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Plano Polêmico #20 | Aziz Ansari, Consentimento e Mais um Lado das Denúncias de Abuso Sexual

por Luiz Santiago
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O Plano Polêmico imediatamente anterior a este trazia à discussão um dos muitos lados das denúncias de abuso sexual em Hollywood e outros núcleos do cinema, TV e diversas artes ao redor do mundo. Chamado Catherine Deneuve, Feminismos e as Denúncias de Abuso Sexual na Indústria do Cinema, o texto expunha a versão de um grupo de autoras francesas a respeito das denúncias de estupro e abuso, criticando algumas coisas em torno dos movimentos hoje em alta. Nos comentários aqui no site, a maioria compreendeu o contexto e mesmo nas divergências (excetuando dois ou três casos dos sempre existentes Simões Bacamartes da vida) foi possível conversar respeitosa e inteligentemente a respeito. Mas um tema paralelo ali citado ficou na minha mente, esperando o “momento certo” para vir à tona. E este momento veio com a repercussão da denúncia feita ao ator, roteirista, escritor e comediante americano Aziz Ansari.

Publicada em um site feminista americano chamado Babe.net, a matéria/denúncia intitulada I went on a date with Aziz Ansari. It turned into the worst night of my life (leia a denúncia na íntegra aqui. A leitura do original é muito importante para que, como aconteceu neste texto, não se confundam coisas que eu disse com coisas que a denunciante disse) foi escrita por Katie Way e conta a história de uma fotógrafa, então com 22 anos, que preferiu não se identificar e ali é chamada de “Grace”.

O básico: na festa do Grammy de 2017 (portanto, em setembro) Ansari e “Grace” se conheceram. Ele pediu o número de telefone. Ele entrou em contato. Pediu para sair. Ela aceitou. Foram a um restaurante, comeram ostras. Caminharam em direção ao ap dele. O convite para entrar foi feito, “Grace” aceitou. Então eles tiveram 10 minutos de amasso e a partir daí vem o cerne da denúncia — eu até cheguei a fazer um resumão do caso mas tudo ficou parecendo conto erótico forçado, então desisti. Peço que vocês realmente leiam o original para o qual coloquei o link acima e entendam na fonte o que “Grace” afirma.

Em poucas horas, a matéria de Katie Way narrando a denúncia de “Grace” parece ter realizado a verdadeira abertura do Mar Vermelho. Pulularam artigos contra, a favor, didáticos, irascíveis, irônicos, cínicos, engajados, conciliadores e mais tantos outros para falar de Aziz e de “Grace”. Vou destacar alguns. São indicações com opiniões diversificadas, com o nome das autoras, o veículo e o artigo para que vocês também leiam: Rachel Thompson, para o Mashable; Megan Garber e Caitlin Flanagan para o The Atlantic; Emily Reynolds, para o The Guardian; Julianne Escobedo Shepherd para o Jezebel e Bari Weiss para o The New York Times.

A acusação formal feita ao ator é de “Coação, insistência, má conduta sexual“. “Não respeito a indicações não-verbais“. Percebam que uma cama-de-gato se arma neste caso e brota a deixa para outros problemas infames. Tudo começando com o consentimento. Ok, algumas vezes você aceita toda a preparação para o sexo mas aí algo acontece e a passos largos você perde o interesse. Acontece. Agora, o que normalmente se faz nessas situações?

A outra pessoa precisa saber, com clareza, que você não quer mais aquilo e que pedidos para relaxar no sofá (com ou sem roupa), beber outra taça de vinho, assistir a um episódio de Seinfeld ou fazer sexo oral (com você atendendo ao pedido) não são mais opções válidas. O desconforto precisa ser imediatamente manifestado e o seu afastamento da pessoa e do lugar, idem. E neste ponto, para não avançar em meandros morais e éticos que já estão bem claros, passo direto para a minha posição: adultos com vida sexual ativa precisam ter o mínimo de maturidade e sensibilidade para entender e agir diante de coisas incômodas envolvidas no sexo. E vamos tirar de cena os crimes, ok? Ninguém aqui está apoiando estupro e abuso sexual. No lugar, vamos botar sinais misteriosos; ou “mais ou menos alguma coisa” que podem dizer tudo ou nada dependendo das pessoas em cena.

Aí cabem todas as discussões possíveis: educação machista que não consegue perceber que está invadindo um espaço; recusa seletiva do homem em entender que não está sendo correspondido, etc. Mas o caso aqui é, de um lado, a necessidade de uma posição firme e definitiva da mulher para defender o espaço do seu corpo e a obrigação definitiva do homem em atender ao “não” e ir resolver sozinho seu caso de blue balls. O que sobra? Bem, o que sobra é que quando isso não é compreendido pelos dois lados, temos uma acusação que fala de “conduta sexual inadequada” (um poço sem fundo onde tudo cabe, dependendo da pessoa que interpreta o que é ou não adequado) e uma resposta sem pé nem cabeça de quem recebe a acusação porque a situação em si é mesmo dadaísta. De algo que poderia ser resolvido na intimidade e de um encontro ruim com um cara que “estava vindo com muita sede ao pote”, o evento pode se tornar, por porquice de um lado e semi-resiliência do outro, uma denúncia que vai bem à margem de casos horrendos e realmente muito graves de agressão sexual às mulheres.

Como fim disso, vê-se estendido o incômodo feminino que foi finalizado pela própria mulher (novamente: leiam a denúncia original) e a colocação de um homem que errou em diversas etapas do tal encontro, mas que não carrega sozinho a culpa daquele momento. E não, aqui não abro o filão de “culpar a vítima” ou de “colocação da vítima em posição duvidosa” ou de “só se fala do que a vítima DEVERIA ter feito“, mas de uma visão crua e simples para uma situação onde não existe ameaça e onde alguém não é impedido de ir embora ou forçado a fazer sexo. A situação é no mínimo desagradável, mas colocá-la no mesmo balaio que lá vão Harvey Weinstein e Cia. é em si só, um desvario.

Se qualquer desagrado pessoal se tornar motivo de denúncia e se em um momento X alguém não parar o que está fazendo e seguir seu caminho, indicando que não quer mais fazer parte daquilo, nós podemos ver a roda da fortuna mudar de lado e aumentar aquilo que infelizmente já é grande e é um dos crimes citados nos comentários do Plano Polêmico #19: as acusações banais e as acusações falsas contra as quais não há volta para o nome do acusado. Sem ônus real para o outro lado. E é importante dizer isso: não há causa ganha em tribunal ou indenização que paguem uma acusação banal ou falsa de abuso sexual. Sem filtro ou punição para as mulheres que o fazem, a coisa em pouco tempo desanda. E em países como o Brasil, certamente atrasam ainda mais a já lenta Justiça, retardando o atendimento de casos reais e graves de agressões, estupro e violências que infelizmente ainda são muitos e precisam ser denunciados e punidos.

É preciso tomar cuidado com a banalização de um tema que é muito sério. Como disse uma jornalista americana recentemente: “se tudo é escândalo; nada é escândalo“.

***

Peço que comentem a opinião de vocês sobre o caso e este outro lado que é importante discutir. E para quem ainda não viu este vídeo — que é um pouquinho antigo já –, convido a assistir. É mais uma tora para esta fogueira que já sinto arder por aqui…

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