Home Colunas Plano Histórico #17 | Coisas que você pode dizer só de olhar para um videoclipe (Especial Videoclipe – Parte 2)

Plano Histórico #17 | Coisas que você pode dizer só de olhar para um videoclipe (Especial Videoclipe – Parte 2)

por Leonardo Campos
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Para chegarmos aos videoclipes de Madonna no terceiro episódio deste especial, será necessário compreendermos alguns aspectos do que se convencionou dizer sobre a linguagem do videoclipe. Devido à importância central dos videoclipes na cena musical contemporânea, pode-se afirmar, segundo Trevisan (2011), que muitos artistas passaram a escrever canções tendo em mente o videoclipe. Este gênero foi se desenvolvendo e criando sua própria estética, diferente e única, fazendo um mix de outras, como música, cinema, televisão e publicidade.

Em A Arte do Vídeo, Arlindo Machado alega que o videoclipe pode dispensar inteiramente o suporte narrativo e, mesmo assim, o seu público estará preparado para aceitar e compreender as imagens sem nenhum significado imediato, desde que o seu movimento seja harmônico com o da música. Para Machado (2003), há que se observar que o gênero cresceu em ambições, explodiu os limites e está se impondo rapidamente como uma das formas de expressão artística de maior vitalidade de nosso tempo. Pensando a afirmação de Machado dez anos depois, podemos considerá-la coerente, haja vista que o cinema também tem recorrido bastante ao formato videoclipe, lançando, além de trailer, videoclipes de seus filmes, com o intuito de maior divulgação.

Gasparelli Jr. (2009) reforça que a criação de videoclipes integra um encadeamento de posições no campo da cultura pop, na medida que incrementa e reforça elos entre a imagética conceitual de um artista pop e o seu álbum lançado. O pesquisador ainda expõe que, ao observarmos o comportamento de certas faixas de trabalho, é possível notar que, além da veiculação em emissoras de rádio e da criação de videoclipes, tais faixas ganham uma sobrevida, a partir de um ou, às vezes, mais videoclipes e apresentações de shows. Vogue, de Madonna, por exemplo, é um caso clássico para se pensar sobre isso. A música, logo depois, o videoclipe, uma performance arrasadora na MTV, satirizando a corte francesa, e durante várias turnês, alusões às incursões anteriores.

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Canclini (1998) diz que o videoclipe é um elemento da contemporaneidade que presentifica a hibridização cultural, provocando ruptura com o conjunto fixo que estampa um painel com arte-culta-saber-folclore-espaço urbano. Em parceria com os HQS, os videogames, as fitas cassetes e as fotocopiadoras, o videoclipe seria responsável por uma espécie de hierarquização dos fenômenos culturais, mas também pela banalização dos bens culturais simbólicos que, anteriormente, considerávamos intocáveis. Nesta mesma esteira analítica, em O Império do efêmero, Gilles Lipovetisky traz algumas concepções sobre o que considera a cultura clip, apontando a mutabilidade como uma das principais características deste gênero audiovisual.

Em seus estudos sobre audiovisual, Vernier (1986) compara o videoclipe a um trailer cinematográfico e afirma que o produto mostra imagens produzidas em função de uma montagem elíptica, cuja inconsistência narrativa é um fato de sua própria natureza e que este não tem outra função estrutural a não ser  dançar corretamente no ritmo da música. Pensado hoje, esta comparação de Vernier não se sustenta: só para ficar na seara dos videoclipes de Madonna, alvo deste estudo, o que dizer de Like a Prayer e Material Girl?

Outra observação muito propagada no terreno do videoclipe é o que Kaplan (1987) diz sobre focalizar mais no texto do videoclipe, do que nas estrelas. Segundo esta autora, os vídeos produzidos para os cantores de nenhuma forma tentam construir e manter uma imagem constante deles, de um texto para o outro, pois a imagem de uma estrela vai depender do que for mais vendável em determinado momento. Acredito que esta afirmação de Kaplan necessite de uma revisão, pois, mesmo tocando em alguns pontos coerentes, como pensá-la no âmbito da produção de artistas como David Bowie e Madonna? Ambos sempre se preocuparam em manter o caráter autoral dos seus videoclipes, mantendo uma imagem constante de si, modificando apenas o personagem da canção levada para cada novo videoclipe.

Sendo assim, iluminando as afirmações de Corrêa (2008), o videoclipe, concebido inicialmente como ferramenta de marketing e divulgação de compositores e intérpretes musicais, comporta a potencialidade das experimentações e constitui-se, nas palavras da autora, como um produto da indústria audiovisual contemporânea.
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A linguagem do videoclipe

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Há diversas maneiras de se estruturar um estudo sobre a linguagem do videoclipe. O primeiro ângulo a iluminar é o fato de que não temos uma modalidade artística enquadrada em padrões específicos. Há videoclipes que expõem uma série de imagens desconexas, justapostas para acompanhar a letra da canção, como também há videoclipes que contam uma história curta, bem à maneira do cinema, como afirma Machado (2001), com personagens, cenários e fragmentos de uma possível ação. Há até videoclipes que quebram o padrão frenético que alguns pensadores deste campo estruturaram para os vídeos, sendo filmados totalmente em plano sequência.

O videoclipe é comumente reduzido a um disparatado arranjo de imagens desconexas, cuja razão reside no apelo sensorial. É o que afirma a pesquisadora Lilian Reichert Coelho no artigo As relações entre canção, imagem e narrativa nos videoclipes, informando que não é isso, entretanto, que se pode observar na maioria dos videoclipes disponíveis no mercado. Reichert (2003) apresenta o seu inventário de videoclipes com os mais variados formatos. Este, porém, não tem uma definição engessada de arranjo de imagens desconexas e frenéticas que comumente vemos associada ao gênero.

Em Behind the closet, do rapper Eminem, a montagem proposta pelo videoclipe valoriza o uso de flashbacks e flashfowards. Oh Father, de Madonna, dirigido por David Fincher, também. Recursos geralmente aplicados no cinema mostram que os videoclipes nem sempre são este apanhado de imagens sem uma preocupação narrativa. Marisa Monte e a canção Amor I Love You também apresentam uma estrutura bastante diferenciada para videoclipes: a canção é no presente, mas evoca trechos do passado. Em The Zephyr song, do grupo Red Hot Chili Peppers, a imagem não segue passo a passo a letra da canção, mas há uma alusão temática através de palavras do vocabulário que compõe e letra. Portanto, as definições no terreno do videoclipe não podem ser estanques.

Baseado nas afirmações de Durá-Grimalt (1988), há três tipos de narrativas possíveis para os videoclipes. Este teórico pensa em três estruturas. Na primeira modalidade estrutural, considerada clássica, a história é desenvolvida através do esquema apresentação, conflito e solução. Na segunda modalidade estrutural, temos o formato não-linear, em que são apresentadas imagens de uma história sem final ou entrecortada por personagens psicologicamente borrados. Em alguns casos, o artista não aparece, mas apenas a sua voz, e, às vezes, este artista encarna vários papéis ou divide a cena com um ator/atriz. Em outras ocasiões, o artista não canta, mas aparece atuando. Na terceira modalidade estrutural, há ruptura com os padrões tradicionais através da negação explícita com o que ela tem de convencional.

Nesta jornada de compreensão da linguagem do videoclipe, não devemos esquecer das afirmações de Arlindo Machado no texto O vídeo e a sua linguagem, quando o autor diz que o vídeo é um sistema híbrido que opera com códigos de significantes distintos, partindo do cinema, apropriando elementos do teatro, da literatura, do rádio e, mais modernamente, da computação gráfica. Ao passear por estas considerações de Arlindo Machado, considero necessário recorrer também ao que Chion (1994) traz sobre áudio-visão. Para o especialista, considera-se áudio-visão a disposição simultânea dos espectadores em ouvir/ver algo, integrando os sentidos humanos e compreendendo as dinâmicas de empréstimo e combinações possíveis nos atos de observação que envolvem fenômenos de imagem e som.

Chion ainda complementa, dizendo que há uma premissa de que o som nos faz enxergar a imagem de maneira diferente e que, desta maneira, esta nova imagem nos faz ouvir o som também diferentemente. Estas colocações de Chion ilustram bem a nossa relação com o videoclipe: quantas vezes já escutamos determinada canção, embalados pelas imagens do videoclipe, visto anteriormente, numa ocasião qualquer?  Para Chion, isto é a base do contrato audiovisual: enxergar algo a mais na imagem e ouvir algo a mais no som, e assim por diante. Tais premissas nos permitem dialogar teoricamente melhor com o que chamamos de linguagem do videoclipe.

A música agregaria valor à imagem, mas pode-se pensar que, a depender do caso, tanto a imagem como a canção, afirma Chion (1994), podem agregar valor ao produto final. Esta hierarquia poderá variar de acordo com as especificidades de cada videoclipe. De acordo com Hennion (1996), a canção pop tem empréstimos da poesia, geralmente narrando algo e comentando esta narrativa, a fim de provocar nos ouvintes os sentimentos apropriados por aquela canção. Assim foi com Vogue, e seu “strike a pose”, bem como com o chamamento de Madonna para a revolução feminina em Express Yourself. Segundo Coelho (2003), o emprego de rimas e as frequentes repetições de refrões e de estrofes, emprestados da poesia, às vezes, da música completa, permite que haja a repetição de figuras ou motivos visuais. Vejamos o caso de Express Yourself, um dos videoclipes de análise: relações com o expressionismo alemão através dos jogos de luzes e da iconografia do movimento alemão, repetidos durante todo o vídeo.

Ainda na esteira da pesquisa de Soares (2012), os videoclipes são objetos promocionais que levam em consideração estratégias de ênfase, persuasão e convencimento. Para o autor, trata-se de um produto que relaciona áudio e vídeo, com estrutura que obedece aos regimes e sistemas de construção que se filiam mais à ordem da canção popular massiva do que ao cinema. Ancorada nas considerações de Godwin (1992), estas afirmações coadunam na ideia de que os códigos visuais do videoclipe derivam da natureza da canção, que seria ancorada na presença física através da voz de um narrador.

O videoclipe vende uma canção e geralmente reflete a estrutura desta, apropriando-se de artefatos musicais no domínio da melodia, ritmo e timbre, o que nos remete ao que os teóricos chamam de ganchos visuais, importantes para entender um videoclipe de um artista pop. Para Janotti (2005), o refrão é uma frase musical que se repete ao longo da canção, servindo de baliza para outros elementos oriundos da música popular massiva, como, por exemplo, as estrofes, as pontes e os solos, possivelmente colaborando com o ritmo, com a rima e com os aspectos semânticos da canção.

Sobre os ganchos visuais, o pesquisador Thiago Soares evoca Vernallis (2004), autor que deslinda sobre o verso gancho, material que é colocado em destaque tanto verbalmente, quanto musicalmente, com importância indiscutível no jogo da cultura pop. O registro visual deste gancho se transforma numa maneira simplória de fazer com que canção e videoclipe se tornem um produto de fácil memorização, sem deixar de expor ainda o seu caráter marcante.

Para Godwin (1992), os ganchos visuais funcionam como uma espécie de localização na imagem de uma estratégia utilizada para manter o espectador assistindo ao videoclipe, assim como as ferramentas para manter o ouvinte atento à canção. Soares aponta quatro modelos de ganchos visuais bastante frequentes: o frequente close-up no rosto dos cantores, a geração de planos que se configuram em marcas visuais de um determinado artista ou de um de seus álbuns fonográficos, a utilização de planos que sintetizem fragmentos do corpo físico dos protagonistas do videoclipe e a existência de um plano ou sequência que desvenda o segredo da apresentação do conflito no videoclipe.

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Para ilustrar estas considerações de Soares, localizo-as nos videoclipes de Madonna, que serão expostos mais adiante. O frequente close-up no rosto da cantora pode ser visto nos ganchos visuais da canção Sorry ou Hollywood; a geração de planos que se configuram em marcas visuais do álbum podem ser facilmente encontradas no videoclipe American Life; a utilização de planos que sintetizam fragmentos do corpo físico do protagonista do videoclipe se relaciona bem com os videoclipes Hung Up e Express Yourself, assim como a sequência que desvenda o conflito do videoclipe, bem estruturado em You´ll See e The Power of Good-bye.

O videoclipe e a canção são integrantes de um sistema de produção que integra itinerários semelhantes, como reforça Thiago Soares, permitindo a visualização de um cenário em que a dicção da canção se desenvolve. No refrão visual, a sua propriedade é marcar o momento em que a canção convoca o ouvinte a cantar junto de maneira mais evidente. Soares reafirma que se trata de uma marcação sonora mais premente e responsável pelo momento em que o texto sonoro se dirige com mais veemência ao seu destinatário.

Para Soares (2012), o videoclipe agrega alguns conceitos que regem a teoria do cinema, abordagens da própria natureza televisiva, ecos da retórica publicitária e dos sistemas de consumo da música popular massiva. Como Madonna utiliza a metalinguagem nos videoclipes, levando elementos do cinema para narrativas curtas, é preciso estar atento aos princípios da montagem: seleção, agrupamento e junção. A finalidade das três operações é obter, a partir dos elementos inicialmente separados, um total que é o filme, em nosso caso, o videoclipe. Em nosso próximo episódio, saiba mais sobre os videoclipes da cantora Madonna. E tão longo, a cinefilia presente em algumas das suas produções.
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Saiba Mias

AMIEL, Vicente. Estética da montagem. Lisboa: Editora Texto e Grafia, 2007.

AUMONT, Jacques. A montagem. In: A estética do filme. Campinas: Papirus, 2005.

CHION, Michel. Audio-vision: sound on screen.New York: Columbia University Press, 1994.

GOODWIN, Andrew. Fatal distractions: MTV meets postmodern theory. In: FRITH, S; GOODWIN, A; GROSSBERG, L. (Ed.). Sound & vision: the music vídeo reader. London and New York: Routledge, 1993. P. 45-66.

HENNION, A. The production of success – an antimusicology os the pop songs. in: FRITH, S & GOODWIN, A. (eds) On record – rock, pop and the written word. London and NewYork: Routledge, 1996.

GASPARELLI JR, Luiz Guaracy. Mosaico e hipertexto nos videoclipes Vogue, de Madonna. Artefactum, ano 2, n. 2009.

JANOTTI JR, Jeder. Dos gêneros textuais, dos discursos e das canções: uma proposta de análise da música popular massiva a partir da noção de gênero midiático. COMPOS. Anais, 2005.

KAPLAN, E. Ann. Rocking around the clock: music television, postmodernism and consumer culture. Londres: Methue, 1987.

LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero: a nova e seu destino na sociedade pós-moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

MACHADO, Arlindo. A Arte do Vídeo. São Paulo: Brasiliense, 1997.

________. A televisão levada á serio. São Paulo: SENAC, 2003.

________. Máquina e imaginário. São Paulo: EDUSP, 2001.

SOARES, Thiago. Videoclipe – O Elogio da Desarmonia. Recife: Livro Rápido, 2012.

SOARES, Thiago. Sobre os novos rumos da televisão musical: MTV, YouTube e o “fim” do videoclipe. Rua, 15 set 2008. Disponível em: <https://www.ufscar.br/rua/site/?p=681>. Acesso em: 05 dez 2013.

TREVISAN, Michele Kapp. A Era MTV: análise da estética do videoclipe (1984-2009). Porto Alegre, 2011. Tese (Doutorado) – Faculdade de Comunicação. Universidade Católica do Rio de Grande do Sul.

VERNALLIS, Carol. Analytical Methods. In: VERNALLIS, C. Experiencing music video – Aesthetics and cultural context. New York: Columbia University Press, 2004. P. 199-206.

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