para Dacar aos 15 anos, em 1938. Durante a 2ª Guerra Mundial serviu na infantaria francesa. Mudou-se para a França em 1947, onde trabalhou na fábrica da Citroën, em Paris, e depois no porto de Marselha, onde inicialmente se uniu ao sindicato e depois entrou para diversas organizações comunistas. Embora já escrevesse há algum tempo, foi só em 1956 que ele conseguiu realmente principiar sua carreira artística, com a publicação de O Estivador Negro, livro inspirado em suas próprias experiências trabalhando nas docas. Antes de sua estreia na direção ele ainda publicaria mais dois romances, um de maior sucesso que o outro: Oh País, Meu Belo Povo! (1957) e Os Pedaços de Madeira de Deus (1960).

Entre 1962 e 1963, o escritor estudou cinema na Gorky Film Institute/Studio, em Moscou, tendo Mark Donskoy como professor. A partir daí, Sembène percebeu o quanto seria mais fácil exercitar sua arte e tanto denunciar quanto criar através do cinema uma produção que tivesse a cara de seu país, de seu povo. Grande apreciador da primeira onda do Cinema Soviético, Sembène passou a utilizar esse tipo de linguagem para criticar uma ala do Islã em seu país (mais resistente a mudanças), o colonialismo europeu, explorar o papel da mulher na sociedade senegalesa (as mulheres sempre tiveram um grande destaque em sua arte) e a relação entre classes, temas que atravessaram toda a sua obra.

FILMES CRITICADOS NO SITE

1963 – O Carroceiro 1975 – Xala
1964 – Niaye 1977 – Ceddo
1966 – A Negra De…/Garota Negra 1988 – Campo de Thiaroye
1968 – Mandabi 1992 – Guelwaar
1970 – Tauw 2001 – Faat Kiné
1971 – Emitaï 2004 – Moolaadé

Safi Faye

1943

Safi Faye nasceu em Dacar. Foi professora durante seis anos antes de iniciar a carreira no cinema, como atriz no longa Petit à Petit (1971) de Jean Rouch. Faye fez os seus primeiros filmes na França. O primeiro deles, La Passante (1972), no qual também atuou, foi inspirado em suas experiências como estrangeira em Paris. Revanche (1973), feito coletivamente com outros estudantes em Paris, é sobre um louco que quer escalar a Pont Neuf. Nos anos 1970, estudou etnologia na École Pratique des Hautes Études e depois na Lumière Film School.

Ela garantiu o seu sustento trabalhando como modelo, atriz e também na equipe de efeitos sonoros. Em 1975 tornou-se a primeira mulher da África subsaariana a dirigir um longa-metragem: Kaddu Beykat (Carta de Minha Vila / Carta Camponesa), vencendo prêmios no FIFEF (Festival International du Film d’Expression Française), FESPACO (Festival Panafricain du Cinéma d’Ouagadougou ), Festival de Berlim e o Prêmio Georges Sadoul, na França. Em 1979 recebeu o Doutorado em Etnologia pela Universidade de Paris. De 1979 a 1980 estudou produção de vídeo em Berlim e foi palestrante convidada na Universidade Livre daquela cidade. Hoje é reconhecida como uma das realizadores mais importantes da África Subsaariana. Seu filme de 1996, Mossane recebeu o prêmio Un Certain Regard em Cannes.

FILMES CRITICADOS NO SITE

1976 – Carta Camponesa 1979 – Fad’jal
1981 – Almas Sob o Sol 1983 – Selbe
1989 – Tesito 1996 – Mossane

Djibril Diop Mambéty

1945 – 1998

Filho de um clérigo muçulmano e membro da tribo Lebu, Mambéty nasceu perto de Dacar, em Colobane, cidade que aparece com destaque em alguns de seus filmes. O interesse de Mambéty pelo cinema começou com o teatro. Tendo se formado na escola de atuação no Senegal, trabalhou como ator de teatro no Daniel Sorano National Theatre, em Dacar, até ser expulso por motivos disciplinares. Em 1969, aos 24 anos, sem qualquer formação em cinema, dirigiu e produziu o curta-metragem Cidade de Contrastes. No ano seguinte fez Badou Boy, que ganhou o prêmio Silver Tanit no Festival de Cartago, na Tunísia.

O seu primeiro longa-metragem tecnicamente sofisticado e ricamente simbólico foi Touki Bouki – A Viagem da Hiena (1973), que recebeu o Prêmio da Crítica Internacional no Festival de Cannes e o Prêmio Especial do Júri no Festival de Moscou, trazendo ao diretor atenção e aclamação internacional. Apesar do sucesso do filme, vinte anos se passaram antes que fizesse outro longa. Durante esse hiato, ele realizou um curta-metragem em 1989, Parlons Grand-mère. Hienas (1992), o segundo e último longa que dirigiu, foi uma adaptação da peça A Visita, de Friedrich Dürrenmatt, e foi concebida como uma continuação de Touki Bouki. À época de sua morte, o cineasta trabalhava em uma trilogia de curtas chamada Contos de Pessoas Comuns. O primeiro dos três filmes foi Le Franc (1994). Mambéty também havia editado o segundo filme da série, A Pequena Vendedora de Sol, que estreou após a sua precoce morte, por câncer de pulmão, aos 53 anos, em um hospital de Paris.

FILMES CRITICADOS NO SITE

1969 – Cidade de Contrastes 1992 – Hienas
1970 – Badou Boy 1994 – Le Franc
1973 – Touki Bouki – A Viagem da Hiena 1999 – A Pequena Vendedora De Sol

Mansour Sora Wade

1952

Mansour Sora Wade nasceu em Dacar, em 1952. Depois de se formar em Estudos de Cinema na Universidade de Paris, ele trabalhou com várias agências culturais antes de iniciar uma carreira atrás da câmeras, em 1976, dirigindo filmes para a televisão. Entre seus projetos estão Fary, a Jumenta e Aida Souka. Seu filme Picc Mi ganhou o Prix Afrique en Creation em 1993 e o Prix de la Paix do FESPACO. Já o longa O Preço do Perdão, a sua produção mais acessível, ganhou sete prêmios em festivais de cinema ao redor do mundo.

FILMES CRITICADOS NO SITE

1992 – Picc Mi
2001 – O Preço do Perdão 2010 – Pare o Massacre do Litoral

Moussa Sene Absa

1958

Moussa Sène Absa nasceu em 1958. Após iniciar a carreira de ator, ganhou prêmios por seus curtas, documentários e longas-metragens. Ele também é pintor e escritor. Como artista, exemplifica o “homo senegalensis”, um ideal de artista caro a Léopold Sédar Senghor, enraizado na tradição mas com plena vontade de usar o que o mundo ocidental tem para oferecer. Ironicamente, Absa é mais famoso internacionalmente do que em seu próprio país, apesar da exposição a um grande público no Senegal por meio da série de TV Goorgoorlu, escrita por TT Fons e produzida pela televisão nacional (RTS).

Seu primeiro filme, Le Prix du Mensonge, rendeu-lhe o Tanit d’Argent no Festival de Cartago, em 1988. Tableau Ferraille, lançado em 1996, rendeu-lhe vários prêmios, incluindo Melhor Fotografia no FESPACO, em 1997. Nesse mesmo festival, sua comédia romântica de 2002, Madame Brouette, ganhou o Prêmio Poitou Charentes, em 2003.

FILMES CRITICADOS NO SITE

1997 – Tableau Ferraille 2002 – Madame Brouette

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10 Filmes

Esta é a parte mais difícil da coluna. Fazer a curadoria de 10 filmes para apresentação geral do cinema de uma nação é uma baita responsabilidade e obviamente o resultado não será uma “lista justa” (listas raramente o são). Procurei trazer filmes de diferentes épocas, estilos e diretores nativos, com o mínimo de repetições possíveis (no caso de Sembène em Mambéty, porém, é impossível indicar apenas um filme). Dei grande importância a obras de peso histórico para o cinema senegalês e, em cima disso, procurei selecionar filmes com temáticas relevantes para o tempo de criação da obra e também para o nosso tempo.

Vale ainda lembrar que os pequenos comentários abaixo são breves anotações minhas sobre a escolha desses filmes para a lista. TODOS ele têm críticas aqui no site. Para discussões mais profundas sobre cada um, clique nos links que estão nos títulos, leia o texto e sinta-se à vontade para comentar e levantar algum debate a respeito dessas obras.
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África Sobre o Sena

Afrique sur Seine

Ano: 1955
Direção: Mamadou Sarr e Paulin Vieyra
Temas: Memória de infância. Identidade. Imigração.
Por que adicionei este filme à lista?: Este curta faz parte de uma série de debates curiosos a respeito de seu pioneirismo, muitas vezes recebendo o título de “iniciador do cinema africano“, uma afirmação que sempre gera dissenso, assim como a datação de muitas coisas a respeito do cinema no continente africano, principalmente em seus primeiros anos. O curta foi filmado em Paris por um grupo de estudantes africanos do Instituto de Altos Estudos Cinematográficos (IDHEC). Está na lista tanto pela tag de “primeiro curta produzido por africanos” quanto pelas discussões sobre o exílio de africanos na Europa e as mudanças que essa “temporada fora de casa” traziam para a nova geração.
Acessibilidade: Fácil. Disponível no Youtube.

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Garota Negra ou A Negra De…

La Noire De…

Ano: 1966
Direção: Ousmane Sembène
Temas: Mentalidade colonizadora. Trabalho. Exploração. Misticismo. Depressão.
Por que adicionei este filme à lista?: Primeiro de dois filmes do diretor Ousmane Sembène que escolhi para esta lista, A Negra De.. é também o seu filme mais conhecido e historicamente importante. Ele cerca a questão da identidade e da relações pós-coloniais no Senegal, focando em questões de classe a partir das relações de trabalho. A obra apresenta de modo sólido os ingredientes recorrentes na filmografia do diretor, como o destaque para a personagem feminina e seu papel num determinado recorte social. É um filme impactante e que toca em assuntos muito sérios para tratar de temas que vemos acontecer, guardadas as diferenças de conjuntura, no mundo inteiro ainda hoje, para mulheres que fazem trabalho doméstico, especialmente aquelas fora de seu país natal.
Acessibilidade: Fácil. Disponível no Youtube.

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Touki Bouki – A Viagem da Hiena

Touki-Bouki

Ano: 1973
Direção: Djibril Diop Mambéty
Temas: Busca por melhores condições de vida. Banditismo. Imigração ilegal.
Por que adicionei este filme à lista?: Mambéty foi o grande experimentador do cinema senegalês, e este filme é o que melhor incorpora a sua forma de mostrar os personagens procurando ganhar algum dinheiro (tema recorrente em seus filmes, por sinal), através de um modelo narrativo não-linear. Dialoga com nuances surrealistas, adiciona um grande número de simbolismos e retrata de forma cômica e crítica o desejo de dois jovens em melhorar de vida indo para a terra dos antigos colonizadores, o lugar onde aparentemente tudo daria certo para eles.
Acessibilidade: Fácil. Disponível no Youtube.

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Njangaan

Njangaan / N’Diangane

Ano: 1975
Direção: Mahama Traoré
Temas: Fanatismo religioso (islâmico). Educação. Violência contra criança. Exploração do trabalho infantil.
Por que adicionei este filme à lista?: Um filme bastante corajoso, se levarmos em consideração a força do islamismo no Senegal. A obra explora um lado das relações familiares que é afetado pela fé/religião dos pais, caindo sobre a criança determinados caminhos e responsabilidades que ela não escolheu e que não precisava ou deveria ter. Uma obra que fala sobre doutrinação e maus tratos às crianças, além de criticar de forma aberta o trabalho infantil.
Acessibilidade: Fácil. Disponível no Youtube.

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Hienas

Hyènes

Ano: 1992
Direção: Djibril Diop Mambéty
Temas: Vingança. Justiça. Ambição. Conflitos ético-morais.
Por que adicionei este filme à lista?: O melhor e narrativamente mais fácil filme de Djibril Diop Mambéty, Hienas é um filme que explora com bastante acidez a seguinte questão: “o que você seria capaz de fazer para conseguir uma altíssima quantia em dinheiro?“. E também esta: “existe alguma limite para a vingança?“. Aqui, o diretor mostra um lado das relações humanas no Senegal moderno, ainda sofrendo pelas consequências de sua história colonial, acostumando as pessoas em uma posição de dependência financeira, status a partir do qual o cineasta constrói a narrativa.
Acessibilidade: Média. Lançado em DVD e Blu-ray fora do Brasil.

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Mossane

Mossane

Ano: 1996
Direção: Safi Faye
Temas: Casamento arranjado. Dinâmica de tradição familiar numa pequena comunidade.
Por que adicionei este filme à lista?: Até o momento em que realizo a presente lista, este é o único filme da diretora Safi Faye que é possível encontrar com muita facilidade, infelizmente por um motivo que não foi nada positivo para a própria cineasta (leia-se: o produtor alemão roubou-lhe os direitos de distribuição da obra). É um raro trabalho inteiramente ficcional da artista — apesar das piscadelas documentais — e uma criação de grande beleza sobre o amor, a juventude e os dois lados que envolvem uma escolha: o lado pessoal, do qual somos responsáveis; e o lado social, sobre o qual raramente temos algum tipo de controle.
Acessibilidade: Fácil. Disponível no Youtube.

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O Preço do Perdão

Ndeysaan

Ano: 2001
Direção: Mansour Sora Wade
Temas: Disputa entre amigos. Narrativa fabular e fantástica. Amor. Crime e castigo.
Por que adicionei este filme à lista?: Um belíssimo exemplar meio fabular e meio fantasioso envolvendo uma história de amor. A obra mostra a mudança da mentalidade de uma vila senegalesa e a forma como cada tempo marca seus filhos e promove algum tipo de mudança na relação entre as pessoas. Um filme esteticamente muito bonito, de toada lírica, com uma história de amor que é só a “desculpa” para o diretor chegar aos elementos étnicos e culturais típicos dessa região costeira do Senegal.
Acessibilidade: Fácil. Disponível no Youtube.

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Carmem Negra

Karmen Geï

Ano: 2001
Direção: Joseph Gaï Ramaka
Temas: Libido. Amor. Música. Relações interpessoais. Criminalidade. LGBT+.
Por que adicionei este filme à lista?: Um filme parcialmente musical com temática LGBT+ e adaptando para a realidade senegalesa um romance francês do século XIX! Carmem Negra foi realmente um espanto para mim, por tratar de modo bem diferente temas que encontramos nas raízes do cinema de Senegal. A presença da música é um atenuador, por assim dizer, da densidade temática da fita, mas o recado final é dado de maneira clara, tratando de problemas pessoais ao mesmo tempo que mostra a realidade social em torno de seus personagens.
Acessibilidade: Fácil. Disponível no Youtube.

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Madame Brouette

Madame Brouette

Ano: 2002
Direção: Moussa Sene Absa
Temas: Violência contra a mulher. Abandono parental. Gravidez na adolescência. Corrupção.
Por que adicionei este filme à lista?: O diretor Moussa Sene Absa tem um vasto leque de produções artísticas no cinema, nas artes plásticas e na música. Sua filmografia utiliza bem essas outras artes ao trabalhar temas como a posição da mulher na sociedade e a corrupção de pessoas e/ou instituições. Madame Brouette é provavelmente o seu filme mais famoso e trabalha de modo muito interessante a sororidade e as lutas que uma mulher senegalesa enfrenta, desde a presença do machismo até as cobranças sociais sobre elas. É um conto urbano sobre uma relação amorosa difícil com um tempero social como agravante.
Acessibilidade: Fácil. Exibido em 22/10/2020 pelo Cinema #EmCasaComSesc, no programa Cine África. Disponível no Youtube.

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Moolaadé

Moolaadé

Ano: 2004
Direção: Ousmane Sembène
Temas: Tradição. Mutilação genital feminina. Luta feminina contra injustiças.
Por que adicionei este filme à lista?: Último filme do diretor Ousmane Sembène, Moolaadé é uma obra difícil de se assistir e tem um poder enorme de mobilização da força feminina para lutar contra injustiças e ações desumanas cometidas contra elas ao longo dos anos, principalmente quando são revestidas de justificativas religiosas ou de respeito à tradição. 
Acessibilidade: Fácil. Disponível no Youtube.

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Considerações Finais

A criação deste primeiro Mundo Crítico foi uma experiência muito gratificante para mim, apesar de todas as dificuldades de se fazer um projeto como este, como vocês devem imaginar. Eu comecei a pesquisa ainda em agosto, quando publiquei a edição zero da coluna e procurei ver e escrever sobre o máximo de coisas antes da Mostra SP, em outubro, que me impediria de fazer outras coisas durante sua duração (sem contar que ainda em agosto eu e meus colegas fizemos cobertura do Festival Ecrã!). Em novembro veio o Mix Brasil e, nessa onda de festivais, fiquei com pouco tempo e muita coisa para ver e escrever sobre… mas deu certo! É com muito orgulho e felicidade que trago essa primeira parada do Plano Crítico em um país do mundo, apresentando um pouco da filmografia local para vocês.

Ao longo do projeto eu acabei lendo uma boa quantidade de artigos sobre o cinema de Ousmane Sembène (que acabou tendo um Especial no meio do caminho) e da diretora Safi Faye. Indico também para quem quer se aprofundar na indústria, política e mercado dos cinemas produzidos no continente africano o livro Cinema no Mundo Vol.1 – África, organizado por Alessandra Meleiro. Ele traz 7 artigos fantásticos que dão um panorama crítico e repleto de dados e referências sobre os realizadores e as realizações desse continente. Vale destacar, porém, que a obra foi publicada por aqui em 2007, então as discussões possuem esse limitador temporal.

Também gostaria de indicar dois diretores franceses com raízes no Senegal. Primeiro, a cineasta Mati Diop, filha do compositor Wasis Diop e sobrinha do diretor Djibril Diop Mambéty. Seu filme mais conhecido é Atlantique (2019), disponível na Netflix. E também o diretor Alain Gomis, que tem como filme mais conhecido o longa Felicidade (Félicité, 2017).

Dois filmes também importantes do cinema senegalês quase passaram para o corte final da minha lista, mas acabaram cedendo lugar para obras que considerei mais interessantes em termos de amplitude no primeiro contato. Deixo aqui, porém, as indicações, e já esclareço que ambos são de fácil acesso, estando disponíveis no Youtube: E Não Havia Mais Neve… (1966) e principalmente Os Príncipes Negros de Saint Germain des Prés (1975).

Minha pesquisa também me levou para dois documentários sobre a vida e obra do diretor Ousmane Sembène, que igualmente indico para quem quer conhecer mais sobre o cineasta: Sembène: A Criação do Cinema Africano (1994) e Sembene! (2015). Fechando essa parte cinematográfica, ressalto que vocês vão encontrar no Youtube o filme Cas Communautaire, lançado em 2020 e tendo a COVID-19 como tema. Eu não gostei da obra, mas deixo aqui para vocês poderem apreciar, caso queiram, uma produção independente do Senegal falando sobre essa interminável pandemia.

E para finalizar essas considerações, deixarei aqui duas indicações literárias. Antes, porém, quero agradecer ao nosso colunista Kevin Rick por levantar algumas discussões comigo sobre a coluna Mundo Crítico, já na reta final do projeto, e acabar contribuindo com a crítica de um livro para esta primeira edição, O Ventre do Atlântico, da escritora Fatou Diome. O outro livro que deixo aqui como sugestão é o Xala, de Ousmane Sembène — obra que ele mesmo adaptaria para o cinema dois anos depois de lançar o livro.

Agora é com vocês! Comentem, deem sugestões de países para a próxima edição da coluna, digam quantos filmes dessa lista vocês já assistiram, quais diretores já conheciam… enfim, fale um pouco sobre o seu contato com o cinema senegalês! E bons filmes a todos!

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