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Entenda Melhor | O Cinema Nazista: Breve Panorama

por Luiz Santiago
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Uma das primeiras providências de Hitler no poder foi “limpar” a indústria cinematográfica da Alemanha o mais rápido que pode. Centenas de pessoas que não se encaixavam no ideal político ou racial do Partido Nacional Socialista não estava apta para comandar a sétima arte do III Reich. Um massivo êxodo de cineastas e técnicos judeus ou dissidentes políticos deixou a indústria cinematográfica alemã a mercê de realizadores em sua maioria medíocres, que nos anos seguintes fariam do documentário de propaganda, do melodrama e da comédia fácil alguns dos “melhores meios de influenciar as massas”, como dissera Goebbels na época.

Nos primeiros anos do nazismo, ainda circulavam filmes de realizadores húngaros, austríacos e alemães que não estavam filiados ao partido. Talvez uma pequena esperança ainda existisse, mas os acontecimentos dos anos seguintes mostrariam o contrário. É bom lembrar, que antes da Segunda Guerra, a Alemanha tinha um enorme influência cultural na Europa. O país esteve diretamente ligado aos pais do cinema e foi um dos desenvolvedores e divulgadores do som no cinema, algo que se tornou popular no início dos anos 1930. O primeiro filme falado na Alemanha foi O Anjo Azul (1930), filme do austríaco Josef von Sternberg, com Marlene Dietrich no elenco. Vale lembrar que tanto o diretor quanto a atriz emigram para os Estados Unidos fugindo da política empreendida pelo partido nazista.

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S.A.-Mann Brand (1933), O Jovem Hitlerista Quex (1933) e Triunfo da Vontade (1935).

Em 1933 surge o primeiro filme com verdadeiro apoio do partido, Mocidade Heroica, dirigido por Hans Steinhoff, diretor que se tornaria um realizador admirado e solicitado pelo partido. No mesmo ano, temos Refugiados, dirigido por Gustav Ucickly (filho único do pintor Gustav Klimt), filme que não aborda diretamente o ideal nacional-socialista, mas foi elogiado por Goebbels, porque demonizava os bolcheviques. É válida aqui a observação de que o filme data do período antes do Pacto Germano Soviético e que esse tipo de filme era muito comum na Alemanha antes da assinatura do pacto (1939), e voltou a ser depois de sua violação, em 1941.

Em 1934 foi aprovada a censura prévia, impedindo a existência de filmes capazes de “violar as sensibilidades nacionais socialistas, religiosas, morais ou artísticas, aparecendo brutalizantes ou moralistas, colocando em risco a reputação alemã ou as relações da Alemanha com países estrangeiros“. Nenhum filme poderia entrar em circulação antes de passar pelo crivo do partido, e este foi o primeiro motivo que fez a produção cinematográfica do país cair pela metade, se compararmos com a produção de uma década antes. As principais companhias do país, UFA, Tobis e Bavaria são completamente dominadas pelo partido em três anos, e passam a seguir o modelo nacional-socialista imposto por Goebbels, ou seja, pela primeira vez na história, uma produção nacional inteira se volta para os filmes de propaganda político-ideológica.

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O Eterno Judeu (1940), O Judeu Süss (1940) e Ich klage an (1941).

Observa-se uma onda de “filmes-resgate” na Alemanha. Presidentes e imperadores ganham representações de momentos de seus governos ou suas vidas, sempre abordados pelo viés da valorização do ser ariano, do desprezo para com os “ideais decadentes”, do instigar a juventude hitlerista e da manipulação ideológica das massas criando uma visão geral de superioridade e invencibilidade. Uma das roteiristas mais importantes desse período de mudanças foi Thea von Harbou, ex-esposa de Fritz Lang e roteirista de obras essenciais do cinema como Metrópolis (1927) e M – O Vampiro de Dusseldorf (1931). A roteirista filiou-se desde o início ao partido nazista, o que acelerou o processo de divórcio com Fritz Lang e os caminhos opostos que seguiram, com o exílio do diretor nos Estados Unidos depois da censura de O Testamento do Dr. Mabuse (1933), considerado uma crítica ao governo.

Das inúmeras obras antissemitas, as mais populares foram O Judeu Süb (de Veit Harlan) e O Judeu Eterno (de Fritz Hippler), ambas de 1940. A essas se juntaram os filmes de educação para guerra e os documentários nacional-socialistas, de onde se destaca Leni Riefenstahl, com os filmes O Triunfo da Vontade (1935) e Olympia (1938). Ao mesmo tempo, com a proibição dos filmes hollywoodianos no país, surgem os pseudo-westerns e um sem-número de aventuras exóticas, melodramas, comédias sentimentais e operetas. Nos melodramas, destacou-se o diretor Detlef Sierck, um gênio no trabalho com fortes dramas femininos e familiares — mas nunca nazista, já que ele nunca foi simpatizante das ideias de Hitler. O regime, no entanto, começou a pressioná-lo, e sua última obra na Alemanha foi La Habanera (1937). Ao sair do país, Detlef Sierck ainda faria dois filmes na Europa, um na Suíça e outro na Holanda. Com o início da guerra, em 1939, o diretor escolheu os Estados Unidos como pátria e mudou seu nome para Douglas Sirk. Seu primeiro filme nos Estados Unidos mostrava muito bem o tipo de visão política que o fez fugir do Velho Continente: O Capanga de Hitler (1943), uma propaganda antinazista.

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Quax, o Piloto de Colisão (1941), Die Feuerzangenbowle (1944) e Kolberg (1945).

Até pouco antes da guerra, uma raridade de diretores não-nazistas ainda faziam seus filmes na Alemanha. Ao passo que os acordos políticos eram descumpridos por Hitler e o enrijecimento do regime acontecia, as últimas levas de emigrações começaram a acontecer. Porém, há registros de diretores e artistas que passaram quase invisíveis pelo regime, mesmo não sendo ligados ao partido. Suas obras divertidas ou casuais foram consideradas aceitáveis pelos sensores, e evitaram muitas perguntas, colocando na Alemanha nazista diversas obras que eram apenas “filmes comuns“: comédias despreocupadas e leves, dramas históricos, melodramas, biografias de grandes artistas, etc.. Em resumo: nem toda a produção cinematográfica do país era, durante o III Reich, pró-nazista, mas precisava seguir uma cartilha estética e narrativa, assim como não poderia expor nada contra o governo.

Concluímos que ao falar de um “cinema nazista”, estamos trabalhando com um rótulo complicado, porque é muito difícil mapear absolutamente todas as produções do período 1933 – 1945, bem como ter acesso a toda lista de realizadores e suas concepções políticas. O fato é que o cinema alemão teve uma queda gigantesca durante o período nazista, seja em produção seja em qualidade, e que o teor da maioria dos filmes ali produzidos (pelo menos os que se tem notícia) eram antissemitas, anticomunistas ou pró-nazistas, isso, a despeito dos “artistas disfarçados”, com obras ingênuas e apolíticas; artistas que assumirão a maior parte da produção alemã do pós-guerra, embora antigos realizadores e técnicos nazistas também voltassem progressivamente a ganhar espaço nessa indústria, apesar da “desnazificação“. Mas isso é assunto para um outro artigo.

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