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Plano Histórico #16 | Videoclipe: Linguagem e Percurso Histórico (Parte 1)

por Leonardo Campos
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Em virtude do lançamento do meu primeiro livro, Madonna Múltipla: cinefilia e videoclipe, uma pesquisa que denomino de ‘radiografia do campo da mídia, do videoclipe e da cultura pop’, resolvi preparar um especial dividido em quatro partes, visando apresentar para vocês, a história e a linguagem do videoclipe, bem como a atuação de uma das artistas mais bem sucedidas nesta área. As parcerias com David Fincher em quatro videoclipes, bem como os aspectos cinéfilos de seus videoclipes serão apresentados numa análise pormenorizada. Convido-lhes, desde já, à seguir este percurso comigo. Vamos?

Nos dias atuais, basta estar diante de um computador com acesso à internet para digitar o link do YouTube e assistir (e até mesmo baixar) os videoclipes que antes passávamos o dia inteiro esperando para assistir pela televisão. Hoje, aos 29 anos de idade, posso dizer que vivi entre os fades que demarcam as mudanças de suportes tecnológicos que envolvem o cinema, o videoclipe e outras linguagens audiovisuais. Sou da era do Playstation, mas cresci jogando no Mega Drive e lembro claramente da diversão de alguns jogos do Atari. Assisto aos filmes que ainda nem estrearam nos cinemas brasileiros através da internet, mas peguei uma fila quilométrica em um cinema no centro da cidade, para assistir ao filme Titanic, de James Cameron, nos idos de 1998.

Quando adolescente, fazia as atividades escolares com a televisão ligada no canal 13, a MTV, esperando a parada de videoclipes para ver os últimos lançamentos, bem como sucessos antigos que a emissora sempre reprisava. Gênero audiovisual bastante diversificado no que tange aos aspectos da linguagem e do suporte, o videoclipe, tão televisivo há alguns anos e que pedia espera e paciência para contemplação, pois dependíamos da emissora e da sua programação diversificada para assisti-los, pode ser visto facilmente hoje, através dos sites de hospedagem deste produto audiovisual na internet. Mas nem sempre foi assim, e, para melhor compreender os objetos selecionados para análise nos próximos artigos deste especial, considero de fundamental importância a abordagem histórica desta linguagem audiovisual com traços do cinema, da televisão e da publicidade.

Organizar o percurso histórico de uma modalidade artística é algo bastante extenso e complexo. Por impossibilidade de alcance total, deixamos de contemplar algumas produções que acontecem nos locais mais variados do planeta. Basta observar na história do cinema, por exemplo, quantos manuais deixaram o cinema asiático, árabe, coreano, australiano, japonês, dentre outros, de lado?

Para embasar esta parte do texto, tomo como base o elucidativo artigo Breve história do videoclipe, da pesquisadora Laura Josani A. Corrêa. Apesar de recorrer a algumas teorias e definições presentes em vários outros textos mais amplos, como o livro Videoclipe: o elogio da desarmonia, de Thiago Soares, contemplado em nosso próximo tópico, a pesquisadora sintetiza o panorama da história do videoclipe, seguindo da forma mais didática esse processo histórico ainda recente, se comparado a outras modalidades artísticas, como o cinema, datado nos manuais de 1895.

De acordo com Corrêa (2007), o termo videoclipe só começou a ser usado na década de 1950. Clipe deriva de clipping, recorte (jornal ou revista), pinça ou grampo, que deve se referir à narrativa audiovisual de colagem de imagens. Corrêa discorre que, nos primórdios, o clipe era rápido e instantâneo, tendo na velocidade frenética das imagens um dos principais destaques estruturais, sem precisar, necessariamente, contar uma história linear, como início, meio e fim. O videoclipe podia, então, ser apenas uma justaposição de imagens.

Como ferramenta mercadológica, o videoclipe passou a ditar moda, resolvendo algumas questões como a velocidade com que a globalização ia dispersando as atividades culturais pelo mundo, possibilitando que certos artistas, os mais requisitados, estivessem mais próximos do seu público, mesmo que através das imagens destes vídeos promocionais, pois a demanda geralmente era muito grande. Segundo Corrêa, hoje, a ideia de bricolagem de imagens não se sustenta mais. Para trazer a informação para este trabalho, basta pensar nos videoclipes Papa Don´t Preach e Bad Girl, de Madonna, vídeos que estruturalmente podem ser considerados como curtas-metragens. A ideia de sequências frenéticas, definição de linguagem para o videoclipe, também não se sustenta, haja vista que videoclipes como Bebendo vinho, do grupo nacional Ira, filmado em plano sequência, sem cortes, colagens e interrupções.

Pensado no bojo da história do audiovisual, o videoclipe já se manifestava no musical Fantasia, da Disney. Os números musicais independentes, que formavam uma estrutura única no final, juntavam, da maneira mais orgânica possível, música e imagem. Em 1945, havia as vitrolas com fichas visuais, tendo no cantor Bing Crosby uma das principais referências. Nesses aparelhos, enquanto se escutavam as músicas, era possível visualizar uma sequência de fotos em preto e branco.

Entre este percurso histórico, há uma curiosa informação. Conforme o estudo de Oda (2011), é difícil definir qual seria o primeiro videoclipe da história, pois alguns dizem que já em 1894, surgia um proto-videoclipe, com a estratégia de divulgação da canção The little lost child, de Edward B. Marks e Joseph W. Stern, realizado por George M. Thomas, que consistia na projeção de imagens relacionadas com a letra da canção, enquanto ela era reproduzida nos palcos do teatro.

Nos anos 1950, Elvis Presley e os seus filmes com números musicais também abriam caminho para o videoclipe, gênero ainda não pensado, naquele momento, como o temos na contemporaneidade. Como aponta Correa, no final desta década, a BBC da Inglaterra lançou o programa 6’5 Special, uma atração televisiva que mostrava apenas apresentações musicais.

Em 1960, na França, surge o Scopitone, um aparelho semelhante ao Jukebox, que tinha acoplado em sua estrutura um projetor de cinema no formato 16mm. Enquanto as músicas tocavam, as imagens passavam em preto e branco. Ainda nesta década, A Hard Day´s Night, documentário dirigido por Richard Lester, é lançado, explorando o universo dos Beatles, com vídeos denominados promo, abreviação de promocional. Jean-Luc Godard dirigiu o documentário One Plus One, dos Rolling Stones, além da Coca-Cola e seus spots publicitários, que, em muito, lembravam a linguagem do videoclipe que viria a se definir com o tempo.

Entre outros acontecimentos que marcaram esta época, podemos destacar o The Kenny Everett Show, programa exclusivo para vídeos promocionais da BBC, The Top of the Pops, juntamente com o lançamento do vídeo promocional do filme Flashdance, de Adrian Lyne. Em 1975, Bohemian Rhapsody, videoclipe do grupo Queen, é lançado. Alguns estudiosos consideram este vídeo como o primeiro estruturado nos moldes do que pensamos e definimos como videoclipe nos dias atuais. Na década de 1970, os musicais voltavam com força, dialogando com a música disco, também levada para os anos 1980: era a época de Grease – Nos Tempos da Brilhantina e Os Embalos de Sábado à noite.

Na década de 1980, vários programas de videoclipes eram exibidos nas mais distintas emissoras. O trabalho de catalogação de Corrêa apresenta alguns: FMTV (Rede Manchete), Videorama (Rede Record), Clip Trip (Tv Gazeta), Som Pop (Tv Cultura), Realce (SBT Rio), Super especial (TV Bandeirantes) e o Clip Clip (Rede Globo). Desta década, entre os fenômenos no que tange ao desenvolvimento do videoclipe na indústria cultural, podemos destacar Thriller, de Michael Jackson, dirigido por John Landis, profissional responsável pelo filme de horror Um Lobisomem Americano em Londres.

Ainda na década de 1980, há o advento da maior aliada do videoclipe em toda a história deste gênero audiovisual: a estreia da MTV, em 1981, com a exibição do videoclipe Video Killed The Radio Star, da banda Buggles, o primeiro exibido na emissora. Na Europa, a MTV chega em 1987 e no Brasil, em 1990. (nota de rodapé 2)

No Brasil, o videoclipe inaugural foi Garota de Ipanema, exibido no dia 20 de outubro de 1990, com uma versão remix de Marina Lima. De maneira inteligente, a emissora soube se relacionar com a internet, mas não resistiu ao império do mundo virtual, fechando as portas em 2013. Em 2007, o diretor de programação da MTV, Zico Goes, afirmou que o videoclipe não é mais televisivo como já foi. Hoje, o videoclipe se mantém firme na esfera virtual, com estratégias tão ambiciosas quanto as que víamos na era da televisão, abrindo espaço para produtores menores e desconhecidos, possibilitando que estes divulguem os seus trabalhos. Na internet, há espaço para os spoofs, videoclipes reinterpretados por fãs, que, assim como os artistas consagrados, encontram no Youtube um forte canal.

Com base neste breve panorama, podemos considerar, então, o videoclipe do Queen como o marco zero desta modalidade audiovisual que visa vender um artista e o seu produto, modalidade esta que encontra seus antecessores estruturais em filmes musicais do passado, vídeos promocionais dos Beatles, Elvis Presley, dentre outros. Para compor a história deste gênero, proponho algumas considerações sobre a sua linguagem, embasadas no próximo episódio. Espero você, caro leitor.  E se possível, não deixe de comentar.
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Saiba Mias

Quer saber mais? Leia os textos abaixo. São bastante elucidativos.

CORREA, Laura Josani Andrade. Breve história do videoclipe. VIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação da Região Centro-Oeste. Cuiabá: IX Intercom, 2007.

ODA, Pamela Zacharias Sanches. Vide o clipe: forças e sensações no caos. São Paulo: 2011. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas.

SOARES, Thiago. Videoclipe – O Elogio da Desarmonia. Recife: Livro Rápido, 2012.

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