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Pílulas Musicais | Adele, Criolo, Stromae, Glória Groove, Jethro Tull e Outros

De King Gizzard & the Lizard Wizard a Ella Fitzgerald.

por Luiz Santiago
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O nome desta coluna já dá uma boa ideia daquilo que, metaforicamente, ela irá tratar. Diferente das críticas de música aqui do Plano Crítico, que são formais, bojudas e criteriosamente estruturadas, as Pílulas Musicais são pequenas abordagens críticas a respeito de álbuns ou EPs de diversos artistas, épocas e lugares. Você até pode chamá-las de “mini-críticas“, se quiser, mas é necessário entender que a abordagem não tem exatamente as mesmas preocupações: é essencialmente mais informal e mais solta em termos de exigência analítica. Cada Pílula Musical traz 5 ou 10 álbuns/EPs brevemente comentados, sendo cada um deles acompanhado de uma música ou clipe do projeto. Nesta edição vocês encontrarão cinco álbuns lançados em 2022 e cinco álbuns lançados em anos anteriores, dentre eles, dois clássicos: um de 1971 (rock) e outro de 1950 (jazz). Boa leitura e boa audição a todos!

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“Sobre Viver” — Criolo

Brasil, 5 de Maio de 2022

Cinco anos nos separam de Espiral de Ilusão, o ótimo disco de samba de Criolo lançado em 2017, e este seu trabalho de retorno ao rap, intitulado Sobre Viver. Com uma lista surpreendente (pelo pluralismo e pela qualidade das participações) de convidados e seguindo com suas letras de observação crítica da sociedade, o artista faz aqui um disco de imposição do eu lírico sobre o cenário onde vive, confrontando os eternos racistas de plantão, falando contra o sistema massacrante e apontando para aqueles que simplesmente detestam ver pobres e (principalmente) pretos ganhando dinheiro. E tudo isso é dito em faixas produzidas ao lado de Tropkillaz (Diário do Kaos, Sétimo Templário e Quem Planta Amor Aqui Vai Morrer), Maya Andrade (Ogum Ogum), Milton Nascimento (Me Corte Na Boca Do Céu A Morte Não Pede Perdão) e MC Hariel, Liniker, Maria Vilani e Jaques Morelenbaum (Pequenina). 

Em Sobre Viver o artista também fala de sua irmã, que faleceu em 2021 vítima da COVID. Fala da hipocrisia dos “benfeitores da sociedade”; fala dos que adoram discursar sobre “os necessitados“, mas não tocam naquilo que verdadeiramente gera essa realidade podre, e também fala sobre os problemas que classes baixas precisam enfrentar todos os dias e que, para certos grupos de classes sociais abastadas, trata-se apenas de “falta de empenho no trabalho e ausência de mente empreendedora”. É um disco que abraça uma ótima tendência do rap nacional que mistura o ponto de vista e a intimidade do eu lírico e a sua participação na sociedade, o seu olhar sobre o mundo, as suas tristezas e felicidades na vida. É um disco sobre lutas constantes (problemas estruturais da sociedade, há muito tempo denunciados nas mais diversas artes e teorias políticas, econômicas e sociais) e sobre lutadores que não têm um único dia de descanso, porque descansar, para essas pessoas, significa não ter uma das refeições na mesa. Pessoas que quando gritam aos ventos sobre essa condenável condição social em que vivem, são chamadas de mimizentas por quem nunca teve uma única dificuldade em sobreviver.    

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“Punk Reggae” — Devotos

Brasil, 27 de Abril de 2022

Já fazia algum tempo que eu não ouvia nada do Devotos, banda pernambucana que eu conheci através de um velho amigo, há muitos anos, e que simplesmente deixei de acompanhar de perto a partir de um determinado momento. Umas duas semanas antes do lançamento desse projeto chamado Punk Reggae, o grupo voltou a entrar no meu radar e eu matei a saudade reouvindo muita coisa do meu primeiro contato com eles. O que eu não sabia era que o disco teria tantas releituras de produções anteriores da banda, o que, confesso, me frustrou um pouco durante a audição. Na verdade, há apenas uma faixa inédita nesse disco (Nossa História, que tem uma produção simples, mas boa, abrindo o disco de forma marcante). As releituras preparadas pela banda misturam ritmos de forma mais criteriosa (o caso mais evidente está em Luta Pacifista) e trazem algumas alterações no fraseamento de certos versos ou mesmo na produção das canções. É um disco de boa apresentação do Devotos para quem não conhece a banda, e de bom “novo contato” para quem já a conhece, mas numa visão geral, sinto que faltou impulso para crescer, e com isso estou realmente me referindo ao raro material inédito do projeto. É um bom disco, com certeza, mas que não traz nada de verdadeiramente chamativo ou impressionante.

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“Omnium Gatherum” — King Gizzard & the Lizard Wizard

Austrália, 22 de Abril de 2022

Não é nenhuma novidade o fato de que os workaholics do King Gizzard & the Lizard Wizard lançaram OUTRO disco em 2022, não é mesmo? No comecinho de março deste ano eles entregaram Made in Timeland, e pouco mais de um mês depois vieram com esse novo disco, intitulado Omnium Gatherum, que é uma verdadeira festa estilística. É verdade que a banda constantemente desfila por variações do trash, do rock com sintetizadores, psicodélico, progressivo e daí por diante. Nesse disco, porém, não há um verdadeiro conceito por trás daquilo que os músicos estão querendo passar. Mesmo o parcialmente ignorado Made in Timeland ou interessante Butterfly 3000 (lançado em junho de 2021) tinham uma ideia de construção por trás. Em Omnium Gatherum estamos diante de um variado exercício musical, onde eles reuniram coisas que já vinham gravando há algum tempo e faixas em que basicamente curtem estar gravando juntos pela primeira vez depois do período de afastamento imposto pela pandemia.

É claro que esse tipo de situação geraria um “disco de curtição”, o que não deveria ser uma novidade, já que estamos falando de uma jam band. Mas como eu disse, esse disco abraça a linha de maior liberdade para criar coisas sem a obrigatoriedade de manter uma grande coesão com o projeto — embora ela exista de modo tangencial, se a gente prestar atenção nas situações líricas das faixas (e só um parênteses se você é o tipo de pessoa que acredita que jam bands não precisam se importar com letras: o Grateful Dead mandou lembranças!). The Dripping Tap, a primeira faixa do álbum, está sendo louvada aos quatro ventos por aí (sua gênese, aliás, foi em uma sessão de improviso com outra banda australiana, a Tropical Fuck Storm). É uma música que tem um tema que eu acho problemático na essência, e que raramente dá certo: o ambientalismo. Eu não desgosto desse tipo de canção, o problema é que a maioria delas são pregações bobas do óbvio sobre o óbvio. Aí fica difícil. Todavia, The Dripping Tap foge da bobagem e consegue, em poucos versos, falar coisas interessantes, trazer um ponto crítico em termos de sistema (ambientalismo sem crítica sociopolítica é proselitismo revestido de fofuchismo inútil) e fazer uma faixa que é construída em um ciclo coerente, com início e fim pareados em ritmos e acompanhamentos diferentes e um miolo que é pura diversão (com um quê de repetitivo, mas isso não me incomodou).

O restante do disco nos traz sensações variadas. Já na segunda faixa, Magenta Mountain, temos uma quebra estilística grande comparada àquilo a que fomos apresentados na abertura. E isso se segue nos bons samples utilizados de Yemaya One (na faixa Kepler-22b); de I’m Coming Home (na faixa Sadie Sorceress) e de In the Orient (na faixa The Grim Reaper). Não estamos diante de um experimento de garagem do começo ao fim, ou de um som sujo, completamente distorcido e progressivo ou experimental sem limites nesse disco. E por mais que eu goste dessa experiência mais livre, o álbum perde um pouco de identidade justamente por esse motivo, uma armadilha musical que a gente já conhece muito bem de tantas outras experiências no passado. Não tem uma única faixa aqui que seja ruim, mas algumas delas mereciam um melhor direcionamento de produção, escolha de vocais ou finalização mais orgânica, problemas “menores” que não afetam mortalmente a qualidade do disco, mas que são perceptíveis. Se depender da banda, porém, semana que vem a gente já está com outra pílula musical sobre um novo disco deles, então seguimos o bonde cantando Gaia a plenos pulmões!

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“Multitude” — Stromae

Bélgica, 4 de Março de 2022

Racine Carrée, o segundo disco de Stromae, lançado em 2013, é um dos meus álbuns favoritos da vida. Depois do enorme sucesso desse trabalho, todo mundo ficou imensamente curioso para saber qual seria o próximo passo, a próxima grande criação desse artista. Mas a vida… como já diria o grande Joseph Climber… é uma caixinha de surpresas. Acometido de burnout, depressão e outros problemas de saúde gerados por uma forte reação a um remédio contra a malária que ele precisou tomar, Stromae se afastou da cena musical, limitando-se a uma participação em projeto de Orelsan e um single chamado Défiler para divulgar a sua própria marca de roupas, a Mosaert. Apenas em 2022, nove anos depois do último disco, foi que tivemos um projeto inteiro do artista. E olha… mesmo que não seja tão potente quanto a obra-prima de 2013, Multitude é um disco de grandioso peso.   

O que chama a atenção em Stromae é sempre a sua refinada pesquisa musical e sua qualidade como produtor e arranjador. Nesse disco, instrumentos e ritmos do Magreb, da China, da Colômbia, da Bulgária e do Brasil (o funk carioca) integram-se à fenomenal jornada musical que, como sempre na discografia do artista, fala muito sobre relações interpessoais, amorosas e sobre questões sociais de grande importância. Encontramos um olhar necessário, bonito e ao mesmo tempo muito amargo para os trabalhadores que não têm tempo de festejar (Santé); encontramos olhares diferentes para a vida de uma profissional do sexo (Fils de Joie); uma reflexão tocante sobre a depressão e a ansiedade (L’Enfer); um desabafo cômico e muito sincero sobre as vantagens e as desvantagens da paternidade/maternidade (C’est Que du Bonheur) e temas como isolamento social, dias bons e dias ruins na vida, o sentimento de se sentir invencível diante das adversidades, o sonho de conquistar coisas financeiras na vida, o amor e a má sorte. É um disco para ouvir e apreciar em suas diversas camadas de letra e música. Valeu a pena a grande espera, Maestro!   

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“Lady Leste” — Glória Groove

Brasil, 10 de Fevereiro de 2022

Glória Groove é uma artista maravilhosa. O que ela representa, o talento que tem e a maneira de criar os seus projetos já são, a esta altura do campeonato, bastante conhecidos e não precisam mais de apresentação. Por acompanhar de perto a artista já há alguns anos, eu sabia da chegada do álbum Lady Leste, e vibrei fortemente com o lançamento dos três fantásticos singles que antecederam a sua chegada: Bonekinha, Leilão e A Queda. Depois de ouvir o projeto, ficou claro para mim que estas escolhas para chamar o público para Lady Leste foram realmente muito bem pensadas, porque essas três faixas são, de fato, as melhores do álbum.

Pensando nisso, é claro que existe um pouco de frustração em relação a essa constatação. Como já conhecíamos essas faixas, imaginávamos que o disco trouxesse mais obras que pelo menos se aproximassem delas em essência e/ou qualidade, mas infelizmente isso não acontece. Olhando de maneira geral, as músicas que mais se aproximam, em termos de produção e atmosfera desses singles icônicos são SFM — baita faixa legal que abre o disco e tem participação de MC Hariel –; Vermelho; Fogo no Barraco (com participação de MC Tchelinho), Jogo Perigoso e Greta. Dessas, eu gosto de todas (com intensidades diferentes), não só individualmente, mas também pensando em relação à unidade do disco. Já as outras faixas acabam se tornando imensamente deslocadas do todo. Por mais que entendamos que a ideia é mesclar diversos gêneros em um único projeto, a produção de Lady Leste não faz muita coisa para tornar as passagens mais suaves entre as faixas ou para integrar elementos entre essas canções a fim de tornar a diferença de tema, musicalidade e intenção um tantinho menor.

Faixas como Tua Indecisão (que tem participação do Sorriso Maroto), Apenas Um Neném (com participação de Marina Sena e uma das duas faixas do álbum que eu não gosto), Pisando Fofo (com participação de Tasha & Tracie, a outra do disco que eu não gosto) e Sobrevivi (com participação de Priscila Alcântara) poderiam ser reservadas para um lançamento futuro, numa sequência de músicas onde elas, em sua mensagem e gênero, pudessem realmente fazer sentido de verdade. Sem contar que, dessas quatro, duas eu realmente não acho que deveriam constar em projeto nenhum. No todo, Lady Leste é um bom disco que sofre de um problema geral de identidade, pois acaba atirando para todos os lados. Mesmo sendo bom de se ouvir, faltou maior critério na hora de escolher as faixas para lista oficial.

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“30” — Adele

Reino Unido, 19 de Novembro de 2021

Quarto álbum de estúdio de Adele, 30 vem à luz do dia depois de seis anos de espera. Durante esse período, Adele passou por um processo de divórcio, o que acabou sendo o grande motivador para este seu novo trabalho, juntando-se aí também as questões ligadas ao seu amadurecimento como pessoa e como mãe (seu filho Angelo nasceu em 2012). Em essência, 30 é um disco sobre libertação do que ficou com ela após um determinado ciclo de sua vida. Representa a passagem para um novo momento, um novo ciclo, uma nova fase da vida. Apesar de o divórcio ser a motivação central para as composições aqui, não estamos diante de um “disco resposta” nem nada do tipo, tanto que a faixa “mais pesada” — no sentido de a cantora direcionar-se ao antigo esposo e apontar diretamente as suas grandes falhas — é Woman Like Me, e mesmo nesse caso não estamos falando de uma difamação. É uma crítica, sim, mas não é nada absurdo, até porque há muita honestidade na forma como Adele expõe a situação, sem demonização e sem exageros. Ela, inclusive, acaba entrando na própria linha de tiro diversas vezes ao longo do disco, e vemos isso tanto numa autocrítica quanto no temor de que isso faça muito mal ao seu filho, como vemos diretamente exposto na faixa My Little Love.

O disco começa em um mundo de sonhos. É como se estivéssemos nos preparando para um melodrama intitulado Strangers by Nature. Pitadas da Hollywood clássica com um olhar geral da artista para a sua vida amorosa (o “cemitério do coração“, como é dito no primeiro verso) tomam conta da faixa e, de certa forma, estarão presentes no decorrer de todo o disco, como uma lembrança de que todas essas cenas de sofrimento, superação e abraço de uma nova realidade são parte natural da vida de cada um e que é necessário enfrentar, viver cada uma delas. A produção tem o cuidado de ajustar as necessidades sentimentais às variações necessárias para que o álbum se torne dinâmico mesmo nas faixas mais tristes. A única escolha que eu verdadeiramente não gosto são os assobios em Can I Get It, mas fora isso, o disco funciona muito bem com os caminhos musicais que adota. Vejam como até o interlúdio All Night Parking consegue ser uma incrível ponte entre os dois momentos atmosféricos do projeto. Aliás, é uma faixa muito curiosa, produzida com a base musical de Finding Parking (de Joey Pecoraro), que por sua vez usa o sample da bela No More Shadows, do pianista de jazz Erroll Garner, mistura que gera uma música extremante gostosa de se ouvir.

Apesar de o grande single do disco ser Easy on Me e incorporar o tema central narrando-o em linhas gerais para o público, a faixa que eu acho mais poderosa aqui é To Be Loved, a penúltima do projeto. É uma faixa com uma mensagem tocante, de um clamor do eu lírico para o seu grande desejo em uma relação amorosa, e os vocais de Adele nessa faixa são arrebatadores, indo de um registro mais suave e cheio de ar nos primeiros versos, para “gritos” e sílabas mais guturais nos versos finais. É um verdadeiro marco do disco, a minha faixa favorita e que serve como um complemento temático para Easy on Me, fechando a ideia central em uma sequência de canções bastante pesadas, que acabam dando lugar para a esperançosa e realista faixa final, Love Is a Game. Aqui, a jornada do eu lírico termina com elementos de música gospel e um completo entendimento de sua jornada amorosa. Não há angústia, arrependimento ou negação da vida nesse momento. O eu lírico sabe que o amor pode trazer dor, mas não é por isso que ele vai deixar de procurar alguém para amar e ser amado. Aliás, entender que há beleza na vida e nas coisas que ela oferece, apesar de todos os pesares, é uma lição que só chega realmente para nós a partir dos 30. Adele faz jus ao momento que representa aqui, num recorte sentimental que ressoa, em maior ou menor grau, em todos nós.

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“Pomares” — Chico Chico

Brasil, 29 de Outubro de 2021

O que eu vejo acontecer com Chico Chico é a mesma coisa que todos vimos acontecer, de maneira ainda mais intensa e assediadora, com Maria Rita: por ser filho de um ícone da música brasileira (no caso dele, Cássia Eller), o jovem músico passa constantemente por comparações e até exigências musicais e comportamentais de pessoas que não conseguem se livrar da nostalgia e deixar que um artista seja um artista, saindo da sombra de seus icônicos pais. Embora tenha estreado oficialmente no cenário musical em 2015, com a banda 2×0 Vargem Alta, e tenha gravado mais dois álbuns em parceria com outros cantores (Onde? com Fran — neto de Gilberto Gil — e Chico Chico & João Mantuano), foi apenas em 2021 que ele se aventurou em uma produção solo, este gracioso Pomares, que realmente abraça a ideia do título nas muitas mensagens de “plantio de sementes no coração“.

Com um timbre realmente muito parecido com o da mãe, mas sem nenhum tipo de forçação de barra para trazer a memória de Cássia Eller à tona (isso aparece, aliás, de maneira muito bonita e perfeitamente orgânica na faixa chamada Mãe), Chico cria um cenário de alma e de atmosfera bucólicas. Desde a primeira faixa, Abacateiro Real, o artista nos faz pensar em elementos da natureza em contato com as pessoas (o que se repete em Ribanceira), e essa visão pode aparecer nas músicas tanto de forma literal quanto de forma metafórica (como em Pomares) — o que acontece na maior parte das vezes, inclusive. São poesias sobre sentimentos. Sobre experimentar algumas coisas do mundo, sobre passar por experiências interessantes e eventualmente lembrar-se delas (como na faixa Amarelo Amargo) e sobre confessar muitos desses sentimentos, como vemos na faixa Sei Que Não é Enraçado (uma brincadeirinha amargamente cômica, vale dizer) ou até mesmo na faixa que fecha o projeto: Chega. É no meio dessa miríade de imagens poéticas que o ouvinte mergulha aqui em Pomares, com direito a uma produção respeitável, excelente uso de orquestra e criação de uma interessantíssima identidade musical. Um ótimo primeiro passo na carreira solo de Chico Chico!

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“Tem Amor” — Tem Amor

Brasil, 30 de Julho de 2016

Eu conheci  banda Tem Amor através de uma canção chamada Duas, que encontrei por acaso entre os meus indicados num app de música. Foi paixão à primeira vista. Inicialmente fiquei surpreso com o uso do trompete (tocado por Bubu Silva, antigo Los Hermanos), depois com a voz chamativa do vocalista e depois com a letra da música, sobre o amor de um homem por… duas importantes pessoas em sua vida. A história é espirituosa e a produção deu uma cara circense à faixa, o que a torna bastante agradável de se ouvir. Não demorou nada para eu ir atrás do primeiro EP completo do quinteto carioca, que traz, inclusive, essa faixa que me fez conhecê-los. E devo dizer que foi um verdadeiro prazer conhecer Tem Amor. São apenas cinco faixas, o que deixa mesmo uma sensação de ausência, mas como se trata de um EP, é algo que a gente já espera. São faixas que versam sobre amor, diversos tipos de relações frustradas e percepções do eu lírico para alguns problemas simples na vida cotidiana. Há também uma brincadeira do compositor com a fantasia e mundo dos contos de fada que a gente consegue pescar aqui e acolá. Todas as músicas trazem situações interessantes de se ouvir e os versos são construídos com brincadeiras de vocabulário ou alfinetadas que colocam um baita sorriso no ouvinte. A gente termina esse projeto aqui querendo já ouvir o próximo projeto do grupo!

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“Aqualung” — Jethro Tull

Reino Unido, 19 de Março de 1971

Formada em Blackpool, Inglaterra, no ano de 1967, a banda Jethro Tull tem lugar cativo no hall dos grupos musicalmente peculiares do rock progressivo. Caracterizada por todo um aparato lírico e rítmico que nunca toma caminhos fáceis — e querendo ou não, flerta com variações sinfônicas pela sua construção e riqueza instrumental (destaque para a presença bastante intensa e famosa da flauta do líder do grupo, Ian Anderson). O primeiro e mais importante período de atividade do grupo se estendeu de 1967 até 2003 (com material original) e até 2011 (com turnês comemorativas).

Embora a banda tenha repetidamente dito que este seu quarto disco, Aqualung, lançado em 19 de março de 1971, não era um projeto conceitual, é perfeitamente compreensível que muitas pessoas enxerguem o disco dessa forma. Tendo feito um enorme sucesso de público e crítica — servindo como uma alavanca de grande qualidade para o JT, aliás — Aqualung ronda temáticas ligadas à fé e à religião essencialmente em seu Lado B; e à vida de moradores de rua mais alguns outros problemas sociais e urbanos essencialmente no Lado A; e apresenta uma estrutura acústica mais forte do que os projetos anteriores, assim como uma maior variedade de gêneros que permeiam as faixas, com aproximações mais criativas com folk, blues e a música psicodélica, gerando misturas bastante interessantes como as que temos em Mother Goose e My God (que tem um solo de guitarra e outro de flauta, o melhor e mais impactante dos dois). Este disco também compreendeu um momento em que a banda passava por mudanças: John Evan foi oficializado no grupo, o baixista Jeffrey Hammond entrou para a trupe e Clive Bunker fez a sua despedida na bateria. Mudanças que inclusive dariam uma cara diferente à abordagem da banda para a construção dos discos, nos anos seguintes.

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“Ella Sings Gershwin” — Ella Fitzgerald

Estados Unidos, Setembro de 1950

As gravações de Ella Sings Gershwin duraram apenas dois dias, ocorrendo entre 11 e 12 de setembro de 1950. O disco saiu pela Decca Records, gravadora com a qual Ella Fitzgerald tinha contrato na época, e (vejam só) foi o primeiro projeto solo e em estúdio da cantora, o que é um absurdo se pensarmos que ela começou sua carreira nos anos 1930 — criticamente conseguimos explicar isso se pensarmos como funcionava a indústria fonográfica nos Estados Unidos para pessoas negras e, pior ainda, para as mulheres. 

Aparentemente os anos de 1933 e parte de 1934 (entre os seus 16 e 17 anos de idade) marcaram o início humilde de Ella como artista, cantando nas ruas do Harlem. Em 21 de novembro de 1934, a jovem artista fez uma apresentação num dos primeiros eventos do Teatro Apollo chamado Amateur Nights, de onde saiu com o prêmio da noite. Essa foi a abertura de uma porta importante para ela, que em janeiro de 1935 se apresentou com a banda de Tiny Bradshaw, no Harlem Opera House. Foi nesta ocasião que, ao ser apresentada ao baterista Chick Webb pelo cantor Charlie Linton, passou a moldar-se como cantora, mudando o seu estilo pessoal (ela era considerada muito desleixada com a aparência nessa época) e ganhando lugar cativo na banda, que após o falecimento de Webb, em 1939, passou a se chamar Ella and Her Famous Orchestra. Durante todo esse período e ao longo da década de 1940, Fitzgerald realizou centenas de gravações com a banda e também com outros músicos, mas nunca produzindo um álbum solo. Isso mudou em 1950, quando ela tinha 33 anos de idade e 16 de carreira.   

Musicalizado por George Gershwin e escrito por Ira Gershwin, o álbum traz a doce voz de Ella interpretando canções que falam de amor, de situações do dia a dia envolvendo casais e também da busca pela felicidade. A fineza do jazz interpretado pela artista empresta uma delicadeza ainda maior para todo o projeto, e as faixas trazem formações diferentes nos componentes instrumentais, nos ritmos e na exigência vocal, que algumas vezes está em um registro mais confortável e contralto, e em outras vai para tons bem mais agudos, onde Ella consegue fazer uma bela projeção e ainda sustentar notas com grande potência. É um disco de uma cantora que já tinha muita experiência, mas ao mesmo tempo tem a cara de um “início simples de trajetória”. É um projeto tecnicamente confortável para ela, tocando em temas que seriam revisitados pela cantora ao longo dos anos seguintes e trazendo algumas das canções inesquecíveis dos Gershwin em uma voz igualmente inesquecível para a música mundial. Um baita início de discografia solo! 

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